AGORA CHEGA!
por Clair Castilhos Coelho, em seu blog
Em 1985 Eduardo Alves da Costa publicou um livro de poemas denominado
“No Caminho, com Maiakóvski”. O poema título foi muito difundido
através de discursos, panfletos, aulas, reproduzido em transparências
(não havia ainda o “Power Point”) por professores, militantes, políticos
e muitos outros que naquela época lutavam pelas liberdades
democráticas. O poema na maioria das vezes foi atribuído ao próprio
Maiakóvski.
Aqui cabem alguns lembretes aos/às novos/as viúvos/as da ditadura. A
corrupção era endêmica no governo militar “Em 1963 a inflação era de
78%, vinte anos depois, em 1983 era de 239%.O endividamento chegou ao
final da ditadura a US$ 100 bilhões e (…) as decisões econômicas eram
tomadas não pelo ministro da economia, mas pelos tecnocratas do FMI
chefiados pela senhora Ana Maria Jul”. Não havia nem soberania e nem
mais dignidade nacional. Quanto ao capítulo da corrupção, é bom não
esquecer e procurar os dossiês dos casos da Coroa-Brastel, Capemi,
Projeto Jari, Luftalla, Banco Econômico, Transamazônica e Paulipetro.
Passaram os anos e em 1989 ocorreu a primeira eleição direta para
presidente após a redemocratização. Fernando Collor foi eleito
sustentado pelas principais forças de direita que anos antes haviam
apoiado o golpe civil-militar de 1º de Abril de 1964. A tragédia
brasileira se renovava com nuances de cinismo e farsa. As empresas
estatais foram apelidadas de “elefantes brancos” e os servidores
públicos de “marajás”. A poupança dos brasileiros foi confiscada.
A corrupção era epidêmica. Seguiu-se a cassação de Collor, a gestão
de Itamar Franco, a eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso
pela coligação PSDB/PFL.
Quando Fernando Henrique Cardoso foi presidente o país assistiu
estarrecido ao maior espetáculo de leilão, doação, concessão além de
vultosas oferendas do patrimônio público ao capital privado. Foi o tempo
da “privataria tucana”.
Foram entregues à rapinagem internacional e nacional as grandes
empresas brasileiras a maioria originária da Era Vargas. O Brasil foi
transformado num gigantesco brechó aonde o “mercado” vinha às compras.
Nesta tragédia suicida foi liquidada a Vale do Rio Doce, a Embratel e as
telefônicas estaduais, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Eletrosul, o
Banespa e todos os bancos estaduais, enfim, em torno de 125 estatais.
Era a grande demonstração de boa vontade que o Brasil exibia para se
inserir na fase neoliberal do capitalismo que se implantava fortemente
na América Latina. A prova de fidelidade a esse alinhamento, segundo os
jornais da época, era a venda da Companhia Vale do Rio Doce, uma das
maiores mineradoras do mundo referida pelos leiloeiros como a “joia da
coroa”.
Esses leilões, ou crimes de “lesa-pátria”, nessa época foram travestidos de “modernidade”.
Mesmo com tanta boa vontade e subserviência o Brasil, nesse período,
“quebrou” três vezes enquanto o FMI dava “régua e compasso” aos
governantes/vassalos que gerenciavam o país.
Com o passar dos anos essa temporada de traição e vilania foi aos
poucos entendida como um dos maiores crimes contra a soberania e o
patrimônio nacionais. A tal ponto, que a partir daí os candidatos a
presidente do PSDB, partido responsável por essa insânia, escondiam o
nome de Fernando Henrique Cardoso nas campanhas eleitorais.
Finalmente, após quatro eleições as forças democráticas conseguiram
eleger como presidente Luis Inácio Lula da Silva pelo PT em 2002. Lula
foi reeleito e após o segundo mandato elegeu a sua sucessora, a
Presidenta Dilma Rousseff que também foi reeleita. E assim se passaram
12 anos de governos do PT apoiados por uma extravagante coligação de
“direita- centro-esquerda”!
A corrupção continua endêmica! O que mudou foi o cenário político.
Como sempre as elites conservadoras e reacionárias não descansam e
não desanimam da sua faina cotidiana de se manter no poder e garantir a
hegemonia política na luta de classes e a perenidade do capitalismo.
Agiram mediante um intenso assédio ideológico, midiático, informador e
enformador de mentes, formatação e condicionamento de raciocínio,
conceitual e político-partidário. Nunca aceitaram o fato de “um dos de
baixo” ter ganhado uma eleição para o maior cargo político do país.
Nesse aspecto é bom fazer uma ressalva, apenas foi ganha a eleição,
ou seja, a possibilidade de administrar o Estado cuja natureza permanece
a mesma. Para transformar é necessário romper com a estrutura e isso só
com uma ruptura profunda, uma revolução. O que, certamente, não
ocorreu! Não adianta exigir que a coligação de “direita-centro-esquerda”
que assumiu o governo dê além daquilo que a realidade permite.
O que não é possível aceitar é que tenha feito muito menos do que era
necessário e possível para avançar. O que é impossível aceitar é que o
governo tenha dado uma guinada à direita e se submetido às pressões do
capital rentista mudando radicalmente a política econômica. Não adiantou
a submissão, os ataques continuam cada vez mais virulentos e agora com o
argumento de estelionato eleitoral. A operação de destruição do governo
continua implacável.
O governo é acusado de tudo o que é execrável. Com fatos verdadeiros
ou não. Foram e são acusados de corrupção, roubo e demais delitos
correlatos. Os “malfeitos”! Os exemplos mais notórios são os processos
do “mensalão” e do “lava-jato”, entre outros. Muitas acusações são
pertinentes e verdadeiras, mas o que é tristemente grave como efeito
colateral dos julgamentos foi a devastadora ação deseducativa e
antipedagógica sobre a percepção do povo a respeito do processo e do
fazer da política.
A decepção e o desencanto com as lideranças históricas, muitas
originárias das lutas contra a ditadura, provocaram um grave desalento
na militância, nos simpatizantes e na população em geral. Tudo isso
somado à ação contínua, intensa, deletéria, alienante e agressiva dos
“PIG” – Partido da Imprensa Golpista. Esses meios usam palavras e
imagens com a nítida intenção de despertar na população raiva,
insanidade e ódio irracional. Isto se traduz em agressões violentas,
machistas, xenófobas e racistas. O alvo é o pensamento de esquerda,
feminista, antirracista e libertário.
A personagem mais agredida e humilhada é a da Presidenta da
República. Vítima de uma truculência sem igual se comparada aos outros
presidentes do país. No lugar do debate político e ideológico, da
discussão sobre as grandes questões nacionais, sobre os novos
paradigmas, sobre este momento de transição no mundo e da crise do
capitalismo os pontos centrais das contendas são rasteiros, paroquiais e
vazios de ideias e propostas. E isto cabe para um grande número de
sujeitos políticos de todas as cores do espectro ideológico.
O Brasil atravessa uma crise de pensamento, de credibilidade, de
ideários consistentes e comprometidos com a emancipação do povo. As
palavras de ordem se esgotaram e não sobrou nada. O resultado marcante é
a desmobilização, a tristeza, a anomia e a apatia das forças
progressistas.
A imagem dominante no Brasil é a de um país que está totalmente
submetido ao pensamento conservador e fundamentalista. Os exemplos são
dolorosos: o agronegócio é o grande motor da economia e salvador do PIB,
a Petrobrás precisa ser privatizada, pois é um antro de criminosos, as
massas estão nas ruas exigindo a saída da presidenta, a classe média
urbana sofrendo de absoluta idiossincrasia ao governo federal e aos
partidos que o sustentam, os deputados e senadores da bancada BBB (Boi,
Bíblia e Bala) dominam o parlamento disseminando violência, agressões
físicas e verbais inclusive contra as parlamentares mulheres que os
enfrentam nos debates.
O fundamentalismo religioso e o conservadorismo ideológico disseminam
a misoginia e o ódio contra qualquer atitude mais avançada.
Uma verdadeira cruzada contra as mulheres e as reivindicações sobre
os direitos sexuais e reprodutivos, os LGBTTs são demonizados, os jovens
com prescrição legislativa de extermínio, os velhos culpados pelo
déficit da previdência social, indígenas e quilombolas totalmente
dispensáveis, os negros com lutas históricas contra a discriminação
ainda padecem das crônicas iniquidades, ataques letais aos direitos
trabalhistas. Nessa dinâmica perversa sobressai a imagem de uma
sociedade hostil e desumana com os diferentes ou opositores. Uma
sociedade dominada por uma minoria de homens brancos, ricos, de meia
idade, capitalistas e agora acrescidos de religiosos fanáticos. Esse o
quadro.
É de se perguntar, não existe mais nada no Brasil? Onde estamos? Será que o Brasil é apenas esse monte de lixo?
O filósofo Vladimir Safatle na coluna denominada “O paradigma da
Representação” cita uma interessante passagem ocorrida na campanha
eleitoral francesa. “Houve ao menos um belo momento na última eleição
presidencial francesa, há alguns anos. O então candidato da Frente de
Esquerda, Jean-Luc Mélenchon marcou um comício na praça da Bastilha, no
dia em que se comemora a Comuna de Paris. Ninguém sabia quantas pessoas
estariam presentes até que uma massa impressionante apareceu de maneira
inesperada. Algo em torno de 100.000 pessoas. Diante de todas aquelas
pessoas, o candidato teve a sagacidade de começar seu discurso
perguntando: “Onde todos nós estávamos”?”
É hora de reagir. É hora de não ter timidez e nem deixá-los causar
embaraços a nossas posições políticas. É hora de também nos
perguntarmos: – Onde estamos? É hora de recordarmos o significado do
belo trecho do poema “No caminho, com Maiakóvski”:
(…) Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.(…)
É hora de gritarmos, com toda a voz de nossa garganta, com toda a energia e coragem: Agora chega!
Fonte Vi o Mundo
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