sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

IMPEACHMNT PARA DILMA, E PARA QUEM MAIS?


Nenhum governante resistiria ao parecer usado para justificar o impeachment de Dilma. Geraldo Alckmin, por exemplo, seria uma das vítimas, tanto como teria sido FHC, ou Kassab, Haddad, Aécio, Lula e até mesmo o prefeito de Xiririca da Serra


A considerar os argumentos de Gandra para o Impeachment, nenhum político sobreviveria no poder (Imagem: Pragmatismo Político)


Percival Maricato, GGN

O jurista Ives Gandra cobra caro por seus pareceres. É sabidamente um competente tributarista e extremado conservador. Recentemente deu um parecer concluindo que a responsabilidade por culpa (negligência, imperícia e imprudência) é suficiente para um processo de impeachment contra um governante. Evidentemente o petardo é dirigido a Presidente eleita.

Diz Gandra que o parecer foi encomendado por um advogado. É muito comum advogados pedirem pareceres a outros, mas para defender clientes, a quem é entregue a conta. Evidentemente não se pede por curiosidade. Por sua vez, é comum que o parecerista faça esforços para defender as teses favoráveis do requerente, e será tanto melhor quanto com elas se identificar.

Mas há que se ter responsabilidade e limites também na advocacia. No parecer, para dar credibilidade e fundamento, Gandra mostra a Presidente como uma irresponsável completa e acabada, omissa ante a proliferação de casos de corrupção, limites que até políticos da oposição tem mais cuidado para cruzar. Curioso que o parecer apareça quando um inimigo declarado da Presidente assume o cargo de Presidente da Câmara Federal, de quem depende o inicio de um processo desse tipo. Alguém está por trás disso tudo, quem sabe se revele, pois já tem seu instrumento para agitar ainda mais o cenário político.

O parecer tem uma lógica jurídica interna coerente, mas a coerência decorre de interpretações subjetivas das normas. Um outro jurista, interpretando os mesmos dispositivos, poderia chegar a uma conclusão totalmente contrária.

A diferença está em que o de Gandra é um desastrado atentado às instituições democráticas. Estas não podem ser submetidas as jogos de interpretações de leis, isoladas do contexto político social do caso que analisa, do regime político vigente. Muito menos podem considerar como algo semelhante a responsabilidade objetiva a exercida por governante sobre os funcionários públicos. Teria ele que ser onisciente e onipresente.

Se não fosse assim, que governante restaria no poder? Até mesmo o prefeito de Xiririca da Serra seria cassado por irresponsabilidade ou corrupção de um fiscal ou policial afoito que recebe R$ 50,00 por não multar um motorista ou comerciante (vereadores de Xiririca já devem estar agradecidos pelo parecer). O governador Geraldo Alckmin, por exemplo, seria uma das vítimas, tanto como teria sido FHC, a quem o advogado que requereu o parecer defendeu, ou Kassab, Haddad, Aécio, Lula etc. No caso de Alckmin não faltam episódios de corrupção no governo (casos do Metrô por exemplo) ou de erros dramáticos de avaliação(crise hídrica), ambos revelando culpa, suficiente para impeachment, se aceitarmos as conclusões do parecer. Mas como se pode discutir a legitimidade do governador paulista, eleito recentemente, o valor maior a ser defendido em um Estado Democrático de Direito? Ou a da Presidente Dilma, eleita após os fatos citados como exemplo por Gandra já serem amplamente conhecidos? O julgamento dos governados não tem valor? Democracia, legitimidade etc, não pesam na hora de dar um parecer?

Temos que aceitar nossas diferenças com os políticos eleitos, pois pior seria explodirmos o regime democrático. Com ou sem guerra civil, ao final o país estaria dividido entre inimigos jurados, os vencedores sem crédito nenhum junto aos vencidos, que aguardariam a oportunidade da revanche. E de quebra, teríamos uma situação onde não poderíamos eleger ou mesmo criticar governantes (ou dar certos pareceres), por décadas, como já aconteceu.



Saiba mais


Pontos de vista 

Não há elementos jurídicos para impeachment de Dilma, rebatem juristas  




Consultor Jurídico

O parecer do jurista Ives Gandra que aponta a possibilidade jurídica de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi rebatido por Lenio Streck, ex-procurador de Justiça, professor e advogado; Marcelo Cattoni, doutor em Direito e professor da UFMG; e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, doutor em Direito e professor da Unifor-CE.

Em artigo enviado à revista eletrônica Consultor Jurídico, eles apontam que a tese defendida por Gandra usa elementos jurídicos para justificar uma decisão política, o que criaria um "curto-circuito entre Direito e política no plano constitucional". O artigo cita ainda o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Moreira Alves, segundo quem "um processo de impeachment não é o espaço onde tudo é possível".

Leia o artigo:

O jurista Ives Gandra elaborou parecer, dado a público, sustentando existirem elementos jurídicos para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Diz o professor que “apesar dos aspectos jurídicos, a decisão do impeachment é sempre política, pois cabe somente aos parlamentares analisar a admissão e o mérito”. Diz, em síntese, que é possível o impeachment porque haveria improbidade administrativa prevista no inciso V, do artigo 85, da Constituição Federal: “o dolo nesse caso não é necessário”. Mais: “Quando, na administração pública, o agente público permite que toda a espécie de falcatruas sejam realizadas sob sua supervisão ou falta de supervisão, caracteriza-se a atuação negligente e a improbidade administrativa por culpa. Quem é pago pelo cidadão para bem gerir a coisa pública e permite seja dilapidada por atos criminosos, é claramente negligente e deve responder por esses atos”. 

Para resumir ainda mais, Ives Gandra quis dizer que comete o crime de improbidade por omissão quem se omite em conhecer o que está ocorrendo com seus subordinados, permitindo que haja desvios de recursos da sociedade para fins ilícitos. Simples assim.

É o relatório, poderíamos assim dizer, fosse uma sentença.

Preliminarmente, é necessário deixar claro que falar sobre impeachment de um(a) presidente da República de um país de 200 milhões de habitantes não é um ato de torcida. Ou se faz um parecer técnico, suspendendo os seus pré-juízos (Vor-urteil) ou se elabora uma opinião comprometida ideologicamente. Mas daí tem de assumir que não é técnico. O que não dá para fazer é misturar as duas coisas: sob a aparência da tecnicidade, um parecer comprometido. Vários leitores da ConJur detectaram bem esse problema no parecer do ilustre professor paulista.

De todo modo, vamos falar um pouco sobre isso. Afinal, existe literatura jurídica (doutrina e jurisprudência) que confortam facilmente uma tese contrária à do parecerista.

Já de saída, ao dizer que há argumentos jurídicos para sustentar uma tese política, Gandra mistura alhos com bugalhos. No caso, Gandra usa a política como elemento predador do direito. Aliás, o Direito tem de se cuidar dos inúmeros predadores exógenos e endógenos. Os principais predadores exógenos são: a política, a moral e a economia. O direito não pode ser reduzido, sem as devidas mediações institucionais a um mero instrumento à disposição da política. Além disso, há um sério problema de teoria da constituição no argumento do parecerista. Ele talvez compreenda mal o papel da Constituição democrática.   Pois se de um ponto de vista sistêmico a Constituição é um acoplamento estrutural entre direito e política, isso pressupõe, por um lado, uma diferenciação funcional entre direito e política e, por outro, prestações entre ambos os sistemas, de tal forma que o direito legitime a política e esta garanta efetividade ao direito. Assim, a Constituição é parâmetro de validade para o direito e de legitimidade para a política.

Para além de um ponto de vista sistêmico ou funcionalista, do ponto de vista da teoria da ação a Constituição é a expressão, no tempo, de um compromisso entre as forças políticos sociais, não resta dúvida. Mas todo compromisso, enquanto promessa mútua, possui um sentido performativo de caráter ilocucionario ou normativo: a Constituição constitui; ou seja, é a expressão da auto constituição democrática de um povo de cidadãos que se reconhecem como livres e iguais.

O que, em outras palavras, significa que a Constituição é uma mediação, no tempo, entre Direito e política.  Falar em elementos jurídicos que justificam uma decisão política, nos termos do argumento de Gandra, pressupõe o argumento autoritário de um direito como instrumento da política. Esse é o busílis do equívoco do professor. Assim, ao invés de mediação, o que ocorre é um curto-circuito entre Direito e política no plano constitucional, chame-se isso de colonização do Direito pela política, corrupção do código do Direito pela política, ação predatória da política no Direito, ilegitimidade política ou, simplesmente, defesa de uma tese inconstitucional!!
 
O curto-circuito detectado pelos leitores da ConJur

Onde está o curto-circuito no argumento do professor Gandra? Observemos como nem é necessário lançar mão de grandes compêndios sobre a matéria. Vários leitores da ConJur mataram a charada. O comentarista G. Santos (serventuário) escreveu: “O Professor mistura lei de improbidade com lei de crimes de responsabilidade. Lança mão do vago art. 9º, 3, da Lei 1079/50 para justificar seu parecer de que se admite crime de responsabilidade culposo, e, pior, chega a afirmar que o art. 85, V da CF seria auto-aplicável! Só que o parágrafo único do mesmo artigo é expresso ao prescrever que "Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento".


E complementa o nosso leitor conjurista: “A parte final do parecer é assustadora. Quando o Professor vai ‘aos fatos’, não consegue disfarçar sua parcialidade, concluindo que está caracterizado crime de responsabilidade culposo, e fundamenta no art. 11 da Lei de Improbidade!

Cria um tertium genus com o uso indiscriminado da Lei 1.079 com a lei 8429, sem sequer mencionar os entendimentos do STF e do STJ sobre o tema”. Bingo, G.Santos.


Já o comentarista Jjsilva4 (Outros), diz: “Com a devida vênia, os crimes de responsabilidade, de nítida natureza penal, não se presumem culposos, como qualquer outro (art. 18, parágrafo único do CP), não se podendo inferir negligência imprudência ou imperícia como pressupostos da improbidade prevista no art. 4, V da Lei 1.079/50, sob pena de grave afronta a toda teoria geral de direito penal elementar, que se aprende no segundo ano da faculdade.

Da mesma forma, não dá para querer interpretar o art. 85 da CF a partir da Lei 8.429/92, que é lei derivada da Constituição, mas apenas o contrário, o que não leva a conclusão alguma a respeito do cometimento de crime. Concluo que há no douto parecer forte carga ideológica que acaba por sacrificar a técnica jurídica. Não sei se prevalecerá, se persuadirá os políticos e a comunidade jurídica em geral. A conferir.”  Bingo, JSilva.


Finalmente, o comentarista Hélder Braulino, com jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,  mostra que  somente os tipos do artigo 10 admitem civilmente a forma culposa. O crime culposo exige previsão na lei e não pode ser implícito. A omissão da Lei 1.079/50 vem seguida do advérbio "dolosamente" e a não responsabilização dos subordinados se dá "de forma manifesta (artigo 9º, incisos 1 e 3). O que se diz por "manifesto" é incompatível com qualquer das modalidades da culpa (imperícia, negligência ou imprudência). A governanta não os pune mesmo quando atuam de forma "manifesta". O que vem a significar "forma manifesta" afasta a figura culposa. O leitor Hélder encerra mostrando que a omissão mencionada na Lei de Improbidade é, mesmo, dolosa.

Portanto, só com os argumentos dos leitores da ConJur já é suficiente contestar o parecer do ilustre professor. Por isso, este artigo é uma pequena homenagem aos leitores, para mostrar como uma tese desse jaez “bate” na comunidade jurídica. Bate e rebate. Os leitores já bem demonstraram isso. Parabéns aos comentaristas da ConJur, que dia a dia se aprimoram.

De todo modo, numa palavra final, gostaríamos de trazer a lume o que disse o ministro José Carlos Moreira Alves, quando do julgamento do MS 21.689-DF: um processo de impeachment não é o espaço onde tudo é possível. Bingo, ministro Moreira Alves!

Podemos ser contra ou a favor da presidente. Podemos dela gostar ou desgostar. Mas, na hora de discutirmos uma coisa importante como é o impeachment, temos de colocar de lado os nossos pré-juízos, fazendo uma epoché. Afinal, somos juristas para quê?

Fonte Consultor Jurídico 


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A matriz de todos os escândalos 



Observatório da Imprensa


Por Luciano Martins Costa

O noticiário de sexta-feira (6/2) marca a culminância da escalada de denúncias no escândalo da Petrobras. O ponto alto é a declaração de um dos acusadores, o ex-gerente executivo Pedro Barusco, segundo o qual o Partido dos Trabalhadores recebeu, ao longo de dez anos, um total que pode chegar a US$ 200 milhões de empresas que detinham os maiores contratos com a estatal. A denúncia produz o fenômeno das manchetes trigêmeas, que já se tornou rotina na imprensa brasileira. 

Como basicamente tudo que se tem publicado até aqui tem a mesma fonte, ou seja, confissões feitas por operadores do esquema que negociam penas mais brandas, a verdade aparente é apenas aquela que os jornais definem como tal. No entanto, o cruzamento das denúncias permite prever uma mudança importante na direção do escândalo, pelo simples fato de que a pista que leva ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, também conduz à direção do PSDB.

Entre as confissões de Barusco, cujo ponto central, na escolha dos editores, é sua suposta relação com o tesoureiro do PT, oculta-se uma informação crucial para colocar em novo contexto o escândalo da Petrobras: o autor da delação premiada informa que o esquema de desvios começou em 1997, o ano em que o monopólio da Petrobras, instituído por Getúlio Vargas em 1953, foi revogado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O esquema que agora sitia a presidente Dilma Rousseff foi consolidado e institucionalizado na empresa no ano 2000, segundo o denunciante.

O que não está dito nas reportagens é que o governo do PSDB havia se empenhado durante anos em desmontar a estrutura de poder da Petrobras, acusada publicamente pelo falecido ministro das Comunicações, Sérgio Motta, de ser “o último esqueleto da República”, que precisaria ser desmontado “osso a osso”. Ele se referia à estrutura de mando da estatal, que se mantinha fechada em um complexo sistema corporativo virtualmente impermeável à ação do Estado.
O esquema de corrupção nasceu associado ao processo de desmanche do corporativismo, consolidou-se com o fim do monopólio e, pelo que revela a “Operação Lava Jato”, já dominava a empresa no ano 2000. Mas a imprensa determinou que só é importante descobrir o que aconteceu a partir de 2003.

Vazamentos seletivos 

O único dos três grandes diários de circulação nacional que dá algum destaque a esse “pormenor” das confissões de Pedro Barusco é a Folha de S.Paulo, em reportagem com o seguinte título: “Ex-gerente diz que começou a receber propina na era FHC”. O Globo faz apenas uma breve referência, num perfil do acusado, e o Estado de S.Paulo ignora a informação.

O critério da Folha aponta para a conveniência de determinar o ponto inicial do esquema de corrupção, mas os outros jornais não consideram isso importante. Se tivesse o interesse autêntico de investigar com profundidade e revelar a extensão do escândalo que abala a Petrobras, a imprensa teria mergulhado há muito tempo no histórico da empresa a partir do fim do monopólio, fato que marca a tomada do controle por agentes públicos.

Desde o final dos anos 1990, a estatal viveu fracionada entre dois mundos: o dos gerentes executivos formados na empresa e o dos executivos impostos pelo sistema de partilha de cargos que sustenta o poder de Brasília. Pelo que se pode depreender das denúncias, a corrupção se instalou quando os dois grupos se entenderam.

Como no caso chamado de “mensalão”, o sistema foi montado sob os governos do PSDB e passado aos sucessores em praticamente todos os escalões da República. Mas, como na Ação Penal 470, há um recorte seleto em tudo que vaza ou, do que vaza, em tudo que se publica. Uma evidência desse cuidado seletivo é o fato de que a declaração publicada nas edições de sexta-feira (6/2) foi feita no dia 20 de novembro do ano passado.

Apesar de a maior parte do noticiário ter como origem declarações de réus que fazem denúncias em troca de benefícios da Justiça, e a despeito das muitas contradições quanto aos valores que teriam sido desviados nos acordos com grandes empreiteiras, é incontestável que a corrupção se tornou endêmica, como declarou o denunciante que ganhou as manchetes na sexta-feira (6).

O interesse do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em apontar o dedo para a presidente Dilma Rousseff, com sua tentativa de inspirar um processo de impeachment, pode esconder uma manobra para impedir que a investigação coloque uma lente na biografia de seu antigo ministro das Comunicações.

Só se vai chegar ao esclarecimento completo do escândalo da Petrobras se a Justiça e a imprensa vasculharem suas origens.

Fonte Observatório da Imprensa


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