Em 14 páginas, o empresário Raul Pernambuco Júnior narra com detalhes
encontro com o presidente da Câmara para combinar como seriam feitos
pagamentos no exterior
Delator aponta propina de R$ 52 milhões em 36 parcelas a Eduardo Cunha
POR JULIA AFFONSO, FAUSTO MACEDO E MATEUS COUTINHO,
no Estadão
15/04/2016, 05h00
Em 14 páginas, o empresário Raul Pernambuco Júnior narra com detalhes encontro com o presidente da Câmara para combinar como seriam feitos pagamentos no exterior
Delator afirma que pagou propina a Eduardo Cunha no exterior.
Em delação premiada à Procuradoria-Geral da República, na Operação
Lava Jato, o empresário Ricardo Pernambuco Júnior, da Carioca
Engenharia, entregou aos investigadores uma tabela que aponta 22
depósitos somando US$ 4.680.297,05 em propinas supostamente pagas ao
presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) entre 10 de
agosto de 2011 e 19 de setembro de 2014.
Segundo o empreiteiro, empresas relacionadas às obras do Porto
Maravilha, no Rio, deveriam pagar R$ 52 milhões ou 1,5% do valor total
dos Certificados de Potencial de Área Construtiva (Cepac) a Eduardo
Cunha. A parte que caberia à Carioca era de R$ 13 milhões.
O maior repasse ocorreu em 26 de agosto de 2013 no valor de US$ 391
mil depositados em conta do peemedebista no banco suíço Julius Baer. Em
2011 foram quatro depósitos, somando US$ 1,12 milhão. Em 2012, Eduardo
Cunha recebeu só dessa fonte outros US$ 1,34 milhão divididos em seis
depósitos.
A tabela revela que em 2013 o deputado – que ainda não exercia a
presidência da Casa -, foi contemplado com mais seis depósitos,
totalizando US$ 1,409 milhão. Já em 2014, Eduardo Cunha recebeu outros
seis depósitos que somaram US$ 804 mil.
A tabela com o caminho das propinas é dividida em duas partes.
“Em relação a primeira tabela, que totaliza US$ 3.984.297,05 tem
certeza de que foram destinadas a contas apontadas pela deputado Eduardo
Cunha; que em relação a segunda tabela, no valor total de US$ 696 mil, é
altíssima a probabilidade de que também eram valores destinados a
contas indicadas por Eduardo Cunha, por todo o trabalho investigativo
que fizeram, em especial porque não fizeram pagamentos deste tipo a
outras pessoas e, também, pelo valor das transferências”, afirmou o
empresário.
“Em nenhum momento Eduardo Cunha lhe disse que as contas eram de
titularidade dele, mas tem certeza de que todas estas contas foram
indicadas pela deputado Eduardo Cunha; que tampouco o depoente chegou a
perguntar a Eduardo Cunha sobre o titular das referidas contas.”
Em 14 páginas, o empresário Raul Pernambuco Júnior narra com detalhes
encontro com o presidente da Câmara para combinar como seriam
realizados pagamentos no exterior. Raul Pernambuco Júnior descreveu uma
reunião no Hotel Sofitel, em Copacabana, no Rio, que, segundo ele, teria
ocorrido entre junho e julho de 2011, época da aquisição das Cepac’s
pelo Fundo de Investimento do FGTS.
“O depoente não estava presente, mas seu pai e um executivo da
Carioca de nome Marcelo Macedo estiveram presentes a esta reunião; que
após esta reunião, o depoente foi chamado pelo seu pai; que seu pai lhe
comunicou que Léo Pinheiro, da OAS, e Benedicto Junior, da Odebrecht, na
reunião do Hotel Sofitel, comunicaram que havia uma solicitação e um
‘compromisso’ com o deputado Eduardo Cunha, em razão da aquisição, pela
FI-FGTS, da totalidade das CEPAC’s”, declarou.
O empreiteiro detalhou. “Que o valor destinado a Eduardo Cunha seria
de 1,5% do valor total das Cepac’s, o que daria em tomo de R$ 52 milhões
devidos pelo consórcio, sendo R$ 13 milhões a cota parte da Carioca;
que este valor deveria ser pago a Eduardo Cunha em 36 parcelas mensais;
que seu pai disse ao depoente que cada uma das empresas “assumiria” a
sua parte diretamente com Eduardo Cunha.”
À Procuradoria, o delator contou que o primeiro pagamento no Israel
Discount Bank para Eduardo Cunha ocorreu em 10 de agosto de 2011, no
valor de US$ 220.777,00. Raul Pernambuco Júnior relatou que houve uma
dificuldade do Banco de seu pai para efetuar a transferência, em razão
do banco destinatário.
Segundo o delator, Marcelo Macedo não participou especificamente
desta conversa entre ele, seu pai e os representantes da OAS e da
Odebrecht. Raul Pernambuco Junior disse que a Carioca, na época não
tinha contato com Eduardo Cunha. O empreiteiro afirmou que ele e seu pai
foram apenas “comunicados” pela Odebrecht e pela OAS sobre o
“compromisso”.
“Como cada empresa deveria acertar os valores diretamente com Eduardo
Cunha, o pai do depoente pediu que este procurasse referido parlamentar
para acertar os pagamentos; que o contato telefônico de Eduardo Cunha
foi repassado ao depoente por Benedicto Junior, a pedido do depoente;
que foi passado ao depoente um numero de rádio Nextel”, afirmou.
O delator contou aos procuradores da Lava Jato que entrou em contato
com Eduardo Cunha e marcaram uma primeira reunião. Raul Pernambuco
Júnior disse não se recordar se o encontro se deu no escritório político
do deputado, no centro do Rio, ou na Câmara, em Brasilia, ‘mas acredita
que tenha sido no escritório político’. O empresário afirmou acreditar
que a reunião tenha ocorrido no início de agosto de 2011.
“Indagado sobre a descrição do escritório político de Eduardo Cunha,
respondeu que se trata de um escritório com decoração mais antiga, que
tem uma antessala, com uma recepcionista; que, além disso, havia dois
sofás, em seguida um corredor, com duas salas; que nestas salas havia
uma secretária mais alta e um assessor do deputado; que este assessor
era uma pessoa mais velha, com cerca de 60 anos, acreditando que fosse
um pouco calvo, possuindo cabelo lateral; que nunca conversou, porém,
nenhum assunto com tais pessoas; que mais à esquerda tinha a sala do
deputado Eduardo Cunha, com uma mesa antiga, de madeira maciça, com
muitos papeis em cima; que acredita que o escritório fique no 32°
andar.”
De acordo com Raul Pernambuco Júnior, durante a reunião, ele
perguntou ‘sobre o “compromisso” estabelecido e, inclusive, o valor, o
que foi confirmado por Eduardo Cunha’. O empresário disse que ele e o
pai não queriam que o dinheiro passasse “por dentro da empresa”, para
ser o mais reservado possível. O delator contou que questionou Eduardo
Cunha ‘sobre a possibilidade de estes pagamentos serem feitos em contas
no exterior’.
“Eduardo Cunha disse que não haveria problema nenhum e, neste
momento, ele indicou a primeira conta em que deveria ser efetivado o
pagamento”, relatou Raul Pernambuco Júnior.
“Eduardo Cunha passou a conta em um papel, com os dados já digitados;
que se lembra bem deste primeiro pagamento, porque o Banco indicado por
Eduardo Cunha era denominado Israel Discount Bank; que não sabia se
este banco era realmente em Israel; que já ficou estabelecido,
inclusive, o valor do primeiro pagamento; que, dividindo o valor total
devido pelo número de parcelas, o valor de cada parcela era de cerca de
R$ 360 mil.”
O empreiteiro disse que a reunião deve ter durado cerca de 30
minutos, ‘oportunidade em que se conheceram melhor’. Raul Pernambuco
Júnior afirmou que ‘até então não se conheciam ou ao menos não se
recorda de tê-lo conhecido pessoalmente’.
“O depoente disse nessa reunião a Eduardo Cunha que seria impossível
fazer depósitos mensais; que o depoente disse a Eduardo Cunha que fariam
depósitos com periodicidade irregular; que esta impossibilidade de
realizar depósitos mensais decorria da precaução que seu pai tinha em
dar as ordens bancárias para o exterior; que o pai do depoente
normalmente dava tais ordens aos gerentes das contas no exterior
pessoalmente, seja em viagens que seu genitor fazia ao exterior ou,
ainda, quando o gerente vinha ao Brasil; que não sabe se seu pai enviava
ordens por outro meio de comunicação à distância, como fax ou e-mail.”
O delator continuou. “A pedido de seu genitor, o depoente solicitou
uma reunião com Eduardo Cunha, por meio da secretária do depoente; que a
secretária do depoente, de nome Sheila Oliveira, entrou em contato com a
secretária do deputado Eduardo Cunha e, em seguida, enviou um e-mail
para o depoente, questionando qual seria a “pauta para a reunião”; que o
depoente respondeu o e-mail afirmando que “Ele está a par. Só avisa q
sou eu””, declarou. Segundo o delator, este e-mail é datado de 16 de
agosto de 2011.
Raul Pernambuco Júnior disse que a reunião ‘foi efetivamente marcada e realizada, não se recordando ao certo onde’.
“Nesta reunião, ocorrida provavelmente entre final de agosto e início
de setembro, perguntou a Eduardo Cunha se haveria a possibilidade de
mudar o banco e indicar uma conta na própria Suíça; que Eduardo Cunha
concordou e disse não haver problemas; que Eduardo Cunha, no mesmo ato,
já indicou a conta Esteban Garcia, no banco Merryl Lynch Bank, na Suíça;
que a partir daí todos os depósitos para Eduardo Cunha foram na Suíça”,
declarou. “Se estabeleceu que se houvesse necessidade de alteração do
banco, isto deveria partir do deputado Eduardo Cunha; que, de qualguer
forma, em toda oportunidade em que iriam fazer os pagamentos, o depoente
ligava ou se encontrava com Eduardo Cunha para perguntar se
“mantínhamos o mesmo endereço”.”
O delator narrou ainda que por uma ou duas vezes, as contas no
exterior eram enviadas por Eduardo Cunha para ele, em envelopes lacrados
e sigilosos, para a filial da Carioca em São Paulo, ‘contendo os dados
da conta e códigos de transferência’.
A defesa de Eduardo Cunha foi procurada pela reportagem nesta
quinta-feira, 14, mas ainda não se manifestou. O espaço está aberto para
o presidente da Câmara.
Fonte Vi o Mundo
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