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Rede da dignidade contra o golpe e a vigarice
O
governo, emparedado pela lógica conservadora, paradoxalmente, passou a
ter escolhas. Como disse a própria Dilma, 'não era mais possível viver
chantageada'
por: Saul Leblon
A história apertou o passo e quando sacode a poeira ela derrama transparência por onde passa.
A retaliação de Eduardo Cunha contra o governo e contra o PT guarda semelhanças com uma cena recorrente da crônica policial.
Enredado
em evidências grotescas de ilícitos e falcatruas, o presidente da
Câmara sacou um processo de impeachment contra a Presidenta Dilma,
depois que o PT –graças à corajosa decisão de seu presidente, Rui
Falcão, determinou que o partido não acobertasse o delinquente no
Conselho de Ética.
Cunha age como o sequestrador que saca o
revólver e o coloca na cabeça do refém, exigindo salvo conduto para si e
para o malote de dinheiro.
Eduardo Cunha aposta que os comparsas do lado de fora lhe darão cobertura na fuga cinematográfica para frente.
Talvez tenha razão a julgar pela adesão de pronto de tucanos, como os rapinosos Aécio e Serra, por exemplo.
Outros, aqueles que entendem a política como oportunismo, endossarão igualmente o meliante em nome da honradez.
Ou não é essa –há meses—a especialidade do colunismo isento na sua seletiva campanha anti-corrupção?
A cumplicidade desses comparsas está precificada no metabolismo político brasileiro desde 2005/2006.
Não se espere grandeza de onde impera a mediocridade básica das elites latino-americanas.
Aquela que sonega ao próprio país e ao povo o direito e a competência para se erguer como nação justa e soberana.
O
vento implacável da história desnuda em 2015 os novos atores do velho
enredo em cartaz em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989, 2002, 2005, 2006, 2010
e 2014.
Com um agravante: há um pedaço da sociedade que se
descolou definitivamente do país e tem como pátria o capital flutuante
que não quer pertencer ao destino de nenhum povo.
Seu interesse e visão de mundo, portanto, são imiscíveis com a ideia de um regime do povo, para o povo e pelo povo.
E
isso não é retórica, mas uma ameaça: eles consideram que a Constituição
de 1988 prometeu mais do que é justo o dinheiro grosso ceder e que o PT
teima em lembrar.
São aliados naturais do assaltante que ameaça agora um mandato subscrito por 54 milhões de brasileiros.
Daí não sai nada a não ser golpe e dilapidação.
A mudança terá que vir do outro lado.
O
lado do país que se avoca o direito de enxergar na justiça social a
finalidade e o motor da luta pelo desenvolvimento brasileiro. E que tem
na democracia a principal garantia de que esse processo é crível e
consistente porque negociado, repactuado e legitimado nas diferentes
manifestações de liberdade de um povo --nas lutas, nos escrutínios e nas
mobilizações históricas de uma nação.
Estamos diante de um desses momentos que Celso Furtado denominava de ‘provas cruciais de uma nação’.
É, sobretudo, no caso brasileiro, a hora da verdade para as forças progressistas.
Cabe-lhes superar o empate corrosivo que paralisa a sociedade e desacredita a democracia.
Trata-se
de vencer a prostração e o sectarismo, fazendo da mobilização contra o
golpe o impulso que faltava para uma repactuação do país em torno dos
interesses majoritários de seu povo.
Lideranças políticas e sociais não podem piscar.
O
enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a
indiferenciação, diante da qual a juventude não se reconhece e a
militância se recolhe-- devem ser dispensados de uma vez por todas.
Que ninguém se iluda: o apoio ao impeachment tem por trás um projeto econômico devastador
Nele não cabem as urgências e direitos da maioria da população brasileira.
Um
notável volume de investimentos é requerido nesse momento para adequar a
logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que
incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.
Agora lhes deve a cidadania plena.
O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.
Uma
tempestade perfeita cobra respostas em várias frentes: prover a
infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar
progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o
consumo.
Tudo junto e com a mesma prioridade.
Ao mesmo tempo, porém, o labirinto encerra a oportunidade histórica de inovar metas e métodos.
A
plataforma do arrocho, com a qual o conservadorismo capturou o governo
--e agora pretende concluir o assalto tomando-lhe o mandato,
envelheceu miseravelmente ao escancarar sua incapacidade para ir além
de uma recessão destrutiva.
PIB, emprego, investimento e
consumo despencam sob o timão de um ajuste que desajusta o bolso do povo
pobre e agrava as contas fiscais da nação.
O interesse
conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas,
subtraindo-lhe conquistas e recursos, agora quer usar as ruas e o
impeachment para derrubar o governo.
A bipolaridade reflete a
ansiedade típica de quem sabe que tem pouco tempo porque aquilo que a
rua exige e espera colide com o que o mercado pretende.
Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro nessa encruzilhada?
Antes
turva, a resposta emerge límpida após o assaltante colocar a arma na
cabeça do refém nesta tarde da terça-feira, 2 de dezembro de 2015.
A
nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de
forças redesenhada pela divisão entre os que se alinharão na
cumplicidade ao chantagista e os que vão se juntar ao governo para
ampliar o espaço de um novo contrato de crescimento para a nação
brasileira.
Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma, paradoxalmente, passou a ter escolhas.
Como disse a própria Presidenta, em desabafo, ’não era mais possível viver chantageada’.
Dilma deve, sim, negociar. Com o Brasil que trabalha e quer trabalhar. Com o capital que produz e quer produzir.
Isso
define uma límpida conduta para as próximas horas, os próximos dias,
meses e, sobretudo uma próxima reforma ministerial definidora de uma
verdadeira governabilidade, com o direito de recorrer ao povo para
construir o passo seguinte do crescimento.
O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.
O discurso cego às interações estruturais é confortável . Mas leva ao impasse autodestrutivo e à inconsequência histórica.
A
responsabilidade de interferir num processo histórico pressupõe a
adoção de balizas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência às
mudanças.
O jogo é pesado.
Avançar à bordo da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.
Esgotou-se um capítulo.
Não apenas por conta da saturação de um ciclo econômico.
Mas também porque se descuidou de prover a sociedade de canais democráticos para viabilizar o passo seguinte do processo.
Faltava
a locomotiva da história apitar outra vez para esticar os limites do
possível na repactuação do novo capítulo do crescimento brasileiro.
Foi o que o assalto à mão armada de Cunha desencadeou nas últimas horas.
A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou.
Reagiu na direção certa em pronunciamento à Nação
Antes
dela, Rui Falcão, Pimenta e outros tiveram a coragem de rechaçar o
chantagista e alinhar o PT ao clamor dos milhões de brasileiros que não
aceitam mais compactuar com um sistema político que se tornou um biombo
desmoralizado do poder econômico, a serviço de banqueiros e bandidos.
Ao
assumir o risco de uma represália que se confirmou, o PT indiretamente
reaproximou-se dos que entendem que a soberania popular é o único
impulso capaz de harmonizar os conflitos e sacolejos de uma transição de
ciclo de desenvolvimento.
O tempo urge.
O assalto conservador ao mandato de Dilma joga uma cartada de vida ou morte contra o relógio político.
À
medida que apodrece a reputação de seus centuriões, e os savorolas da
ética entram em combustão explosiva, restou-lhes apostar tudo no
estreito espaço de tempo entre a desmoralização absoluta e a capacidade
residual de articular o golpe.
A coragem de Dilma e do PT, a
solidariedade do PSOL logo na primeira hora da escalada, o levante
maciço nas redes sociais ensejam esperança e legitimidade.
Em 1961 Brizola opôs ao golpe contra Jango uma bem-sucedida mobilização nacional liderada pela Rede da Legalidade.
Que
Lula, Luciana, Boulos, Stédile, Vagner Freitas, intelectuais,
estudantes, empresários produtivos, personalidades e democratas em geral
se unam e se organizem.
Essa é a hora e ninguém fará isso por nós.
Que Dilma recorra diariamente, se preciso, à cadeia nacional para afrontar o monólogo golpista e liderar a resistência nacional.
É o seu mandato que está em jogo.
E que disso nasça uma gigantesca rede da dignidade contra o golpe e a vigarice.
Com
ela, e somente com ela, emergirá o impulso que falta para abrir
passagem ao país que o Brasil poderia ser, mas que ainda não é –e que
interesses poderosos não querem que venha a ser.
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