sexta-feira, 3 de abril de 2015

A Páscoa celebra a ressurreição de Cristo.


Mas, seu reino continua não sendo deste mundo.

 
Hoje não tem artigo, crônica ou crítica. Tem música.

E é uma canção belíssima:



La Saeta. Fiquei arrepiado ao escutá-la pela primeira vez, na voz do nosso Fagner, em dueto com o autor Joan Manuel Serrat -outro extraordinário cantor/compositor catalão, a exemplo de Lluís Llach.
 
Ouça-o aqui:


Talvez porque, desde meus verdes anos, sempre me incomodasse a opulência do catolicismo oficial -- aquele dos altares, das procissões, da Inquisição e das  Redentoras.


Com o tempo aprendi que não era esse o verdadeiro legado de Jesus Cristo, mas sim uma mensagem de esperança para os pobres, os humildes, os fracos, os desprotegidos, os injustiçados e os excluídos da Judeia -como destaca o douto estudioso de religiões Reza Aslan numa das exegeses mais importantes e consistentes já produzidas sobre os evangelhos, Zelota (leia uma boa reportagem aqui).


Também mexeu muito comigo a tese levantada por um dos pais da contracultura, Norman O. Brown, em seu clássico absoluto, Vida contra morte (1959): a de que o pecado cometido pela humanidade contra o Pai já foi purgado por milênios de calvário, sendo chegada a hora de resgatarmos a promessa de liberdade e plenitude que o Filho trazia e foi escamoteada por visões religiosas que preferem enfatizar os horrores da crucificação, para tanger seus rebanhos ao conformismo.

Tudo a ver com esta canção que, comparando o calvário longínquo de Jesus ao calvário permanente dos ciganos, é uma altaneira negação do Cristo dos crucifixos (sois pecadores, arrependei-vos!) para afirmar o que andava sobre as águas (tudo podeis, libertai-vos!).







Eis a letra completa de La Saeta:

Dijo una voz popular:


¿Quién me presta una escalera


para subir al madero


para quitarle los clavos


a Jesús el Nazareno?

Oh, la saeta, el cantar


al Cristo de los gitanos


siempre con sangre en las manos,


siempre por desenclavar.

Cantar del pueblo andaluz


que todas las primaveras


anda pidiendo escaleras


para subir a la cruz.

Cantar de la tierra mía


que echa flores


al Jesús de la agonía


y es la fe de mis mayores.

¡Oh, no eres tú mi cantar


no puedo cantar, ni quiero


a este Jesús del madero


sino al que anduvo en la mar!



E aqui, a interpretação mais empolgante que dela encontrei no Youtube:



E, aos que estamos submetidos ao calvário interminável da exploração do homem pelo homem, não nos basta mais a esperança de um paraíso no além.

Queremos o paraíso agora!

Para que uma vida de verdade seja oferecida a esse povo que tanto anda atrás de qualquer alegria.

Então, os que sabemos o canto da gente, temos a sagrada missão de preparar o dia da alegria.

Fonte: Náufrago da Utopia  

Leia mais
  

A SUBVERSIVA PÁSCOA CRISTÃ

Não pode ser cristã uma Páscoa celebrada por quem se omitiu e fechou os olhos diante de ditaduras, de torturadores, de injustiçados, com medo de sofrer e de morrer como Jesus morreu. Não celebra a Páscoa cristã quem se tornou insensível aos sofrimentos humanos e nada fez para denunciar a exploração dos mais pobres pelos ricos e poderosos deste mundo (Tg 5,1-6).


De acordo com o Cimi, "em plena Semana Santa, Cristo segue seu calvário e é crucificado junto com os Munduruku"; na foto, Adenilson Kirixi assassinado pela PF.

"Celebrar a Páscoa cristã é trilhar o caminho perigoso de Jesus, tornar-se subversivo com ele e como ele, aceitando pagar o preço da perseguição, da calúnia e até mesmo da morte para ficar do lado dos pobres e dos excluídos".


Por José Lisboa Moreira de Oliveira*

Adital

A Páscoa é uma festa típica do hemisfério norte do nosso planeta. Suas origens remontam a antigas culturas agrárias e pastoris que celebravam a chegada da primavera, a estação das flores. Com a chegada da primavera no hemisfério norte o ambiente muda: o frio aos poucos vai diminuindo, os dias se tornam mais longos, o calor aumenta, a terra começa a brotar, produzindo flores e alimentos.

Neste contexto o movimento de povos nômades, que deu origem ao Israel bíblico, associou a festa da Páscoa a uma experiência de libertação. Tribos atravessaram o rio Jordão e se instalaram na região de Canaã, a "terra prometida” a Abraão (Ex 13,3-10). A chegada até a tão sonhada terra onde "corria leite e mel” (Ex 3,8) foi precedida de muitas lutas contra poderes opressores, representados pelo Egito, que pretendiam escravizar esses povos. Nesta luta as pessoas fizeram a experiência profunda de um Deus libertador que ouviu seus clamores, desceu, se compadeceu, tomou conhecimento de seus sofrimentos, tomou partido e decidiu tirá-los da opressão, dando as estes "sem-terra” um terreno fértil e espaçoso (Ex 3,7-10). Assim a festa da chegada da primavera se tornou para estas tribos o memorialda intervenção divina, que deveria ser celebrado "como um rito permanente, de geração em geração” (Ex 12,14).

De acordo com o cristianismo, há cerca de dois mil anos atrás a Páscoa foi enriquecida e plenificada. Jesus, o Filho de Deus Pai, é enviado ao mundo para trazer a boa notícia de que a libertação dos pobres e oprimidos finalmente ia se tornar uma realidade definitiva (Lc 4,18-19). Porém, esta sua ousadia de anunciar uma boa notícia para os pobres e oprimidos, de anunciar a chegada definitiva do reinado de Deus, não foi bem acolhida pelo poder religioso e político. Por esta razão Jesus foi acusado de ser subversivo (Lc 23,2), perseguido, torturado, assassinado e colocado num túmulo. Mas, para surpresa geral de todos, inclusive dos membros do seu grupo de discípulos e de discípulas, o profeta Jesus não permaneceu na tumba: ressuscitou e venceu a morte. Seus seguidores, aos poucos, foram se convertendo e se convencendo de que ele continuava vivo no meio deles. Passaram a senti-lo bem presente e atuante na pequena comunidade. Tal experiência deu-lhes força para perder todo e qualquer medo e retomar a missão do Mestre, continuando a anunciar a Boa Notícia da libertação "até os extremos da terra” (At 1,8). Aos poucos esta experiência fantástica foi sendo associada à celebração da Páscoa, de modo que, já no tempo das comunidades cristãs do Novo Testamento, a Páscoa passou a ser o memorial da paixão, morte e ressurreiçãode Jesus.

Esta rápida memória histórica da Páscoa nos permite perceber que por trás deste grande evento estão alguns elementos significativos. Em primeiro lugar a primavera, com a chegada das flores, da luz, do calor e com o preanúncio de uma possível boa colheita. Em segundo lugar, a experiência da libertação realizada por Javé e vivida pelas tribos que se uniram para caminhar na direção de uma terra prometida. Nesta experiência é significativa a decisão de um deus de ficar do lado de escravos e de sem-terra, coisa impensável no contexto de então, uma vez que naquela época os deuses sempre estavam do lado dos grandes e poderosos. Por fim, na plenificação da Páscoa, Jesus se apresenta como o libertador definitivo que anuncia o projeto de Deus, voltado de modo particular para os pobres, os oprimidos, os excluídos e os rejeitados pela sociedade. Por esse motivo é assassinado, mas, pelo poder de Deus Pai, rompe os laços da morte e permanece vivo, animando seus discípulos e discípulas e convidando-os a continuarem a sua missão (Mt 28,16-20).

A Carta aos Colossenses afirma que a pessoa cristã já vive como ressuscitada e, como tal, é convidada a comprometer-se com ações que expressem o essencial dessa condição que é a prática do amor ao próximo (Cl 3,1-17). Isso nos autoriza a dizer que a celebração da páscoa cristã, enquanto memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus, precisa ser traduzida em atos e gestos concretos de amor ao próximo, distintivo único e fundamental da identidade do discípulo e da discípula de Jesus (Jo 13,15).

Assim sendo, a celebração da Páscoa deve ser uma verdadeira primaveraque expulse todo e qualquer mofo e frieza da Igreja e a faça pulsar de vitalidade e de acolhida da vida. Não cabe celebrar a Páscoa num contexto de rigidez e de falta de misericórdia, num ambiente em que as leis e as normas estão acima da vida das pessoas (Mc 3,1-5). Não haverá Páscoa de Jesus numa Igreja que condena e discrimina certos filhos e certas filhas de Deus; que reserva os bancos de seus templos para aqueles que se autoproclamam perfeitos e merecedores do céu. Além disso, a Páscoa deve ser a festa da libertação dos pobres e dos oprimidos. E não se trata apenas de uma falsa libertação "espiritual”, cuja recompensa é uma vida futura, programada para depois da morte. Trata-se, como nos mostra a experiência do Êxodo, de uma libertação a ser realizada aqui nesta terra. Uma libertação que inclui terra, casa, comida, emprego, saúde, escola etc. E para celebrar esta Páscoa os cristãos e as cristãs precisam, como Javé, ver a opressão, descer até o submundo dos pobres, sentir o cheiro da pobreza, tocar com os pés e as mãos os sofrimentos dos injustiçados e excluídos e permanecer comprometidos com as suas lutas por dias melhores (Ex 3,7-10).

Celebrar a Páscoa cristã é trilhar o caminho perigoso de Jesus, tornar-se subversivo com ele e como ele, aceitando pagar o preço da perseguição, da calúnia e até mesmo da morte para ficar do lado dos pobres e dos excluídos. Para celebrar a Páscoa verdadeira de Jesus não é suficiente ficar repetindo a doutrina abstrata do Catecismo da Igreja Católica. É preciso que o ensinamento dessa doutrina crie "a revolta entre o povo” (Lc 23,5), ou seja, incomode tanto o poder religioso como o poder civil, devolvendo às pessoas a consciência crítica para enxergar as coisas como elas realmente são. Não pode ser cristã uma Páscoa celebrada por quem se omitiu e fechou os olhos diante de ditaduras, de torturadores, de injustiçados, com medo de sofrer e de morrer como Jesus morreu. Não celebra a Páscoa cristã quem se tornou insensível aos sofrimentos humanos e nada fez para denunciar a exploração dos mais pobres pelos ricos e poderosos deste mundo (Tg 5,1-6).

Para os cristãos e as cristãs a Páscoa é a festa da vida, a celebração da vitória de Jesus sobre o sofrimento e a morte. Por isso é a festa por excelência da alegria e da esperança. Mas toda alegria, toda festa, toda aleluia, toda exultação é mentirosa e falsa se primeiro não for purificação do mofo eclesiástico, compromisso com a libertação dos pobres, subversão da ordem estabelecida, tomada de partido em favor dos pequenos e simples. Neste momento em que ainda pairam muitas nuvens carregadas sobre a Igreja Católica, em que faltam respostas para tantas perguntas inquietantes, torna-se urgentíssimo celebrar a Páscoa nos moldes verdadeiramente cristãos. Se não seguirmos a trilha da Páscoa bíblica teremos apenas a páscoa consumista, mesmo que ela seja celebrada em templos religiosos e regada de muito incenso, de muitos gritos de aleluias e de glórias. "Já que vocês aceitaram Jesus Cristo como Senhor, vivam como cristãos”, ou seja, "vistam-se com o amor, que é o laço da perfeição” (Cl 2,6; 3,14).

[*José Lisboa Moreira de Oliveira é Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de BrasíliaAutor de Viver em comunidade para a missão. Um chamado à Vida Consagrada Religiosa, 

por Paulus Editora].

Fonte Adital  


Belíssima canção em memória dos mártires do nosso tempo! "Pai Nosso dos Mártires"