'Não há sequer pretexto para impeachment'
Por Paulo Moreira Leite
Para o professor Luiz Moreira, um dos pioneiros do debate sobre
judicialização no país, que ocupou o Conselho Nacional do Ministério
Público por dois mandatos, o pedido de impeachment de Dilma Rousseff
carece não apenas de um motivo legal – não tem amparo sequer nos
pretextos jurídicos que a oposição tentou construir desde a derrota na
campanha eleitoral. Em entrevista ao 247, Luiz Moreira explica uma
questão essencial. Com a aprovação, pelo Congresso, das metas fiscais
para 2015, acabou qualquer polêmica em possível em torno daquele
fenômeno chamado de “pedaladas fiscais.” Lembrando um mandamento básico
do direito, o professor recorda que a votação de quarta-feira é criou um
marco jurídico novo para se debater a questão: “havendo lei a autorizar
o ato, essa conduta passa a ser legal.” Em função disso, diz o
professor, o STF deve declarar o processo inconstitucional. Leia a
entrevista de Luiz Moreira, na íntegra:
Como se pode avaliar um pedido de impeachment deflagrado por um político acusado de manter contas secretas na Suíça?
É por todos conhecido o motivo pelo qual Eduardo
Cunha deflagrou o processo de impeachment. Após ser denunciado pela
Procuradoria Geral da República e constatar que as chances da perda
de seu mandato aumentam na proporção em que lhe são atribuídos diversos
crimes, ele passou a constranger os poderes constituídos. Ao invés de se
licenciar da presidência da Câmara, o que seria mais adequado em sua
situação, Eduardo Cunha segue em sua tentativa de submeter a República a
seus caprichos. Se é certo que ainda não foi condenado, também o é que
sua condição de denunciado não lhe permite exercer protagonismo político
a ponto de deflagrar processo de impeachment. Sobretudo quando é
inegável que ele se move com o propósito de chantagear, de retaliar a
decisão dos deputados federais do PT em admitir, no Conselho de Ética da
Câmara dos Deputados, processo disciplinar que pode produzir a perda de
seu mandato. Embora Eduardo Cunha não tenha credibilidade nem
idoneidade para sugerir a interrupção do mandato presidencial, é
evidente que esse ato conturba o cenário institucional brasileiro,
constituindo-se como golpe parlamentar.
Do ponto de vista da Constituição, como se pode fundamentar um pedido de impeachment?
O pedido se fundamenta a
partir da ocorrência de fato que configure crime de responsabilidade. Ainda que o processamento siga regras próprias e o julgamento seja
político, trata-se de processo-crime e, como tal, há normas
constitucionais que não podem ser mitigadas.
Por exemplo?
Os fatos que já foram
apreciados e tidos como inadmissíveis, pelo presidente da Câmara dos
Deputados, não podem ensejar agora a deflagração do processo de
impedimento. Não deveriam sequer ser conhecidos, na apreciação da
admissibilidade de novos pedidos, já que se trata de mera reiteração de
matéria já deliberada, sendo irrelevantes se embalados por argumentações
novas. Ou seja, os mesmos fatos foram apresentados em várias
representações e uma vez que esses fatos não se enquadraram como crimes,
a questão está encerrada. Para que houvesse deflagração de processo de
impeachment seria imprescindível a ocorrência de fatos novos, o que não
existe.
Como explicar melhor?
Como explicar melhor?
No direito, a reapresentação
de fatos já apreciados e devidamente arquivados gera seu não
conhecimento, isto é, a mera reiteração do pedido não muda a o
fundamento da decisão anterior, evidenciando a falta de justa causa
quanto aos fatos que já foram objeto deliberação por arquivamento. No
pedido ora admitido, restaria um único fato novo: aquele apontado pela
área técnica do TCU na questão da suposta manobra contábil no corrente
ano de 2015. Essa suposta manobra contábil passou a ser conhecida como
pedalada justamente por ter sido praticada sem a devida autorização
legislativa. Havendo lei a autorizar o ato, essa conduta passa a ser
legal. O Congresso Nacional acaba de aprovar o PLC 05/2015, pelo qual
foi houve autorização para que o Governo adeque suas práticas contábeis à
legislação vigente. Ou seja, ainda que houvesse fato criminoso esse
crime foi desconstituído pela aprovação de lei pelo Congresso.
A partir de agora, como fica a situação da presidente?
A situação é a seguinte:
qual o crime atribuído à presidente Dilma? A prática de artifícios
contábeis não previstos em lei. No entanto, ainda que
editada posteriormente ao fato que se pretende apontar como crime de
responsabilidade, a lei aprovada retroage para todos os efeitos, gerando
aquilo que tecnicamente é conhecido como "abolitio criminis". Portanto,
o único fato novo apontado na representação, e que ensejou a
deflagração do processo de impedimento do mandato presidencial, foi
agasalhado pela aprovação da nova lei pelo Congresso Nacional. Desse
modo, a chamada pedalada passou a ser atípica, pois sua prática está
prevista em lei e isso conduz à falta de justa causa para início do
processo de impeachment.
Cabe uma manifestação por parte do Supremo?
Por absoluta falta de justa
causa, deve o STF exercer o controle judicial do ato deflagrado pelo
presidente da Câmara e declarar sua inconstitucionalidade, determinando
o trancamento do presente processo de impedimento do mandato
presidencial.
Fonte Brasil 247
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