domingo, 29 de maio de 2016

Ocupação das escolas públicas


As ocupações nas escolas pedem que seja abortado o projeto de privatização e reclamam a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os fatos revelados na Operação do GAECO que flagrou uma organização criminosa de servidores públicos e empresários unidos para saquear recursos públicos da educação.




Ocupação das escolas públicas


Por Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery


 

Com a divulgação ainda meio truncada de decisão da esfera governamental de que há pretensão de inserir a iniciativa privada no ambiente escolar de Mato Grosso teve início uma reação, nunca antes vista, por parte das comunidades que de alguma forma são vinculadas às escolas ameaçadas, e as unidades começaram a ser ocupadas, contra a privatização.

A preocupação da comunidade escolar tem razão de ser, por diversos motivos, de ordem legal e pedagógica, porque entregar escolas aos capitalistas fere a ordem constitucional, além de prejudicar a atual e as futuras gerações de estudantes e trabalhadores do sistema estadual de ensino, com efeitos alarmantes.

Quando o Brasil elaborou o texto constitucional o país vinha de duas décadas sob o jugo dos militares, período em que a academia e as escolas foram despedaçadas pelo governo totalitário, justamente porque o sistema jurídico não trazia proteção específica e eficaz para a educação e o ensino livres.

Para se ter uma ideia, na Constituição de 1967 a palavra “educação” foi escrita somente 05 (cinco) vezes enquanto que o texto da Constituição Federal traz o termo repetido por cerca de 71 (setenta e uma) vezes, ainda que sejam somadas as alterações (e redações antigas) feitas por emendas. É uma outra visão sobre educação e demonstra que a sociedade entendeu que o progresso econômico, a evolução das ciências, a autonomia das pessoas e do país, passam por um investimento maciço em políticas públicas de educação.

A autonomia da universidade está no art. 207, já o art. 205 da Constituição Federal diz que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Logo adiante no inciso V prevê que os servidores da educação deverão ser remunerados pelos entes políticos e ingressam no sistema por meio de concurso público.

Há, portanto, o desejo de que o serviço de educação seja estatal e prestado por servidor público.

A ideia de privatizar o sistema de educação em Mato Grosso encontra impedimento de ordem constitucional e legal, uma vez que a Lei das Parcerias Público Privadas (Lei nº 11.079/2004) diz que concessão patrocinada envolve a cobrança de tarifas, e aí seria o fim da escola gratuita para a população carente.

Na verdade, o que se deseja é transferir a construção, reforma e gestão de prédios escolares e mais os serviços educacionais a entes privados, os chamados “parceiros”. O dicionário diz que parceiro é aquele que possui o mesmo interesse que o outro.

Mas o interesse das empresas não é o lucro?

Ora, a privatização das escolas estaduais traz dois efeitos gravíssimos contra os estudantes, condenando as gerações atual e futuras, e provocará uma debandada de profissionais da área (técnicos e professores).

Sabe-se que a função pedagógica da escola vai além do letramento e envolve a educação cidadã, o aluno vota no diretor da escola, que faz o planejamento (inclusive do orçamento disponível) e executa os atos de gestão da unidade. Tudo isso é feito com a fiscalização de alunos e seus pais, diretamente e por meio dos CDCEs (Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar).

Trata-se de um exercício legítimo de cidadania. Naquele microcosmo da escola há eleições periódicas, acontece ampla discussão sobre orçamentos, são feitas as opções de investimentos diante da finitude de recursos, como se fosse a gestão de uma prefeitura ou de um governo estadual. É um espaço privilegiado para a preparação de pessoas para o futuro, de modo que a manutenção da gestão nas próprias escolas, inclusive quanto a reformas e construção de prédios, também contempla o projeto pedagógico, não se trata apenas de uma simples ação administrativa.
Autonomia escolar é mediação para a cidadania!

Basta lembrar que o cuidado com os prédios e a administração do Ministério Público é feita por promotores de justiça. No judiciário a manutenção dos prédios e a gestão administrativa cabe a magistrados. Na delegacia de polícia quem administra é um delegado com vínculo efetivo com a carreira. Os quarteis da Polícia Militar são geridos por praças e oficiais militares, e na universidade o reitor e pró-reitores são escolhidos entre os professores com vínculo efetivo, por concurso, lhes cabendo a administração universitária, após o voto da comunidade acadêmica.

Então por que alijar os profissionais da educação da gestão de seu sistema? Por que impedir nossas crianças de exercitarem a cidadania, a escolha do gestor por voto e a fiscalização do diretor eleito, no mesmo momento em que conhece as primeiras letras?

Há outras vítimas em potencial.

Os atuais servidores públicos da educação recolhem contribuição previdenciária (incidente nos salários) que complementa o pagamento dos proventos dos colegas servidores aposentados. Com a ruptura, o fundo de pensão deixa de ser alimentado, e daqui a 5, 10 anos, quando for se aposentar o servidor terá dificuldades imensas, justamente porque não haverá a contribuição de servidor na ativa para alimentar (complementar) o mesmo fundo previdenciário.

Assim, o rombo da previdência será alargado a curto prazo (porque o orçamento público deverá assumir essa despesa) e/ou teremos uma geração de idosos pedintes nas ruas.

E por fim.

As ocupações nas escolas pedem que seja abortado o projeto de privatização e reclamam a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os fatos revelados na Operação do GAECO que flagrou uma organização criminosa de servidores públicos e empresários unidos para saquear recursos públicos da educação.

Quem nos garante que esse tipo de servidor público vendilhão não será o encarregado de conduzir o processo de privatização, e o mesmo tipo de “empresário” corrupto não vencerá a licitação e se apossará da gestão das escolas?

Antonio Cavalcante Filho e Vilson Pedro Nery são ativistas do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE.


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