O “ragazzo” do fascismo, um perfil dos moleques da ultradireita
Autor: Fernando Brito
A Folha publicou na internet um texto que estará na edição de amanhã de seu caderno de cultura, o Ilustríssima.
É aterrado o que ele revela, não porque não tenha existido sempre
personagens assim, mas porque eles passaram a ter relevância na vida
social.
Viviam em tocas, perdidos em seus próprios desvarios; agora,
tornaram-se ativos, aglutinam-se em movimentos que se arvoram a
adonar-se das ruas, agridem, ofendem.
Dão forma política aos pit-bulls descerebrados, babujando o mesmo ódio com direito a teorizar justificativas históricas e “sociológicas”.
A direita conservadora cultivou-os, por seu papel deletério,
intolerante, sempre útil para provocar registros da rejeição à esquerda e
aos rótulos doentios que nela pespegam, como o tal “lulopetismo” ou o
“bolivarianismo”, entidades maléficas que estariam prontas a destruir a
família, a tradição e a propriedade.
Militaristas, fascistóides, brutais.
Os antípodas dos blacblocs, que, curiosamente, levam à mesma estupidez intolerante.
Discurso de ódio se propaga
em meio a mudanças no país
Bernardo Carvalho
No dia 1º de julho, Dilma Rousseff visitou a Universidade
Stanford, na Califórnia. Quando eram conduzidas por Condoleezza Rice a
um encontro com empresários e autoridades acadêmicas, a presidente e sua
comitiva foram surpreendidas pelos berros, em português, de um homem de
boina, que registrava tudo com a câmera do celular: “Terrorista!
Comunista de merda! Assassina!”, antes de ser expulso do recinto.
Postado na página do Facebook do próprio autor, o vídeo foi visto mais
de 1,5 milhão de vezes.
“Foi tudo premeditado e planejado”, diz à Folha, com
orgulho, o estudante de graduação em ciências políticas na Universidade
Estadual de San Francisco Igor Gilly, militante de direita e membro do
grupo Revoltados Online. “Eu e outro estudante nos infiltramos na
comitiva do PT, fingindo que éramos estudantes de Stanford.
Entre os homens que o inspiraram estão o general Castelo Branco
(“homem de honra, que salvou o Brasil em 64″); Bismarck (“grandíssimo
estadista e conquistador, responsável pela segunda maior expansão
germânica”) e Gabriele d’Annunzio (“grande revolucionário, que proclamou
um Estado independente quando a Itália estava debaixo da ditadura de
Mussolini”).Na sua página no Facebook, Gilly se apresenta como “Igor, o
nacionalista, figura pública”, ao lado de uma foto na qual aparece com
condecorações maçônicas na lapela. “Figura pública, no sentido de poder
orientar os brasileiros a lutar por um Brasil melhor”, diz.
Na verdade, em 1919, em reação à Conferência de Paris, D’Annunzio
ocupou a cidade de Fiume, onde se autoproclamou “duce” (guia supremo)
antes de ser desalojado pelas tropas italianas. Simpatizante do
fascismo, o escritor teve a estética e as ideias em seguida celebradas
pelo regime de Mussolini, que chegou ao poder em 1922.
Gilly nasceu em Brasília, em 1992. O pai é empresário, de
direita, antipetista. A mãe, advogada, “é mais fisiológica”, nas
palavras do filho. A família se divide entre católicos e evangélicos.
Gilly toca piano, canta e é fã de Frank Sinatra e de Beethoven (“Música
clássica é o que faz minha alma se elevar”).
Seu ódio pelo PT começou quando Lula foi eleito. Tinha 11 anos.
Aos 16, um treinamento no Instituto Nacional de Excelência Humana (que,
como descreve sua página na internet, tem por missão “fazer com que as
pessoas descubram e usem seu potencial interior infinito”) o “preparou
para a vida”. Desde então, embora não se considere um discípulo fiel,
pratica o método da programação neurolinguística, que tem entre suas
“regras de ouro” a divisa “conquiste um objetivo e se faça feliz”.
Na adolescência, também foi membro da Ordem Demolay, uma
organização paramaçônica para jovens, que prega, entre outras coisas, a
cordialidade. “Não tem contradição nenhuma. A Ordem também prega o
patriotismo. E eu considero Dilma uma terrorista, pior que bandido”, diz
Gilly, justificando sua intervenção em Stanford, antes de citar Gandhi
como modelo de luta. “É verdade que me alterei um pouco. Não tinha
nenhum guarda, se eu fosse um cara descontrolado, podia ter batido nela
ou coisa muito pior. Mas não faria uma coisa dessas. Esse tipo de
atitude tem que ser tomada pela polícia, e não por civis.”
Gilly considera Olavo de Carvalho (autor de “O Mínimo que Você
Precisa Saber Para Não Ser um Idiota”, ed. Record, entre outros) seu
mentor. “O que aconteceu lá em Stanford me levou a um patamar de mais
responsabilidades. Agora, tenho seguidores, tenho mais responsabilidade
ao falar e ao agir, entendeu? É o Olavo de Carvalho quem me orienta
sobre quais serão os próximos movimentos, ele me orienta sobre tudo. Não
só eu, né? Muita gente.”
Entre os próximos passos, estão a manifestação internacional de
16 de agosto, pelo impeachment (no vídeo de convocação postado em sua
página, Gilly diz, em tom solene, que está pronto para “morrer pela
pátria”), e a criação de um governo paralelo para se opor ao PT.
“Esse governo vai simular o Congresso, vai se manter por doações e
vai preparar uma classe política para, caso o PT caia, assumir o poder.
As pessoas vão poder se tornar cidadãs e legitimar esse governo
paralelo por meio de um website. Se você acha que esse governo paralelo
te representa, vai lá e assina uma declaração que é esse governo que
tinha que estar no poder, e não o PT.”
Gilly prefere não se manifestar ainda sobre o cargo que ocupará
no governo paralelo. Enquanto isso, apoia o deputado Jair Bolsonaro
(PP-RJ) para presidente: “Bolsonaro é a grande promessa de 2018! Não sou
só eu que o apoia. São 90% dos brasileiros. Não tem pesquisa, mas basta
ver o número de pessoas colocando a faixa do Bolsonaro na foto do
perfil do Facebook. E olhe que ainda estamos bem longe da época de
eleição! Temos grandes chances de ganhar e fazer uma grande virada
ideológica no Brasil”.
Para essa “virada ideológica”, o Brasil ideal é “um país onde não
se pague mais do que 10% de imposto e onde as Forças Armadas são
valorizadas como nunca antes”.
Como é que se paga pelas Forças Armadas sem impostos? “Faz um
corte nos gastos públicos e assistencialistas. Só aí você já corta 80%
dos gastos. Os militares têm que ter a imagem de homens de honra, de
homens de glória”, explica Gilly, uma semana antes de o almirante da
reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente licenciado da
Eletronuclear, ser preso, acusado de receber R$ 4,5 milhões em propina
de empreiteiras.
Desde que se encontrou com Dilma em Stanford, Gilly também
acredita que represente 90% da população brasileira. Como chegou a esse
número? “Pelas mensagens de carinho e apoio que recebi. Ainda não
consegui responder todas”, diz.
Fonte O Tijolaço
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