quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Está na hora da Verdade?


Em meio deste turbilhão sombrio, alimentado, entre outros pelo músico Lobão, que não cumpriu a promessa de deixar o país no caso de vitória de Dilma Rousseff, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) voltou a pressionar o Estado brasileiro no sentido de se posicionar em favor do esclarecimento de fatos relacionados com o período da ditadura. 


 Está na hora da Verdade?

Depois de alguns adiamentos, a Comissão Nacional da Verdade deverá revelar os crimes e torturas ocorridos durante a ditadura.

Correio do Brasil


Por Mário Augusto Jakobskind

E 2014 está prestes a chegar ao fim. Mas antes disso aguarda-se para a próxima quarta-feira, 10 de dezembro, a divulgação do relatório da Comissão Nacional da Verdade. É importante neste momento este conhecimento oficial pela sociedade brasileira de acontecimentos ocorridos nos 21 anos de ditadura civil militar vigente no país.

As revelações ganham maior importância ainda pelo fato de que nas últimas semanas grupos de extrema direita, juntamente com apoiadores do candidato derrotado Aécio Neves têm saído às ruas pedindo a volta do regime ditatorial e o impeachment da Presidenta eleita.

Como de alguma forma a mistura provocou repúdio em amplos setores, os apoiadores do PSDB tiveram de se desvencilhar do grupo de apoiadores da ditadura, também integrado por eleitores do mesmo candidato.

Em meio deste turbilhão sombrio, alimentado, entre outros pelo músico Lobão, que não cumpriu a promessa de deixar o país no caso de vitória de Dilma Rousseff, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) voltou a pressionar o Estado brasileiro no sentido de se posicionar em favor do esclarecimento de fatos relacionados com o período da ditadura.

É sabido, embora pouco divulgado, que o Governo de Dilma Rousseff criou a Comissão da Verdade depois que uma sentença da Comissão da OEA pressionou o Estado brasileiro no sentido de esclarecer os assassinatos, fora de combate, de guerrilheiros do Araguaia.

Na verdade, até hoje o Brasil ainda não esclareceu onde se encontram os corpos da maioria dos que depois de presos pelo Estado foram mortos em circunstâncias cruéis.

Em anos anteriores, segundo o Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM-RJ) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Estado já gastou 23 milhões de reais para a promoção de mais de 20 expedições na região do Araguaia.

Foram feitas 112 escavações e 27 exumações desde 2009 e até agora sem identificações. Os familiares dos mortos no Araguaia ficaram constrangidos ao acompanharem essas expedições, porque, segundo eles, eram obrigados a acompanhar representantes da instituição que exatamente exterminou os guerrilheiros já fora de combate.

Como se não bastasse, os acusados de responsabilidades pelas ações de extermínio no Araguaia, o major da reserva Lício Augusto Maciel e o coronel também reformado Sebastião Curió não só se recusam a colaborar para o esclarecimento dos fatos, como fazem chacota sobre o fato e tudo fica por isso mesmo. Eles inclusive têm arquivos e se negam a divulgar.

Por estas e outras, a Comissão da OEA acaba de fazer nova exortação ao Estado brasileiro no sentido de esclarecer os fatos relacionados com o caso do Araguaia e outros desaparecimentos ocorridos nos anos de chumbo de 1964 a 1985. O prazo é até o próximo mês de março.

Vale assinalar também que o Ministério Público Federal, por sinal parte do Estado brasileiro, tem feito um trabalho importante nesta área e recebeu congratulações por parte da Comissão de Direitos Humanos da OEA.

Nesta história ainda não esclarecida sobre os 75 desaparecidos da guerrilha do Araguaia vale assinalar io trabalho incansável do Grupo Tortura Nunca Mais, não só do Rio de Janeiro, como de São Paulo, Pernambuco e outros Estados.

De alguma forma, a Comissão Nacional da Verdade para começar seus trabalhos se valeu de informações já catalogadas pelo GTNM pelo menos desde 1980.

Mas, em suma, como afirma a presidente do GTNM, Vitória Grabois, se o Estado brasileiro tivesse aberto os seus arquivos, não haveria todos esses problemas.

No relatório da Comissão Nacional da Verdade espera-se também que se encarregue de reabrir o caso das circunstâncias da morte, suspeita do Embaixador José Jobim, ocorrida em março de 1979.

O Instituto João Goulart ingressou no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro com uma ação para esclarecer como morreu o embaixador que estava para escrever um livro sobre a corrupção em Itaipu quando apareceu enforcado na Barra da Tijuca depois de desaparecer de casa um dia e meio antes.

A filha do diplomata, a advogada e jornalista Lygia Jobim,  garante que ele não se suicidou, como concluiu o delegado Rui Dourado, uma figura comprometida, por amizade e ideologicamente, com o embaixador Manoel Pio Correia, mencionado no livro do ex-agente da CIA, Philip Agee (Por Dentro da Companhia), como brasileiro vinculado ao referido serviço de inteligência estadunidense.

Correia, por sinal, foi o criador do CIEX do Itamaraty, o Centro de Informações do Exterior, que monitorava no exterior brasileiros opositores da ditadura.

Correa, por coincidência ou não, depois de aposentado no Itamaraty passou a dirigir a empresa Siemens, fornecedora das turbinas de Itaipu, uma obra mencionada pelos apoiadores da ditadura como símbolo de uma época. Só que este ”símbolo” saiu por um custo dez vezes superior ao projeto inicial.  E teria saído muito mais em conta se fosse colocado em execução à hidrelétrica com turbinas soviéticas, que estava sendo projetada pelo governo Jango Goulart e que preservaria a área de Sete Quedas, desaparecida com o projeto de Itaipu da ditadura.

O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony lembrou de um fato muito importante. Ele declarou que “para todos os fins de direito que sei, por fonte que não posso revelar, que no dia do achado do corpo do Embaixador José Jobim, março de 1979, chegou à delegacia que investigava o caso um telex do Ministério da Justiça determinando fosse o mesmo arquivado sem investigação.

Para os leitores que queiram maiores informações devem entrar no site do Instituto João Goulart (www.institutojoaogoulart.org.br) para acessar um vídeo esclarecedor sobre o fato.

Em tempo, com a vitória insofismável do candidato Tabaré Vázquez, mais um derrotado, desta vez Luis Lacalle Pou, de centro direita, ingressou no rol de figuras como o venezuelano Henrique Capriles Radonski e Aécio Neves. Os dois últimos até hoje não se conformaram com o resultado das urnas e que se fossem eleitos fariam com que seus países voltassem a ser semi colônias estadunidenses.

Independente das eventuais diferenças entre eles, os três parecem terem saído da mesma forma, do rol das famílias da alta classe média e da burguesia.

Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil). Seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla , será lançado dia 17, no Rio de Janeiro.

Direto da Redação é um fórum de debates, do qual participam jornalistas colunistas de opiniões diferentes, dentro do espírito de democracia plural, editado, sem censura, pelo jornalista Rui Martins.



Saiba mais: 


A verdade que dói 


ENTREVISTA / PEDRO DALLARI



Editorial do Observatório da Imprensa na TV n. 761, exibido em 2/12/2014

A busca da verdade não tem prazo, não se esgota. Buscar a verdade é um compromisso que transcende a esfera jurídica, é um dever moral, um modo de existir amparado em valores que não se extinguem, não se fragmentam, nem são substituíveis.

O cinquentenário do golpe militar de 1964 aproxima-se do fim: no dia 10 de dezembro, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, entregará à presidente da República, Dilma Rousseff, o balanço destes dois anos de investigações. Não significa que o capítulo mais sangrento da nossa história política estará encerrado. Encerra-se, apenas uma das suas etapas – a primeira, mas não a única, nem a derradeira.

A partir de agora, estará em funcionamento um novo e poderoso vetor no seio da sociedade brasileira – a dinâmica da verdade. E o que fazer com a verdade? Basta conhecê-la? Conhecer o crime, saber quem é o criminoso satisfaz nosso desejo de justiça? E, se não satisfaz, quem nos garante que a punição é peça fundamental para que a justiça seja feita?

Estas são questões graves, adultas, que a sociedade brasileira até hoje não havia encarado e que nos conduzem inevitavelmente à questão da anistia.

Em outras palavras – vale o combinado?

Para ajudar a enfrentar esse dilema, o Observatório da Imprensa conta na edição de hoje com a honrosa participação de três militantes desta busca da verdade: o magistrado, jurista e professor de direito Pedro Dallari, o último coordenador da Comissão da Verdade; e para ajudar a entrevistá-lo, dois grandes repórteres investigativos, de gerações diferentes, mas igualmente engajados na dolorosa empreitada de recuperar o passado e desmontar mentiras: Chico Otávio, do Globo, e Juliana Dal Piva, do Dia. Aqui poderiam estar dezenas de outros e um dia estarão.///

Pedro Dallari: será possível convivermos com a verdade sem levá-la às últimas consequências, isto é, sem percorrer o caminho da punição? (Alberto Dines) 






Histórias de vida

Geralmente descobre-se o passado de um país através dos livros de história, mas nós estamos descobrindo a história do Brasil através das biografias. Em agosto saiu o último volume do monumental relato sobre a vida e a morte de Getúlio Vargas, escrito pelo jornalista Lira Neto. agora, pela mesma Companhia das Letras, com a assinatura do historiador Daniel Aarão Reis, está nas livrarias o épico sobre Luis Carlos Prestes, o cavaleiro da esperança, e a trágica morte de sua mulher, Olga Benário, num campo de concentração nazista.

Daniel Aarão Reis trabalhou com a documentação dos arquivos soviéticos e russos, entrevistou dezenas de testemunhas brasileiras e assim desvendou novos lances sobre o patriarca do comunismo brasileiro. Líder estudantil, militante dos movimentos de resistência à ditadura militar, Daniel Aarão Reis traça um fascinante retrato do revolucionário ortodoxo que durante quase oito décadas foi uma referência na política brasileira.