Para um dos juristas mais respeitáveis do país, operação executada nesta sexta-feira (4) a mando da Lava Jato é 'absurda' juridicamente
"A classe média não se satisfaz em estar bem. Ela quer que os outros estejam mal para se sentir superior"
Eduardo Maretti, Rede Brasil Atual
São
Paulo – Como todos os cidadãos que, independentemente das cores
partidárias, têm apreço pela democracia, pelo Estado democrático de
direito e pelas garantias individuais inscritas na Constituição de 1988,
o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello acordou hoje (4) com uma
notícia chocante para muitos. O cerco, pela Polícia Federal, à casa do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cumprimento de ação
deflagrada na operação Lava Jato. “Eu fiquei muito aborrecido como
cidadão”, diz, em entrevista exclusiva à RBA.
Numa
análise mais fria, Bandeira de Mello acredita que tudo a que o país
está assistindo, e que chegou hoje ao clímax da espetacularização
midiática, do ponto de vista jurídico não é respaldado por nenhuma lei.
“A condução coercitiva do Lula, juridicamente, não passa de um absurdo.
Porque quem não se recusa a depor, quem não resiste a colaborar com a
autoridade, não pode receber nenhuma condução coercitiva.”
Politicamente,
Bandeira de Mello não hesita em dizer, com um tom que poderia vir das
páginas da melhor literatura, que a atitude contra o ex-presidente da
República “é um ato que equivale a uma confissão de medo, de pavor”, da
elite brasileira. Para o constitucionalista, o medo é de que, apesar de
tudo, Lula seja candidato e ganhe a eleição em 2018.
Ele
diz que se sente à vontade para abordar o tema e defender Lula. “Eu nem
sou um eleitor habitual do PT. O meu candidato a deputado não é do PT.”
Lembrando
a filósofa Marilena Chaui, Bandeira de Mello aponta a classe média como
o principal aliado da imprensa tradicional do país, que tem “um certo
peso”. “Mas esse peso se restringe à chamada classe média, sobretudo a
classe média alta, que é uma gente, eu diria, lamentável. A classe média
alta é invejosa”, diz. “Não se satisfaz em estar bem. Ela quer que os
outros estejam mal para se sentir superior.”
“Já
pensou o sujeito que faz universidade, consegue título de mestre, de
livre-docente, de titular, e vê que para o mundo ele vale muito menos do
que um operário? É humilhante, não é? Eles se sentem humilhados com a
presença do Lula”, acrescenta.
O
advogado também comenta a operação Lava Jato e o juiz que a comanda em
Curitiba. “Falta para esse juiz, Sérgio Moro, o elementar para um
magistrado, que é o equilíbrio”, avalia. "Quando o país voltar à
normalidade, esse juiz é capaz de sofrer, viu? Porque ele pode ser
punido pelos seus desmandos."
Em
sua opinião, está faltando uma postura mais afirmativa do governo Dilma
Rousseff em relação a tudo o que está acontecendo no país. “Mas acho
que vai começar a aparecer (uma postura do governo). Porque o ministro
da Justiça dela (José Eduardo Cardozo) não coibiu, a meu ver, os abusos
que já vinham se sucedendo”, diz Bandeira de Mello. “Apesar do muito
respeito e amizade que eu tenha – porque eu tenho – pelo professor Zé
Eduardo.”
Como o sr. avalia o momento grave a que o país chegou?
Eu
acho que estamos sinalizando o fim da democracia. A condução coercitiva
do Lula, juridicamente, não passa de um absurdo. Porque quem não se
recusa a depor, quem não resiste a colaborar com a autoridade não pode
receber nenhuma condução coercitiva. Um homem com endereço certo e
sabido, um homem de prestígio mundial. Condução coercitiva é para quem
não quer colaborar, e não para quem se dispôs a colaborar. Logo,
trata-se de um ato puramente político, um gesto para tentar humilhar e
desmoralizar o ex-presidente. Para resumir numa palavra, quando você
toma uma sova no campo e tenta ganhar no tapetão, é sinal que você está
desesperado. Eles têm medo do Lula. A condução coercitiva dele é um ato
que equivale a uma confissão de medo, de pavor. Eles têm medo que o Lula
venha a ser candidato e ganhe a eleição. É isso.
Falta
para esse juiz, Sérgio Moro, o elementar para um magistrado, que é o
equilíbrio, isso ele não tem. Ele parece um desses vingadores de
televisão que a gente vê. Eu ouvi dizer que a família dele é a fundadora
do PSDB no Paraná. Dizem, não sei se é verdade. Mas se for, dá para
entender a conduta dele. Tudo o que ele faz, parece, é alguma coisa sem
serenidade, sem equilíbrio, com um partidarismo muito grande. Quando o
país voltar à normalidade, esse juiz é capaz de sofrer, viu? Porque ele
pode ser punido pelos seus desmandos. Hoje temos um juiz muito
desmandado como ele, um Ministério Público do Paraná que não merece a
menor consideração, e mesmo a Polícia Federal. É uma lástima.
O
sr., que sempre apontou para os perigos de certas medidas legais, como
vê o Estado de direito e os direitos individuais neste momento?
Tudo
está indo embora. Mas eu diria que o começo de tudo foi o julgamento do
chamado mensalão. José Dirceu foi condenado sem que existisse uma única
prova contra ele. Muitas vezes repeti que quem disse isso foram duas
pessoas absolutamente insuspeitas. Aquele tributarista da direita, Ives
Gandra, e o ex-governador de São Paulo e ex-presidente de um partido da
direita, um constitucionalista respeitado, Cláudio Lembo, cuja dignidade
nunca ninguém pôs em dúvida. Quem mais precisaria dizer para que isso
ficasse evidente? Aquele foi o começo do fim, na minha opinião, do
Estado de direito.
Essa
operação chega a um limite de espetacularização midiática que joga fora
o Direito por uma questão política. Até onde vai o país nessa direção?
Olhe,
eu acho que isso vai ter um efeito positivo, ao contrário do que eles
queriam. Porque o Lula ficou indignado, como não poderia deixar de
ficar. E vai começar a reativar a militância que ele tinha. O próprio
PT, que estava como que dormindo, vai acordar. Isso significa que nós
vamos ter uma intensificação dos movimentos democráticos no país. É
isso que significa. O que vai resultar disso é impossível saber. “O Lula
ficou desmoralizado.” Quem vai dizer isso? São os jornais? Mas o que
vale a opinião dos jornais do ponto de vista, digamos, eleitoral? Nada. A
imprensa, o chamado PIG, o partido da imprensa golpista, que abrange
todos os grandes meios de comunicação do Brasil, vai tomar isto como uma
grande vitória. E é claro que não vão apresentar as pesquisas de
opinião, quando vierem as eleições, com honestidade.
O
outro lado não tem razão para ser veraz, nenhuma razão. O interesse
deles é desmoralizar, e é isso que vêm tentando fazer. Eu nem digo que
eles não consigam. Eu acho até que num país subdesenvolvido, onde a
única fonte de informação são os jornais e as revistas, eles têm um
certo peso. Mas esse peso se restringe à chamada classe média, sobretudo
a classe média alta, que é uma gente, eu diria, lamentável, com
respeito aos pontos de vista de outros. A classe média alta é invejosa,
não suporta ver quem está embaixo subir, não se satisfaz em estar bem.
Ela quer que os outros estejam mal para se sentir superior. A grande
imprensa fala pra esse tipo de gente. Basta ver uma coluna que existe
na Folha de S.Paulo, “Opinião do Leitor”, qualquer coisa assim.
Você lê aquelas coisas e fica espantado, e fica pensando que está
vivendo em um dos países mais atrasados do mundo. Não, é a classe média
alta que é assim.
Como recebeu a notícia da operação?
Eu fiquei muito aborrecido como cidadão, muito humilhado como cidadão, com muito temor. Mas acho que isso tudo vai passar, viu?
Então o sr. não está pessimista como algumas pessoas que acham que estamos à beira de uma conflagração social?
Eu
acho que uma conflagração social não vai chegar a ocorrer. Porque eles
anunciam uma maioria que não existe. Porque essa gente que eles invocam é
a classe média, e a verdadeira maioria está no povão. Na hora em que o
PT recomeçar, digamos, o seu progresso, o que vai acontecer? Os meios
conservadores vão ter que se mancar, pra usar um termo popular. Porque é
o operariado que sustenta a riqueza e o andamento do país. Uma hora o
operariado vai resolver fazer uma greve geral – que não está para
acontecer logo, mas que pode acontecer se a provocação dos coxinhas
continuar.
O sr. não acha que estaria faltando uma atitude mais afirmativa do governo Dilma em relação ao que está acontecendo?
Está,
mas acho que vai começar a aparecer. Porque o (ex) ministro da Justiça
dela (José Eduardo Cardozo) não coibiu, a meu ver, os abusos que já
vinham se sucedendo. Então, a coisa foi num crescendo e chegou a esse
extremo. O que dói para essa gente é que um homem simples como Lula é
recebido por reis e rainhas, homenageado por eles, por primeiros
ministros, chefes de estado, presidentes. Como os outros não o são, eles
ficam aborrecidos. Já pensou o sujeito que faz universidade, consegue
título de mestre, de livre-docente, de titular, e vê que para o mundo
ele vale muito menos do que um operário? É humilhante, não é? Eles se
sentem humilhados com a presença do Lula. O Lula é uma humilhação viva
para as pessoas que se acham grande coisa.
A mudança do ministro da Justiça pode mudar esse estado de coisas?
Eu
acho que pode mudar, porque como o ministro da Justiça parece que não
coibia nada, então a vinda de um novo sempre desperta uma certa atenção,
um certo temor por parte dos desmandados. Apesar do muito respeito e
amizade que eu tenha – porque eu tenho – pelo professor Zé Eduardo, eu
acho que ele foi um pouco leniente com a Polícia Federal. Ele alega que
não queria interferir. Sim, é uma atitude muito bonita, mas eu acho que
eles passaram da conta, que eles precisavam de alguns apertões. Lembra
como a Polícia Federal fazia e desfazia até chegar um indivíduo chamado
Nelson Jobim? Ele enquadrou essa gente. Talvez essa gente precisasse ser
enquadrada. Eu acho isso.
Mas
eu tenho esperança de que nas próximas eleições o Lula ganhe, e ganhe
bem, com muita vantagem, ao contrário do que as pessoas pensam. De
maneira que, ele vindo, eu acredito que todos esses desmandados vão ter
uma lição. Inclusive a imprensa.
Não
que eu seja contra a liberdade de imprensa, eu sou inteiramente a
favor. Mas para isso é preciso instituir a liberdade de imprensa. Quando
só existem quatro ou cinco famílias que dominam os meios de
comunicação, como eu posso falar em liberdade de imprensa? Seria como se
no Brasil existissem quatro ou cinco pessoas que tivessem propriedade.
Aí você diz: “Eu sou a favor do direito à propriedade. Eu defendo esses
quatro ou cinco”. Bom, então você não está defendendo o direito à
propriedade, está defendendo quatro ou cinco proprietários. É isso que
se passa, ao meu ver, com a chamada liberdade de imprensa no Brasil.
O que poderia ser feito para se começar de fato a investigar o PSDB da maneira como se espera?
Acho que não seria muito complicado, não. É só aplicar a lei uniformemente para todos, e não seletivamente contra o PT ou quem é ligado ao PT, ao Lula etc. E, olhe, eu estou falando à vontade, porque eu nem sou um eleitor habitual do PT. O meu candidato a deputado não é do PT. Estou falando porque é uma análise fria dos acontecimentos. Se você não tiver nenhum fanatismo, você vê as coisas do jeito que eu estou lhe dizendo. Porque é verdade. E é comprovável. Como você leva numa condução coercitiva uma pessoa quer não se recusou a depor?
Quem poderia aplicar a lei, já que aparentemente ninguém aplica?
Eu
espero que isso aconteça quando Lula voltar à presidência. Eu acho que
tudo se resolve em termos políticos, e não em termos jurídicos. As
pessoas têm a ilusão de achar que o Direito pode tudo. O Direito não
pode. O Direito é apenas uma superestrutura. Ele reflete o que existe na
sociedade. Se a sociedade estiver agachada, de cabeça baixa, o Direito
vai ser semelhantemente agachado e de cabeça baixa. Quando a política
mudar, aí muda tudo.
Colaborou: Carmem Machado
Fonte Rede Brasil Atual
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