«E eu pergunto aos economistas, políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?» Almeida Garrett, “Viagens na minha terra”
O último relatório da
OXFAM em que se revela que, já no próximo ano, 1 por cento da
população mundial terá mais riqueza do que os restantes 99 por cento vem
dar especial significado à expressão criada por um anarquista (David Graeber) e popularizada pelo movimento Occupy nos Estados Unidos: we are the 99%.
O relatório refere que este fosso entre
os mais ricos e os mais pobres não pára de crescer (em 2006 a relação
era de 2% para 98%, aqui).
Segundo a OXFAM, as 80 pessoas mais ricas do mundo detêm tanta riqueza
como os 3.500 milhões (três mil e quinhentos milhões) das mais pobres.
Quando se trata de sacrifícios é comum
ouvirmos que a crise obriga a que todos tenhamos que nos sujeitar a
cortes nos salários, aumento da jornada de trabalho, impostos a dobrar,
desemprego e tudo o mais. Todos não: há sempre um grupo todo-poderoso
que ganha com as crises e que a austeridade nunca afecta, mas, antes
pelo contrário, continua a acumular (e cada vez mais) lucros
fantásticos.
Se da riqueza que produzimos uma parte
importante vai sempre para o bolso dos patrões (através das mais valias)
ou para o Estado (através dos impostos) a acumulação crescente de
riqueza por parte de um número tão pequeno de grandes capitalistas
significa que a exploração que sentimos na pele é também crescente e que
cada vez afecta mais trabalhadores e mais pessoas a nível mundial,
colocando a muitos em patamares de fome, má nutrição, miséria absoluta.
Cada vez tem mais actualidade a velha pergunta formulada por Almeida Garrett: “quantos pobres são necessários para produzir um rico?”.
E a resposta é evidente: para haver um rico é necessário que
existam cada vez mais pobres. Indicam-no os estudos, mas indica-o também
a nossa percepção, a percepção de quem percorre as ruas dos nossos
bairros, das nossas cidades e dos nossos países e vê por todo o lado
miséria e exclusão por entre pequenos oásis de luxo e riqueza,
geralmente fortemente protegidos. Muita miséria e muita exclusão lado a
lado com a riqueza por todos produzida, mas de que um pequeno punhado se
apropriou e apropria diariamente. Claro, enquanto os de baixo, os
explorados e espoliados de todo o mundo consentirmos. E não será já
tempo de acabarmos com este fosso e fazermos com que a riqueza seja
distribuída de forma mais igualitária entre todos?
Arregacemos, então, as mangas…
David Santos (por email)
Fonte Portal Anarquista
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