sábado, 4 de abril de 2015

Desculpa esse mundo, Eduardo. Desculpa esse mundo. Por Pablo Villaça


Na morte, nos igualamos. Na vida, porém, somos abjetamente desiguais no Brasil. Que pelo menos as lamentações, tão fartas para Thomaz entre políticos ávidos por platitudes, se estendam também para Eduardo. Os sinos dobram por ambos. 

 
Desculpa esse mundo, Eduardo. Desculpa esse mundo.




Do escritor Pablo Villaça, no Facebook:


Eduardo tinha dez anos de idade.

Eduardo tinha pais, irmãos e amigos.

Eduardo gostava de correr, de brincar, de ver televisão, de rir de desenho animado e de comer bobagem antes do almoço.

Eduardo queria ser bombeiro quando crescesse.

Mas Eduardo não vai crescer. Ele começou o dia criança e terminou cadáver. Tinha sonhos e agora é carne machucada e sem vida. Seus verbos agora são no passado.

Sonhou. Riu. Brincou. Viveu.

Eduardo foi executado por um policial militar no Morro do Alemão. Sua morte não foi o principal destaque dos portais e jornais. Quando foi noticiada, ele se transformou apenas em um “menino do Morro do Alemão”, em uma estatística da violência.

Eduardo nasceu sem chances e sem chances morreu.

Talvez Eduardo tivesse medo do escuro. De monstros. De trovão. Talvez. Por outro lado, provavelmente tinha da polícia. E estava certo em ter. Se eu fosse pobre e morasse na favela, também teria – porque saberia que, para boa parte da sociedade e dos agentes da lei, eu não seria apenas uma criança; seria um criminoso à espera de meu primeiro crime.

Eduardo teve sua cabeça de criança destruída pela bala de um policial militar. E nos portais que noticiaram sua morte sem destaque, comentaristas agiram com escárnio e disseram que, se pudessem, ajudariam a polícia militar a matar 50 por dia. E gritam pela redução da maioridade penal em um país que já condena à morte crianças de dez anos.

Você está morto, Eduardo, e eu preciso ir ali abraçar meus filhos bem apertado enquanto penso na dor da sua mãe cujos braços vão para sempre sentir a falta do calor de seu corpinho de criança.

Desculpa esse mundo, Eduardo. Desculpa esse mundo.

Fonte Diário do Centro do Mundo

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Estão batendo em Luciana Genro porque ela disse, mais uma vez, uma verdade.



 Dizer a verdade custa caro

Diário do Centro do Mundo


Estão batendo em Luciana Genro porque ela disse, mais uma vez, uma verdade.

Num mundo tão cínico, isto é um problema: dizer a verdade.

No Twitter, ela escreveu que, como tanta gente, também lamentava a morte de Thomaz Alckmin.

Mas acrescentou que também gostaria de ver as pessoas lamentando a morte do garoto Eduardo Ferreira, de 10 anos, por uma bala de um policial no Morro do Alemão.

Acusaram-na de “politizar” a morte do caçula de Alckmin.

Ora, é uma estupidez. Ela estava, e está, absolutamente certa. Tanto quando esteve ao dizer em rede nacional que Aécio não deve ser levado a sério ao falar em corrupção, ele que mandou construir um aeroporto particular numa fazenda da família.

Para registro, não muito depois Dilma manifestou pesar pelo garoto, e disse esperar que os criminosos sejam punidos.

É vital, sim, juntar as duas mortes num só pacote e compará-las porque ali está o Brasil tal como ele é.

Thomaz morreu num acidente. Foi um caso de extrema má sorte.

Eduardo morreu a chamada morte programada. Foi destino, e não azar. Todos os dias meninos como ele estão sujeitos à violência policial. São os desvalidos de sempre.

Thomaz foi colhido pela morte, e Eduardo pela vida.

Nas favelas ocupadas por policiais merecidamente detestado pelas comunidades, balas são uma rotina da qual ninguém escapa.

É um erro monumental acreditar que pelotões de policiais possam resolver o problema das favelas.

Foge-se do fato incontestável: o drama das favelas só desaparecerá quando não mais as houver.
A única coisa que é realmente igual em ambos os casos é a dor infinita dos pais.

Num caso parecido, na Antiguidade, um sábio grego escreveu que ninguém podia se declarar feliz enquanto não morresse.

Ele falava de Príamo, o rei de Troia, para quem tudo corria tão bem até a velhice, mas que foi obrigado a ver o filho Heitor ser morto diante de seus olhos.

Que os pais de Thomaz e Eduardo encontrem forças para seguir adiante num episódio que desafia a vontade de acordar para um novo dia até o fim.

E que, como Luciana Genro disse, que os lamentos se espalhem fraternalmente entre Thomaz e Eduardo.

Na morte, nos igualamos.

Na vida, porém, somos abjetamente desiguais no Brasil.

Que pelo menos as lamentações, tão fartas para Thomaz entre políticos ávidos por platitudes, se estendam também para Eduardo.

Os sinos dobram por ambos.