Muita gente diz que os Marinhos mandam no Brasil. A casa mostra que eles certamente pensam que estão acima da lei. Mas sua mídia finge não ver um
palacete várias vezes maior e infinitamente mais caro do que um plebeu
apartamento no igualmente plebeu Guarujá.
Por Paulo Nogueira
“Se o assunto é casa de frente para o mar …”
Começa assim um e-mail que me chega às mãos. É uma óbvia referência à
exploração da imprensa em torno do ‘Triplex do Lula’. O e-mail segue
deste jeito. “Nunca, nunca o assunto foi tratado pela mídia nacional.” E
enfim um link para uma reportagem da Bloomberg.
Reconheço o texto: o DCM tratou do assunto, numa monumental solidão.
Os protagonistas do artigo da Bloomberg são os irmãos Marinho e uma ilha ‘deles’ perto de Paraty.
Os Marinhos dividiram o poder assim. Roberto Irineu, o primogênito, é o presidente.
João Roberto, o segundo, é o editor, e dele emanam as diretrizes a serem seguidas por todas as mídias do grupo.
José Roberto, o caçula, cuida da Fundação Roberto Marinho, e é tido, nas Organizações, como um cruzado do ambientalismo.
Mas parece que seu cuidado com o meio ambiente vale para o mundo, mas não para a família Marinho.
Veio à luz espetacularmente, algum tempo atrás, essa propriedade.
Quem a tornou assunto nacional foi o ex-diretor da Petrobras Paulo
Roberto Costa, suspeito de irregularidades, em depoimento na CPI da
empresa.
Antes de seguir, um registro cômico. A Globonews vinha dando ao vivo o
depoimento até Costa falar na ilha. Ele disse que, em suas novas
atividades, tem um contrato firmado para vender a ilha. “É um projeto
chamado Zest”, afirmou.
Neste momento, a Globonews interrompeu a transmissão da CPI da
Petrobras e foi para outro lugar. Os editores mostraram agudo senso de
sobrevivência.
Pausa para rir.
A matéria da Bloomberg assinala que milionários brasileiros se dizem
donos de ilhas e praias. “Mas não é isso que a lei diz.” Bem, a ‘Ilha
dos Marinhos’ permanece num véu de fumaça.
Mas não a casa monumental deles na ilha. A melhor matéria feita sobre
ela – e as polêmicas que a rondam — não veio da Folha, ou da Veja, ou
do Estadão.
Veio de fora, da Bloomberg. A Globo não goza, com a Bloomberg, do
esquema de proteção que Folha, Veja e Estadão lhe garantem no Brasil.
“Os herdeiros de Roberto Marinho, que criou as Organizações Globo,
maior grupo de mídia da América do Sul, construíram uma casa de 1 300
metros quadrados, um heliponto e uma piscina numa área da Mata Atlântica
que a lei, supostamente, preserva para manter intocada sua ecologia”,
disse a Bloomberg, numa reportagem de 2012.
José Roberto, o homem-natureza da Globo, aparentemente não se
importou em derrubar árvores em sua propriedade, e muito menos se
intimidou diante da lei.
A Bloomberg foi ouvir o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio). Falou com Graziela Moraes Barros, analista
ambiental do instituto. Ela foi investigar a suntuosa casa, que recebeu
diversos prêmios arquitetônicos.
“Os Marinhos quebraram a lei ao construir a casa”, disse ela.
Dois guardas armados, ela contou, impedem que outras pessoas usem a
praia — pública — em frente da casa. De certa forma, isso lembra a
infame ocupação de um terreno público pela Globo ao lado de sua sede em
São Paulo.
Coloquemos assim: a Globo trata o Brasil como propriedade privada, e ninguém dá um basta nisso.
Um juiz ordenou em 2010 que a casa fosse derrubada, mas evidentemente que não foi.
Não é fácil fiscalizar as coisas na região.
Em abril de 2013, uma bomba foi colocada na casa de uma analista
ambiental do ICMBio. Ela não se feriu, mas se assustou. Pediu para ser
transferida para fora do Rio de Janeiro. “Tenho família e estou com
medo”, disse ao jornalista Andre Barcinski.
“Não foi o primeiro caso de profissional que abandonou a região”,
contou Barcinski. “Há dois anos, uma fiscal ambiental pediu
transferência depois ter dois carros queimados, em 2008 e 2011, na porta
de casa.”
De volta à reportagem da Bloomberg, topo mais uma vez com Graziela.
Ela se saiu com uma frase que é especialmente dolorosa, porque
verdadeira.
“Muita gente diz que os Marinhos mandam no Brasil. A casa mostra que eles certamente pensam que estão acima da lei.”
Pausa para um lamento.
E clap, clap, clap de pé para a brava Graziela pela capacidade de enxergar e descrever o Brasil em poucas palavras.
Não apenas o Brasil, aliás — mas sua mídia, que finge não ver um
palacete várias vezes maior e infinitamente mais caro do que um plebeu
apartamento no igualmente plebeu Guarujá.
Visite a pagina do MCCE-MT