Tijolaço
Por Fernando Brito
Luís Costa Pinto, Prêmio Esso de Jornalismo, por duas matérias – “Os
Tentáculos de PC Farias” e “Pedro Collor Conta Tudo” – que iniciaram o
processo de impeachment de Fernando Collor escreve hoje em seu Facebook uma meticulosa análise onde analisa a edição especial da Istoé que divulga a até agora suposta – e semi-desmentida, se é que isto é possível – delação premiada de Delcídio Amaral.
É longa e dela reproduzo o trecho em que ele disseca as contradições
jornalísticas da matéria, de forma muito objetiva. Imperdível para
jornalistas e para quem quer entender o que os jornalistas fazem e
escrevem.
Mas, mesmo deixando aos leitores mais interessados o trabalho de (um
clique só, nem tanto) de verem as comparações que faz com a entrevista
de Pedro Collor, não resisto a destacar um trecho do final, que você
pode ler lá:
“(…)o mais estranho em todo esse
processo foi a eleição de Istoé para ser o veículo da vez. A revista é a
terceira em circulação no país e tem importância secundária, hoje, no
processo político. A ressurreição da publicação – mesmo que num fatídico
beijo da morte caso tudo se prove uma barriga monumental – se dá justo
na véspera da troca de comando em Veja (na próxima segunda-feira um
jornalista de carreira equilibrada, de texto primoroso e de
responsabilidade ética assume a direção de redação da publicação da
Abril, e isso suscitou um debate paralelo nas redes sociais em relação a
um suposto e improvável “enquadramento” de Veja pelo Governo). Por que
os vazadores da suposta delação negada de Delcídio Amaral elegeram Istoé
para entregar um papelório potencialmente bombástico?
Sobre o jornalismo e as
capas que “contam tudo”
Luís Costa Pinto, no Facebook (trecho)
A revista Istoé antecipou sua edição do próximo fim de semana para hoje, quinta-feira.
Antes de analisar qualquer coisa, o ato de antecipar a circulação
da edição impressa só mostra quão difícil é pensar as publicações nos
dias de hoje.
Modernos fossem, os editores de Istoé podiam ter arrebentado numa
edição eletrônica e podiam resguardar a outrora preciosa edição
impressa para oferecer a seus leitores uma cobertura espetacular sobre
os desdobramentos da crise. Afinal, revistas nasceram para analisar em
profundidade os cenários e para explicar o porquê dos fatos.
Mas esse foi só um desacerto editorial. Deixemo-lo de lado.
Na capa da edição, o título ‘Delcídio Conta Tudo’ e uma foto do
senador do PT do Mato Grosso do Sul com ar soturno e a cabeça levemente
inclinada para baixo.
A ambição, inconfessa, contudo evidente e descarada, é remeter os
mais velhos à histórica capa de Veja ‘Pedro Collor Conta Tudo’, de
autoria central minha, mas fruto de um amplo e espetacular trabalho de
equipe – repórteres, editores, correspondentes e diretores – num formato
de redação e de publicação que já não existe mais. Não existe.
Mimetizar a força de uma capa por similaridades gráficas é mais que
equívoco: é má fé.
O texto de Istoé relata o acesso que a repórter teve a um texto
que seria parte de uma delação premiada, não homologada, do senador
Delcídio Amaral. No rol de denúncias, supostos fatos que serão graves se
forem verdadeiros.
Alguns deles:
1- A presidente da República e o ministro da Justiça teriam feito
gestões junto ao presidente do Supremo Tribunal Federal numa reunião
extrapauta, no Porto, para que Ricardo Lewandowiski ajudasse num
processo de esvaziamento da Operação Lava Jato.
2- A presidente da República teria pedido ao líder do Governo no
Senado, o próprio Delcídio, para que ele confirmasse com um futuro
ministro do Superior Tribunal de Justiça se ele concederia habeas corpus
aos presidentes de duas empreiteiras – Odebrecht e Andrade Gutierrez –
tão logo assumisse a vaga no STJ. E que o presidente do STJ teria
auxiliado nessas gestões.
3- Que Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, soubera com
todos os detalhes do passo a passo da compra da refinaria da Petrobras
em Pasadena (EUA).
4- Que Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia e da
Casa Civil, havia articulado com a CPI dos Bingos para que seu nome não
fosse tratado lá dentro.
Não vale descer ao rol quilométrico de versões elencadas no papelório divulgado por Istoé, mas:
1- Delcídio Amaral nega a delação. Seus advogados, idem. Um dos
advogados de Amaral é ex-presidente do STJ, Gilson Dipp, operador do
Direito que construiu sólida reputação em Brasília. Eles não foram
procurados antes da publicação do texto. Sequer para confirmar ou negar a
existência da delação – ou para ajudar a melhorar a “apuração”. Por
que?
2- O presidente do STF, Ricardo Lewandowiski, em que pese ter
sido “elogiado” na edição de Istoé, não foi procurado antes da
divulgação da revista. Por que? Deveria ter sido procurado, até para dar
detalhes da conversa ocorrida no Porto, em Portugal. Lewandowiski negou
que tenha ocorrido abordagem não-republicana na conversa entre ele, a
presidente e José Eduardo Martins Cardozo.
3- O presidente do STJ também não foi procurado por repórteres de
Istoé para dizer o que houve naquelas supostas gestões – para melhorar,
para tentar derrubar a “apuração”. E até mesmo as reações dele já
seriam notícia, em si, numa eventual reportagem.
4- O ministro Marcelo Navarro nega ter existido a conversa citada
na suposta delação também negada. E também não foi procurado por
repórteres de Istoé. Por que? Mesmo que Navarro negasse, havia
reportagem se fato houvesse.
5- Regressar à compra de Pasadena, dizendo que Dilma sabia o que
se passaria na reunião que levou à efetivação da compra da refinaria nos
EUA, é chover no molhado numa obra já feita: a presidente já dissera,
em outro momento, que soubera da compra por relatório preliminar – mas
que não o lera antes da reunião do Conselho da Petrobras. E isso não é
crime, é notícia velha. Por que não citar, em um parágrafo, que ela
sabia o que já dissera que sabia?
6- A CPI dos Bingos não tinha rigorosamente nada a ver com Dilma.
Nada. Foi ela, a CPI, a responsável por levar à queda de José Dirceu do
ministério da Casa Civil. E Dilma assumiu o posto dele. E naquele
momento ela não era nada, não era ninguém, no horizonte político
nacional. Lula tirou o nome de Dilma da cartola depois da posse para o
segundo mandato – e ali a CPI dos Bingos já não existia mais.
7- De resto, no texto da revista há dois parágrafos remetendo à
renovação da tese do impeachment que não nasceram da pena jornalística.
Saíram de uma mente policialesca. São indícios de digitais.
Continue lendo, aqui.
Fonte Tijolaço
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