“Estamos vendo o desenvolvimento de um embrião fascista no Brasil”, diz Roberto Amaral
Por Sul 21
Edição: Marco Aurélio Weisheimer
O ovo da serpente e o embrião fascista
“O ovo da serpente tem uma característica especial: ele não tem
casca, mas sim uma película muito fina e transparente que permita que se
veja o embrião se desenvolvendo. O que quero dizer com essa metáfora é
que nós estamos vendo o desenvolvimento de um embrião fascista no
Brasil. Está em nossas mãos a decisão. Podemos deixar esse embrião
crescer, sair desse ovo e amanhã picar o nosso calcanhar, ou podemos
esmagá-lo agora. O ovo da serpente permite que vejamos à frente. Estou
tentando chamar a atenção, não só da esquerda, mas das forças
progressistas e democráticas em geral, para a ameaça de um grave
retrocesso político e ideológico no País. Esse retrocesso não se mede
apenas pela crise dos partidos, em particular pela crise dos partidos de
esquerda e, de modo mais particular ainda, pela crise do PT. Tampouco
se mede apenas pela crise do governo Dilma. Ele se mede,
fundamentalmente, pela ascensão de uma opinião, que já está se tornando
orgânica, de retrocesso conservador.”
“Já há um baluarte institucional perigosíssimo desse processo, que é a
Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha não foi colocado ali pelo acaso,
ele representa um núcleo pensante conservador brasileiro. Esse núcleo,
na Câmara, está representado pela chamada bancada BBB, ou seja, os
grupos do boi, do agronegócio atrasado, da bala e da Bíblia, que reúne
os evangélicos primitivos e midiáticos. Isso tudo se juntou”.
Esquerda não levou a sério o tema da comunicação
“Mas é preciso dizer que a grande responsabilidade por isso é da
esquerda e dos nossos governos de centro-esquerda. Há mais de 40 anos,
eu e outras pessoas – aqui no Rio Grande do Sul havia uma pessoa que
lutava muito por isso, o Daniel Herz – viemos alertando sobre o poder
dos meios de comunicação de massa no Brasil, sobre o monopólio da
informação e a cartelização das empresas. A esquerda nunca acreditou
nisso.”
“A primeira eleição do Lula serviu para mascarar esse problema. Nós
metemos na cabeça que essa gente não formava mais opinião. Nos
descuidamos e ficamos assistindo à construção de um monopólio
ideológico, destilando conservadorismo de manhã, de tarde e de noite.
Aqui, não estou me referindo apenas à Rede Globo, ao Globo, Estadão e
Folha de São Paulo. Pior do que isso talvez sejam as rádios evangélicas,
as rádios AM e FM, despejando diariamente xenofobia, racismo, machismo,
homofobia e tudo o que é atrasado. Paralelamente a isso, nós não
construímos uma imprensa nossa. E nem estou falando de uma imprensa
nossa para falar com a sociedade. Não construímos uma imprensa nossa
sequer para falar conosco mesmo. Os militantes do movimento sindical e
dos partidos se informam das teses de suas lideranças pela grande
imprensa. Nem criamos uma imprensa de massa, nem criamos uma imprensa
própria.”
“Nos anos 50 e 60, nós tínhamos O Semanário, que circulava no Brasil
inteiro defendendo as teses do Petróleo é Nosso e da Petrobras, tínhamos
Novos Rumos, do Partido Comunista, a imprensa sindical e circulava
também a Última Hora. Havia, então, um esforço para garantir um mínimo
de debate. Isso tudo desapareceu e nada foi colocado no seu lugar. Com a
chegada de Lula ao governo, os principais quadros do PT foram
transferidos da burocracia partidária para a burocracia estatal e o
partido acabou se esfacelando. Os principais quadros do movimento
sindical também foram transferidos para os gabinetes da Esplanada”.
“A grande dificuldade que temos hoje para promover a defesa do
governo Dilma é que perdemos o diálogo com a massa. Eu conversava dias
atrás com uma ex-presidente da UNE e ela me dizia: ‘Professor, como é
que eu posso entrar em sala e chamar os estudantes para uma passeata
quando o governo está reduzindo as verbas para as bolsas de estudo’. Há
um paradoxo entre a nossa política e a nossa base social. A Dilma não
foi eleita pela base com a qual está governando. Ela atende os
interesses dessa base com a qual está governando e não tem o apoio dela.
Por outro lado, ela contraria os interesses da base progressista, a
qual nós temos dificuldade de mobilizar para defendê-la. Esse paradoxo
precisa ser enfrentado.”
“Não devemos nos iludir com os compromissos democráticos da direita”
“Ninguém deve se iludir com os compromissos democráticos e legalistas
da direita brasileira. É uma direita que sempre apelou para o golpe e
para o desvio democrático. Está aí a história dos anos 50 e 60 repleta
de exemplos disso. Ela não tem compromisso com a democracia. Seu único
compromisso é com seus interesses de classe. E, lamentavelmente, parece
que a burguesia no Brasil tem mais consciência de classe do que muitos
setores proletários.”
“Há um segundo paradoxo, que é difícil explicar a não ser que você
use aparelhos ideológicos. Nós já sofremos, de fato, dois golpes nos
últimos meses. A direita perdeu as eleições, mas ganhou a política. Esta
política econômica que está sendo aplicada é a política da direita. O
segundo golpe foi a implantação de uma nova forma de parlamentarismo,
que vive de subtrair poderes do Executivo. E há ainda um terceiro golpe
em curso que consiste em refazer a Constituição sem ter poder originário
para tanto, retirando da Carta de 88 conquistas que levamos décadas
para aprovar e consolidar”.
Sobre a construção de uma frente ampla, popular e democrática
“Diante deste cenário, precisamos articular a formação de uma frente
ampla, de uma frente popular que reúna os setores progressistas e
democráticos do País. Eu não estou falando de uma frente de esquerda,
pois com isso estaríamos nos encerrando em um casulo, voltando a ser
ostra. Precisamos retomar um discurso para a classe média, que perdemos
em função dos desvios éticos do PT. Nós não estamos pagando o preço de
erros de governo, mas sim dos desvios éticos. Precisamos retomar um
discurso que fale para os trabalhadores, para os setores médios, para as
forças progressistas, que não são necessariamente de esquerda, falar
com a empresa nacional que, neste momento, está sendo destruída neste
País. Há uma tentativa de acabar com as principais empresas brasileiras,
detentoras de know how, não por uma questão moral, mas para colocar no
lugar delas empresas espanholas, chinesas e americanas.”
“Não estou pensando a constituição desta frente com objetivos
imediatos e de caráter eleitoral, mas sim na perspectiva da
reconstituição das forças progressistas. O ponto de partida para essas
forças é construir uma barragem para conter o avanço do pensamento e da
ação da direita. Para isso, precisamos voltar às ruas e voltar a debater
com a população. Na minha opinião, o modelo no qual devemos nos
inspirar não é o da Frente Ampla uruguaia. Esta tem algo que nós não
temos, partidos. É uma frente de partidos. Nós temos que construir uma
frente de movimentos, da sociedade, preparada para receber os partidos e
oferecer a eles um novo discurso, uma nova alternativa. Mas não
trabalho com a ideia de um modelo pronto e acabado. O que vai decidir
isso, como sempre, é o processo histórico”.
A ameaça do impeachment
“Irrita-me o fato de nossas forças estarem acuadas por fantasmas. O
nosso governo está acuado, enquanto ele tem o que dizer. Em face disso,
como não há espaço vazio, a direita vem avançando e preparando
ideologicamente a ideia do impeachment. Precisamos por isso a nu e
exigir que a direita assuma publicamente se é golpista ou não. O senhor
Fernando Henrique Cardoso tem que ser chamado às falas. O PSDB e o PMDB
têm que ser questionados a assumir se são golpistas ou não. Creio que a
melhor forma de enfrentar a ameaça do impeachment, seja ela pequena ou
grande, é dizer que ela existe. Dizer que ela não existe é perigoso. E o
objetivo principal nem é mais a Dilma, é o Lula. Querem liquidar o Lula
e o PT. Não se iludam. Se isso acontecer, não atingirá só o PT, mas
toda a esquerda brasileira. Temos responsabilidades distintas pelo que
está acontecendo, mas estamos todos no mesmo barco”.
Fonte O Cafezinho
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