domingo, 5 de abril de 2015

9 DE MAIO DE 1964. ASSIM PRENDERAM MARIGHELLA, QUE LUTOU COMO UM LEÃO!




 9 DE MAIO DE 1964. ASSIM PRENDERAM MARIGHELLA, QUE LUTOU COMO UM LEÃO!





"...No escuro do cinema [o cine Eskye-Tijuca, no qual os agentes Dops/RJ o cercaram e se preparavam para detê-lo], sentou-se para planejar a fuga. Já tinha escapado tantas vezes. Por que não dessa? Tinha que pensar rápido. Pela porta da frente não teria chance, e a saída lateral parecia temerária.

Não ligou para o filme que arrancava gargalhadas do público infantil. Até que a projeção foi interrompida, e as luzes se acenderam.

O cinema não se ilumina por acaso, nem o projetor falha ou o projecionista se atrapalha na troca de rolos. A pane é uma farsa...

...Simulado o defeito na projeção, as luzes se acendem, e os caçadores vislumbram a caça.

De pé, por trás e pela direita de Marighella, sentado na cadeira, um policial ordena-lhe que o acompanhe. Outro cerca-o por trás, pela esquerda. À sua frente, o terceiro mostra a carteira com as iniciais do Dops. Tudo num instante. O quarto, ao lado do que dá a carteirada, agacha-se e aponta o revólver calibre 38. Marighella pensa que vai morrer e grita:

'Matem, bandidos! Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a democracia! Viva o Partido Comunista!'

Não terminou, quando o agente dispara à queima-roupa. Ferido no peito, Marighella equilibra o corpo na perna esquerda e, com a direita, acerta um golpe que joga longe a arma. Outro chute destrói uma cadeira. Seus sapatos voam longe.

Os policiais o chutam e esmurram, ele não cai e retribui as agressões. Um gosto adocicado tempera sua boca. É o sangue que o empapa. No rosto, o sangue turva a visão, e Marighella tem a impressão de que enfrenta ao menos sete.

São oito, somam testemunhas. Não consegue ver a face dos tiras e nunca poderá identificá-los.

O tiro foi um, mas o sangue escorre por três perfurações. A bala entrou no tórax, saiu pela axila e se alojou no braço esquerdo. Marighella continua a lutar.

Como um leão, compara um dos contendores que tentam imobilizá-lo. Outro berra, encolerizado:
'Vermelho! Vermelho!'
Com a altercação, o público se vira, ouve o tiro e enxerga o clarão que ele acende... 

Dominado, com a camisa desabotoada e já sem o paletó ensanguentado, Marighella é puxado pelos policiais para fora do cinema. O fotógrafo do Correio da Manhã que passeia com a filha empunha a câmera, mas os policiais o ameaçam e impedem de registrar a cena. Corajoso, logra fazer algumas chapas, tremidas...

Quase na calçada, Marighella reconhece a camionete do Dops e decide: 'Não vou entrar no tintureiro'. É a expressão popular para os veículos da polícia destinados à condução de presos.

A resistência não tem fim. Empurrado, apoia as pernas no teto da viatura e não entra. Leva mais pontapés e socos. Já são catorze homens contra um. Ao cair, pisoteiam-no, e o corpo avermelha a calçada.

Transeuntes protestam. Os passageiros de um lotação os imitam e são corridos por policiais que surgem de todos os cantos. O secundarista Alcides Raphael, que assistirá à sessão das seis horas, estima em cinco minutos o tempo para o homem que luta sozinho ser embarcado — o Correio da Manhã cronometrou dez minutos de espancamento.

Marighella só para quando lhe acertam uma pancada na cabeça e ele desmaia.

Chega apagado ao Hospital Souza Aguiar. Policiais militares com metralhadoras esperam o tintureiro 964 do Dops. Ao deparar com o corpo imóvel, os médicos não sabem se está vivo ou morto. Tomam-lhe os sinais vitais e o socorrem.

Os plantonistas do maior pronto-socorro do país custam a crer que aquele cinquentão, ferido, encarou tantos policiais mais jovens. A bala atingiu a ponta da costela e por pouco não perfurou o apêndice xifoide, o que poderia ter lhe custado a vida. Com perda abundante de sangue, são incertas as perspectivas..." 


(Trecho do prólogo de Marighella – o guerrilheiro que incendiou o mundo (Cia. das Letras, 2012, 744 pag.), a excelente biografia de Mário Magalhães.)

Saiba mais:


MARIGHELLA, HEROI DA RESISTÊNCIA A DUAS DITADURAS (PARA VER E BAIXAR)




Barbaramente torturado pela ditadura de Getúlio Vargas (afora o pau-de-arara, espancamentos e choques elétricos de praxe, queimaram seus pés com maçarico, enfiaram-lhe estiletes sob as unhas e arrancaram seus dentes) e assassinado pelos tocaieiros da ditadura dos generais, Carlos Marighella foi o maior revolucionário brasileiro do século passado, tendo se destacado como dirigente do PCB desde os anos 30 e depois, nos '60, liderado a guinada para a luta armada e estruturado uma das principais organizações guerrilheiras do período, a ALN.

É chocante a miopia dos produtores e cineastas brasileiros, que até agora não haviam aproveitado sua riquíssima trajetória num filme de dramatização histórica.

Só quando a ótima biografia do Mário Magalhães se tornou best seller eles acordaram: vem aí o longa-metragem que marcará a estréia de Wagner Moura na direção e é baseado exatamente em Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo.

Como aperitivo, os leitores do blogue podem assistir, na janelinha abaixo, à íntegra do documentário Marighella (2012), com 96 minutos, de autoria da sobrinha do grande revolucionário baiano (que está também disponibilizado para download aqui).

Segundo o crítico Francisco Russo, este aspecto é muito destacado na obra:

"Dirigido pela socióloga Isa Grinspum Ferraz, o documentário é ao mesmo tempo uma pesquisa sobre a vida de Carlos Marighella e também um filme pessoal. Afinal de contas, Isa é sobrinha do personagem principal da história, muitas vezes chamado de 'tio Carlos' no próprio filme. Esta dualidade entre o aspecto familiar e o histórico pontua todo o documentário...
O forte do documentário é o material de pesquisa obtido. Seja através dos discursos de Marighella, que refletem a força de suas palavras mesclada ao engajamento por ele proposto, até a bela e surpreendente apresentação da prosa em versos. As imagens históricas e os depoimentos registrados também ajudam a contar a história de como Marighella se interessou por política e acabou se tornando o inimigo número um da ditadura militar..."

Há dois outros documentários sobre o saudoso companheiro Menezes, com duração menor: Marighella: o retrato falado do guerrilheiro (2010, 56 min.), de Sílvio Tendler, que pode ser visto aqui; e É preciso não ter medo - relatos de Carlo Marighella (32 min.), dirigido por Silvia Melo e Tayra Vasconcelos.

Finalmente, quem sabe lidar com torrents pode baixar o livro Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo clicando aqui ou aqui.



Carlos Marighella foi o maior inimigo da ditadura militar no Brasil. Este líder comunista e parlamentar foi preso e torturado, e tornou-se famoso por ter redigido o Manual do Guerrilheiro Urbano.Maior nome da militância de esquerda no Brasil dos anos 60, Carlos Marighella atuou nos principais acontecimentos políticos do Brasil entre os anos 1930 e 1969 e foi considerado o inimigo número 1 da ditadura militar brasileira.

Líder comunista, vítima de prisões e tortura, parlamentar, autor do mundialmente traduzido "Manual do Guerrilheiro Urbano", sua vida foi um grande ato de resistência e coragem.

Dirigido por sua sobrinha Isa Grinspum Ferraz, o longa-metragem Marighella é uma construção histórica e afetiva desse homem que dedicou sua vida a pensar o Brasil e a transformá-lo através de sua ação.


Fonte Náufrago da Utopia

https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante

Visite a pagina do MCCE-MT
www.mcce-mt.org