domingo, 11 de dezembro de 2016

Pacote de austeridade do Brasil é apontado pela ONU como um ataque aos pobres


Funcionários superiores disseram que os cortes orçamentários propostos, objeto de protestos nas ruas, são "ausentes de qualquer sutileza ou compaixão."




Jonathan Watts, do The Guardian (*)

O Brasil está pronto para implantar o pacote de austeridade socialmente mais regressivo do mundo, alertou um alto funcionário da ONU.

Apesar dos violentos protestos nas ruas contra os cortes orçamentários, o presidente Michel Temer – que assumiu o poder após tramar o impeachment de sua antiga companheira de chapa, Dilma Rousseff – está forçando um congelamento dos gastos sociais por vinte anos, inscrito na Constituição.

Às vésperas do voto definitivo do Senado na próxima terça-feira, o relator especial da ONU sobre a extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston, tomou a decisão pouco usual de denunciar o plano como um ataque aos pobres – e uma violação às obrigações brasileiras junto ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

"Esta é uma medida radical, que denota ausência de qualquer sentimento e compaixão", afirmou em declaração sexta-feira. "É completamente inadequado congelar apenas os gastos sociais e amarrar os braços dos futuros governantes por duas décadas. Se a emenda for adotada colocará o Brasil na categoria social retroregressiva por sua própria decisão."

A emenda constitucional, conhecida como PEC 55, solidifica os temores que que o governo de direita Temer levará o país de volta para a histórica posição do Brasil como um dos mais desiguais do planeta.

Essa reputação havia sido abrandada após 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores, que viu crescentes gastos em educação e saúde e algumas modestas medidas redistributivas.

Mas desde que Temer conspirou para tirar Rousseff da presidência, ele mudou as prioridades em direção aos credores em um esforço de restaurar a confiança dos investidores e melhorar as classificações financeiras rebaixadas.

Em consequência, o Estado se reduzirá rapidamente e uma grande parcela das rendas dos impostos irá para os detentores de títulos.

A PEC 55 vai muito além das políticas de austeridade dos demais países, de acordo com Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor associado no Instituto de Economia da Universidade de Campinas.

Bastos assinala que apenas Cingapura e a Geórgia têm os cortes orçamentários inscritos na Constituição – e assim mesmo por menor duração e muito menos pesados.


Dado como a inflação é assinalada como referência, ele estima que os gastos com educação infantil cairão quase um terço e os gastos com saúde por paciente quase 10 %. E, à medida que os gastos sociais caem em proporção ao PIB, ele afirma que as demandas crescerão em razão do avanço da idade da população e se prevê o crescimento da população em mais 20 milhões de habitantes.

Entretanto, os pagamentos de juros continuarão generosos: todos os ganhos futuros em impostos serão destinados ao pagamento da dívida pública. E o Brasil permanecerá como um dos únicos países do mundo em que lucros e dividendos não são taxados pelo imposto de renda aos proprietários de empresas.

"Nada parecido foi jamais executado em lugar algum do mundo", diz Bastos. "Este é o Estado mais contracionista e, ao mesmo tempo, o mais generoso com os possuidores de dívida pública na história da humanidade".

Tem havido escasso debate público, considerando-se a importância da medida que irá afetar o país até 2037. Pesquisas sugerem que menos de metade da população ouviu falar da PEC 55.

Ninguém votou na proposta porque Temer foi eleito na chapa de Dilma Rousseff, como vice-presidente e não houve qualquer promessa de austeridade.

Somando-se às frustrações, o governo permanece envolvido no escândalo de corrupção junto a dezenas de velhos políticos implicados nas investigações, ainda em andamento, da Lava Jato que examinam subornos e propinas na estatal Petrobrás.

Três ministros do gabinete de Temer já renunciaram, em que ele também é acusado. Para a fúria pública, Renan Calheiros, o presidente do Senado, se recusou a cumprir com uma determinação do Supremo Tribunal Federal para sair do cargo e responder a acusações no começo desta semana, sendo, posteriormente, por decisão de outros juízes, mantido no cargo.

Tensões sociais já estão evidentes. A polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha quando 10 mil manifestantes protestaram em frente ao Congresso durante a primeira fase da votação da emenda.

Cortes orçamentários de governos locais e atrasos nos salários levaram a manifestações violentas em outras cidades. A última irrompeu no centro do Rio de Janeiro na segunda-feira, quando empregados de escritórios e lojistas foram colhidos em meio a confrontos entre a polícia de choque e bombeiros em greve, policiais e outros funcionários públicos.

"Estamos perdendo empregos e renda, por isso temos que protestar, mas o governo responde com violência". Disse Pedro Oliveira, enquanto o gás lacrimogêneo invadia as ruas da cidade.

Jorge Darze, o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, disse estar preocupado tanto com os cortes no já financeiramente carente sistema de saúde, como com a quebra do diálogo entre organizações sociais e as autoridades.

"A situação é muito séria", advertiu. "É muito difícil debater porque o legislativo militarizou ao ingresso e os escritórios dos procuradores públicos deram as costas. O pacote de austeridade está longe de resolver a crise econômica e eu penso que agravará a crise social."




* Matéria publicada originalmente no The Guardian

Fonte Carta Maior