Na ausência de plena capacidade de participação
e crítica, a democracia representativa acaba se tornando um ritual
onde os que decidem pouco percebem sobre o que estão decidindo
Por Bruno Rocha
No meio da corrida eleitoral de 1º turno, onde a
7ª economia do mundo vai decidir seu destino consultando a vontade e
desinformação da 79ª sociedade mundial em índice de IDH, é preciso fazer
uma série de reflexões. Para tal, precisamos ir além da denúncia do
esvaziamento da democracia em sua versão liberal e indireta. Entendo que
vivemos um problema estruturante, que tem relação direta com dois
fenômenos. O primeiro passa pela individualização do cotidiano, com
tarefas que se multiplicam e tempos esgotados. O capitalismo em sua era
informacional não dá tempo hábil para a vida coletiva e menos ainda para
as experiências políticas massivas. Quando isto ocorre, temos uma
“crise”, como em junho de 2013. Saudável “crise” por sinal.
O segundo se aplica no descolamento do processo
eleitoral em relação ao processo político. A escolha massiva de
governantes, em especial dos concorrentes para o Poder Executivo, é
atravessada pela linguagem publicitária, passando longe da propaganda
política, anos luz das grandes ideologias e universos de distância das
realizações de governo ou proposição de políticas públicas. Má notícia.
Estes dois fenômenos não são fruto da infeliz democracia publicitária
brasileira e sim um padrão no mundo ocidental, onde as democracias
liberais, indiretas, não deliberativas e com tendências oligárquicas
esgotam sua capacidade de representar as vontades de maiorias que
decidem sem sequer saber ao certo sobre o que estão decidindo.
O descolamento eleitoral é simples de ser observado. Em alguns testes – não científicos, sem variáveis de controle – venho observando o seguinte processo, usando como ponto de debate a corrida eleitoral para a Presidência em 2014.
Se admitirmos como válidos os critérios sócio-econômicos do IBGE, indivíduos das classes C e D estariam propensos a votar em Marina, ainda que não consigam definir uma política de governo com a qual ela se comprometera. A medição dos candidatos se dá, majoritariamente, através de efeitos midiáticos, sendo que a maioria não entende o funcionamento do Estado brasileiro e menos ainda o peso da dívida pública, ainda que esta pauta tenha sido ressaltada no debate televisivo inicial (na Rede Bandeirantes, na 3ª dia 26/08/2014). Assim, as primeiras impressões definem mais as escolhas do voto do que qualquer análise mais racional dos benefícios advindos através do lulismo e seu governo de conciliação de classes e jogo do ganha-ganha. A fórmula é simples. Um ponto de variação da Taxa Selic implica em um ano de gastos do Bolsa Família. Ainda assim, nada indica a fidelização de votos dos beneficiados pelas tímidas políticas sociais do lulismo.
Já nas classes A e B, ao menos onde circula um bom nível de informação e o alinhamento tanto com o Ocidente como com o pensamento neoliberal mais duro não são tão evidentes, a tendência é vir a votar em Dilma pela lógica da sequência da projeção do Estado brasileiro e das políticas públicas abrangendo tanto os empreendimentos como as políticas sociais. Parece que o Aécio só ganha – segundo o tracking do Ibope - com gente com renda acima de 5 salários mínimos. Trata-se de oposição classista (do andar de cima e ideológica), assim a esperança dos tucanos que não são tão vinculados a um comportamento de tradição udenista migra para a chance de vitória com Marina.
Como o que vale é a regra de campanha, a presidente de fato é simbolicamente frágil. Dilma fala mal, se expressa mal e tem dicção truncada. É um péssimo produto televisivo e uma boa operadora de governo. Sem o Lula empurrando e com algum esgotamento do modelo brasileiro de crescimento, pode emperrar no 2o turno. Quanto ao PSDB, entendo que José Serra e Alckmin estão puxando votos para Marina, esvaziando a campanha do Aécio. Mas, pode ser que Marina não surfe nesta onda positiva por mais 30 dias e chegue com algum desgaste nas eleições (o caso do avião de Campos e o grupo de assessores diretos de campanha, com a Natura e o Grupo Itaú ao seu redor).
Se houvesse algum tipo de racionalidade neste processo, duas constatações óbvias seriam consenso. A primeira afirma ser a centro-esquerda a melhor gestora do capitalismo (e isso não é um elogio ou uma apreciação). A segunda constatação afirma que qualquer proposta de esquerda e democrática, deveria passar cada vez mais longe das urnas e sim na luta direta por direitos e formas democráticas deliberativas.
Fonte Estratratégia e Análise
Leia mais
UM ESPECTRO RONDA O BRASIL: O ESPECTRO DO MARINISMO.
Fonte Náufrago da Utopía
A
rapidez com que a candidatura presidencial de Marina Silva deslanchou,
além de deixar aparvalhados petistas e tucanos, impôs aos analistas o
desafio de decifrarem a nova esfinge da política brasileira, que está
devorando todas as suas certezas de antes do fatídico 13 de agosto.
Despretensiosamente, alinhavei trechos dos últimos artigos de colunistas
que, no meu entender, abordaram aspectos interessantes da questão. Os
meus comentários vêm em vermelho.
Valem pelo que valem: ajudam-nos a refletir sobre um fenômeno novo.
Neste sentido, não dei bola para o fato de que dois deles
costumeiramente são satanizados em certas tribunas da esquerda. Como se
dizia antigamente, até um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes
ao dia...
DESENVOLVIMENTISMO x SUSTENTABILIDADE
A expectativa de segundo turno entre duas mulheres, uma ex-gerentona
neopetista e uma evangélica ex-petista, ambas bravas e autoritárias,
promete boas emoções. Vai sair faísca.
Duas mulheres, duas histórias diferentes. Dilma Rousseff vem da classe
média de Minas e entrou pela porta da frente em bons colégios católicos.
Marina Silva emergiu da miséria no Acre e chegou pela porta dos fundos:
esfregava chãos e lavava banheiros das freiras para ter direito às
aulas.
Dilma vem da resistência armada à ditadura, era do PDT e virou
presidente pelo PT. Marina nasceu com a bandeira do meio ambiente,
cresceu no PT, fez fama nacional no PV, tentou sem sucesso criar a Rede e
acabou candidata a derrotar Dilma pelo PSB. Ou seja: Marina, muito mais
petista de raiz do que a neófita Dilma, se tornou a maior ameaça à
continuidade do PT no Planalto.
Dilma e Marina conviveram no PT e no ministério do primeiro governo
Lula. Foi aí que a encrenca começou. As duas encarnaram uma guerra entre
"desenvolvimentismo" e "sustentabilidade" e disputaram não só espaço e
poder interno, mas as graças do ídolo Lula. Dilma venceu todas, e Marina
deixou o governo, o lulismo e o PT. Ganhou vida própria. E assombra os
petistas. (Eliane Cantanhêde, em sua coluna de 29/08 na Folha de S. Paulo - clique aqui para ler a íntegra)
É
algo geralmente omitido pelos detratores de Marina, obcecados em
desconstruí-la a qualquer preço e com quaisquer métodos: a acriana tem
muito mais cara de PT do que a mineira. E ela leva vantagem
também em termos de trajetória política, pois se lançou com bandeiras
ecológicas (importantíssimas quando a própria sobrevivência da espécie
humana está ameaçada pela ganância capitalista) e se mantém fiel a elas
até hoje
Dilma,
pelo contrário, lutava pela justiça social no tempo da guerrilha e
depois se tornou (argh!) desenvolvimentista. Chegou ao cúmulo de
apresentar como seu sonho dourado a transformação do Brasil num país de
classe média (argh de novo!). Para quem se mantém essencialmente nos
marcos do marxismo e do anarquismo, como eu, sua degringola ideológica é
chocante: de Che Guevara para Juscelino Kubitschek!
Enquanto
for Dilma a candidata do PT, não tenho dúvida nenhuma em afirmar que
quem melhor representa a esquerda no embate é Marina. Se os petistas
tomarem a única providência que parece oferecer-lhes possibilidade de
salvação, tornando Lula candidato, aí a coisa mudará de figura.
DOIS PARADIGMAS SERÃO QUEBRADOS?
O dado mais relevante da pesquisa Datafolha realizada nos dias 28 e 29
de agosto é a consolidação, neste momento, de Dilma Rousseff (PT) e
Marina Silva (PSB) como as primeiras colocadas na disputa presidencial.
Elas estão empatadas com 34% de intenções de voto cada uma.
Nunca nas eleições diretas para presidente da República pós-ditadura
militar, nesta fase da campanha, os dois protagonistas isolados foram de
partidos cujas origens estão na esquerda do espectro político.
A eleição é em 5 de outubro. Restam pouco mais de 30 dias para uma
reversão do quadro. Se isso não ocorrer, pela primeira vez o Brasil não
terá um legítimo representante do centro ou da direita entre os dois
finalistas na disputa presidencial. (Fernando Rodrigues, em sua coluna de 30/08 na Folha de S. Paulo - clique aqui para ler a íntegra)
Não
excluo a possibilidade de que a decisão ainda venha a ser entre esquerda
e direita, como previ no dia do acidente com o jatinho de Eduardo
Campos. O meu prognóstico se baseou exatamente no fato de que tem sido
esta a tônica desde a redemocratização.
Caso o
PT insista em perder com Dilma, sua candidatura ainda pode descer
ladeira abaixo com velocidade suficiente para Aécio Neves a ultrapassar
na reta de chegada.
Mas, a
aposta mais sensata, neste momento, é mesmo na quebra deste paradigma, e
também de outro: nunca o 2º turno foi disputado por duas mulheres.
GERENTONAS x ESTADISTAS
No Brasil, os eleitores procuram administradores, gerentes, quando se
trata de disputas municipais e estaduais. Nas eleições presidenciais,
contudo, buscam a personificação de uma utopia possível. FHC e Lula
chegaram ao Planalto nas asas de grandes ambições. Hoje, é Marina quem
aparece como a representação de uma ruptura profunda.
A utopia associada a FHC pode ser sintetizada pelas ideias de
estabilização e modernização. Desde o segundo mandato tucano, porém, o
PSDB abandonou a trilha das reformas e, sob o fogo da crítica petista,
borrou o horizonte utópico com as cores cinzentas da "capacidade
gerencial"...
A utopia associada a Lula pode ser sintetizada pelas ideias de igualdade
e justiça social. Inflado pelos ventos de popa da economia mundial, o
potencial utópico do lulopetismo durou um mandato mais que o dos
tucanos, mas encerrou-se no quadriênio de Dilma Rousseff. As suas
reformas sociais praticamente esgotaram-se nas políticas de crédito e
transferência de renda que ajudaram a estimular o boom de consumo
popular.
Hoje, num sentido fundamental, o PT converteu-se na nova Arena: o
partido cuja força emana do controle da máquina pública. O mapa das
intenções de voto na candidata-presidente evidencia a regressão política
do partido que traçou seu caminho para o poder entre os eleitores de
alta e média escolaridade dos grandes centros urbanos.
Marina aparece como representação da terceira utopia, tão nitidamente expressa nas Jornadas de Junho de 2013... (Demétrio Magnoli, em sua coluna de 30/08 na Folha de S. Paulo - clique aqui para ler a íntegra)
Eu já havia escrito algo bem próximo: que o PT está repetindo a trajetória do PMDB e do PSDB, partidos que começaram à esquerda e foram se descaracterizando cada vez mais, o primeiro se tornando uma agremiação meramente fisiológica e o segundo, o mais conspícuo representante da direita brasileira.
Eu já havia escrito algo bem próximo: que o PT está repetindo a trajetória do PMDB e do PSDB, partidos que começaram à esquerda e foram se descaracterizando cada vez mais, o primeiro se tornando uma agremiação meramente fisiológica e o segundo, o mais conspícuo representante da direita brasileira.
O PT
ainda não chegou lá, claro, mas é para onde se encaminha, com o cada vez
mais acentuado abandono das bandeiras revolucionárias, trocadas por um
reformismo tão tímido que nem Eduard Bernstein aplaudiria.
E,
por já não ter quase nada a oferecer ao eleitorado dos grandes centros
urbanos, seu celeiro de votos serão, cada vez mais, os pequenos e médios
municípios, e principalmente os das regiões Centro-Oeste, Norte e
Nordeste. Enquanto isto, sua influência tende a continuar diminuindo no
Sudeste (responsável por 55,4% do PIB) e Sul (16,2%). Mas, suponho, não a
ponto de se tornar um partido dos grotões, como o PDS (sucessor da Arena) nos seus estertores...
Outro
ponto em que concordo inteiramente com Magnoli: as jornadas de junho de
2013 foram um divisor de águas, com os manifestantes de rua retomando o
protagonismo político depois de uma década de pasmaceira, durante a
qual os movimentos sociais não só superestimaram a importância do poder
político (cada vez mais avassalado ao poder econômico), como a própria
disposição do PT em tentar concretizar as transformações profundas de
que o Brasil desesperadamente carece.
Fonte Náufrago da Utopía
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