Vira-latas se autoimplodem. Não precisam de disciplinamento. Ante quaisquer gestos de aceitação, de cooperação, abanam os rabos para seus donos.
O ano de 2016 foi o ano em que, além de toda a tragédia política e social, o Brasil se autoimplodiu. Implodiu seu futuro de país plenamente desenvolvido.
O ano de 2016 foi o ano do vira-lata.
Vi o Mundo
2016: o Ano do Vira-Lata
Por Marcelo Zero
Normalmente, países costumam ser destruídos por guerras. Sejam
intestinas ou agressões eternas, as guerras deixam um rastro terrível de
destruição que pode retroceder o desenvolvimento de um país em décadas.
A destruição é ainda maior quando o Estado Nação fica muito fragilizado
e o país se torna presa fácil de interesses externos.
Os recentes casos de países do Grande Oriente Médio, como Iraque e
Líbia, são emblemáticos. Hoje, tais países não passam de territórios
controlados por diferentes grupos armados, abertos à “predação”
internacional sem controle.
Mas há casos em que países são destruídos ou fragilizados por meios
pacíficos e sutis. Sem sangue. Sem que seja necessário disparar um tiro.
É o caso do Brasil. Com efeito, o ano de 2016 ficará conhecido como o
ano em que o Brasil se autoimplodiu. O ano em que “chutamos a escada”
do nosso próprio desenvolvimento.
Tudo começou com a implosão da nossa democracia, com o álibi
inventado das “pedaladas fiscais” e a desculpa esfarrapada do “combate à
corrupção”.
Isso permitiu que a presidenta honesta fosse afastada para dar lugar à
amálgama política canhestra da hipercorrupta “turma da sangria” com os
interesses do capital internacionalizado e “financeirizado” e da mídia
oligárquica.
Mesmo sem nenhuma legitimidade e nenhum voto, esse “Frankenstein”
político do golpe tomou rapidamente decisões estruturantes que
reverterão todo o progresso social e econômico obtido em anos recentes e
comprometerão, talvez de forma definitiva, a possibilidade de o Brasil
se converter num país plenamente desenvolvido.
Tais decisões, explicitadas na “Pinguela para o Passado”, de fato
implodirão todos os vetores, recursos e mecanismos que o Brasil dispõe
para alavancar seu desenvolvimento econômico e social.
Não se trata apenas de promover um óbvio retrocesso social, em nome
da redução dos custos do trabalho e do nosso incipiente Estado do Bem
Estar, mas de limar a possibilidade do país promover um ciclo de
autêntico desenvolvimento, em nome de aposta insana num modelo econômico
ultraneoliberal, concentrador, excludente e antinacional.
O primeiro mecanismo a ser abatido por esse modelo fracassado, que não tem mais apoio nem mesmo no FMI, é o do mercado interno.
Ao contrário do que se diz, os extraordinários progressos que o
Brasil fez no início deste século não se basearam, de modo decisivo, nas
exportações e no “boom das commodities”.
O crescimento substancial das exportações foi vital para superação da
vulnerabilidade externa da economia e para o acúmulo de grandes
reservas internacionais, que nos transformou de devedor em credor
externo. Mas o eixo estratégico do nosso ciclo de desenvolvimento
recente foi a dinamização do mercado interno de consumo de massa.
A contribuição das exportações para o crescimento do PIB só foi
significativa no período de 2001 a 2005, durante o qual elas se
igualaram ao consumo das famílias, no estímulo a atividade econômica.
Já no período 2006- 2010, para um crescimento de médio de 4,51% ao
ano, o consumo das famílias contribuiu com 2,66 pontos percentuais, ao
passo que as exportações contribuíram com somente 0,22 pontos
percentuais, abaixo também da formação bruta de capital (1,07 p.p.) e do
consumo do governo (0,55 p.p.).
E, no período 2011 a 2015, para um crescimento médio de 1,05% (por
causa da queda em 2015), o consumo das famílias respondeu por 0,95
pontos percentuais, ao passo que as exportações responderam por apenas
0,25 pontos percentuais.
O Brasil, um país continental com mais de 200 milhões de habitantes,
não pode se desenvolver plenamente sem a dinamização desse mercado,
ainda mais numa conjuntura de estagnação do comércio internacional.
Nos períodos mencionados, a dinamização do mercado interno de consumo
se deu por quatro vertentes: as políticas sociais distributivas, com
programas como o Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada, o
aumento real do salário mínimo em mais de 70%, a substancial geração de
mais de 20 milhões de empregos formais e a forte expansão do crédito
popular, graças à atuação dos bancos públicos.
Em virtude desses fatores, o volume do comércio varejista aumentou mais de 100%, em apenas 8 anos.
Ora, o modelo ultraneoliberal do golpe está fazendo o oposto.
Pretende diminuir substancialmente o alcance das políticas sociais,
acabar com a política de valorização do salário mínimo, desvincular o
salário mínimo de benefícios previdenciários e assistenciais, restringir
o crédito pela amputação ou privatização dos bancos públicos e
implementar, como regra, a precarização das relações trabalhistas.
Com efeito, todas as medidas aprovadas ou anunciadas até agora, a PEC
55, a PEC da Previdência e as novas normas trabalhistas, conduzem à
desconstrução massiva dos direitos sociais e trabalhistas assegurados na
Constituição 88 e na CLT.
É que o golpe trabalha com a lógica de que é preciso diminuir os
custos previdenciários, sociais e trabalhistas para que o Brasil possa
crescer.O golpe aposta no retorno da desigualdade, da pobreza e da
precariedade laboral como elementos indutores do investimento privado.
Trata-se do oposto ao que fizemos no início deste século e do que uma
parte dos países desenvolvidos, com o apoio do FMI, tenta fazer agora.
Assim, com o modelo ultraneoliberal do golpe, a redução da demanda
interna, que hoje é apenas conjuntural, se tornará estrutural.
Dentro desse modelo, poderemos ter até espasmos de crescimento, “voos
de galinha”, mas jamais um ciclo de desenvolvimento sustentado que
promova o bem-estar de todos os brasileiros.
Outro vetor importante para o nosso desenvolvimento que o golpe vai
destruir é o do Estado como estimulador da atividade econômica.
A PEC 55, em particular, impedirá novos investimentos estatais em
educação, saúde, infraestrutura, ciência e tecnologia, defesa nacional,
etc. por longos 20 anos, mas não impedirá o pagamento dos maiores juros
do mundo aos abonados rentistas, bem como a oferta desinteressada de
presentinhos modestos a amigos, como os R$ 100 bilhões às teles, e a
compra necessária de mimos inocentes com sabor a Häagen-Dazs.
Além disso, haverá a “privatização de tudo o que for possível”, isto
é, de tudo, mesmo. Petrobras, pré-sal, Banco do Brasil, Caixa Econômica,
terras e tudo o mais entrarão, mais cedo ou mais tarde, fatiados ou
não, no grande balcão de negócios do golpe. Com isso, o Brasil perderá
instrumentos insubstituíveis para a alavancagem de seu desenvolvimento.
Aliás, a substancial redução do papel do BNDES como banco de
desenvolvimento e a destruição da cadeia de petróleo e gás, inclusive da
política de conteúdo nacional, já retiram do Estado brasileiro
mecanismos vitais para o estímulo à atividade econômica.
Não há país que tenha se desenvolvido sem um forte estímulo estatal à atividade econômica. O Brasil não será exceção.
Mas a redução estrutural do mercado interno e a destruição dos
mecanismos estatais de indução ao desenvolvimento não são os fatores
decisivos para a fragilização do nosso Estado Nação.
O fator realmente decisivo é externo.
O golpe tem uma agenda geopolítica implícita.
Trata-se de extinguir diretrizes vitais da antiga política externa
altiva e ativa, como a da integração regional via Mercosul, a da
cooperação Sul-Sul, a das alianças estratégicas com os BRICS, a da
reaproximação à África e ao Oriente Médio, etc.
Essas diretrizes nos transformaram de país frágil e periférico da
década de 1990 em ator internacional de primeira grandeza, com espaço de
relevo assegurado em todos os foros internacionais e com interesses
próprios e independentes bem definidos.
Na realidade, o objetivo maior do golpe é reinserir o Brasil na
órbita dos interesses geoestratégicos dos EUA e aliados e abrir nossa
economia às necessidades do capital financeiro globalizado e das
“cadeias mundiais de valor”.
Isso não é teoria de conspiração. É somente a dura realidade da
implacável e óbvia luta geopolítica que se desenvolve hoje no mundo.
Quem não consegue entender isso, não conseguirá entender nada.
O fato concreto é que o golpe vem apequenando o Brasil em todos os sentidos.
O pior, contudo, é que esse processo de fragilização do nosso Estado
Nação não foi imposto pela força. Foi alegremente assumido por setores
importantes das nossas “elites”.
Em particular, os procuradores e juízes da Lava Jato deram
contribuição substancial para tanto, ao destruírem, em nome da
cooperação internacional no combate à corrupção, o braço empresarial da
nossa política externa, que exportava serviços para o mundo, abrindo
portas dos mercados para produtos brasileiros, e a base empresarial da
indústria da defesa, inclusive à que tange à construção do nosso
submarino nuclear. De quebra, submeteram a Petrobras a investigações
externas.
Messiânicos, cooperando à margem da autoridade central prevista em
acordos, julgam-se heróis de um mundo kantiano de interesses universais
comuns. Na verdade, não passam de instrumentos cegos da luta
“clausewitziana” que rege a geopolítica mundial.
Como a maior parte das nossas classes dirigentes e empresariais e de
vastos setores da classe média, acreditam numa suposta superioridade
intelectual, cultural e moral dos países hoje desenvolvidos.
Com aliados internos desse calibre, os interesses externos podem aqui
se tornar hegemônicos, sem necessidade de bombas e grupos armados.
Vira-latas se autoimplodem. Não precisam de disciplinamento. Ante
quaisquer gestos de aceitação, de cooperação, abanam os rabos para seus
donos.
O ano de 2016 foi o ano em que, além de toda a tragédia política e
social, o Brasil se autoimplodiu. Implodiu seu futuro de país plenamente
desenvolvido.
O ano de 2016 foi o ano do vira-lata.
Marcelo Zero é sociólogo, especialista em Relações
Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações
Internacionais (GR-RI).
Fonte Vi o Mundo
https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante
Visite a pagina do MCCE-MT
www.mcce-mt.org
Visite a pagina do MCCE-MT
www.mcce-mt.org