Há 37 anos, a emissora boicotava a campanha pelas diretas-já, a maior mobilização popular da historia republicana. Chegou dizer que um comício contra a ditadura, na Praça da Sé, havia sido uma festa pelo aniversário de São Paulo. Agora, culpa a luta de trabalhadores, apoiada por várias forças legítimas da sociedade, inclusive bispos da Igreja católica, pelos efeitos previsíveis de uma opção politicamente errada de seu jornalismo.
POR PAULO MOREIRA LEITE
Passei a tarde de 28 de abril hoje ouvindo – na TV –
depoimentos de cidadãos comuns a repórteres da Globo que ficaram sem
transporte em função da greve geral. O tom da cobertura era previsível:
pobres cidadãos indefesos que tiveram seu dia arruinado pela paralização
de trabalhadores, a maior de nossa história.
Parece que a culpa pelos transtornos enfrentados pelas
pessoas nas rodoviárias e nas estações de trem e do metrô deve ser
atribuída ao movimento sindical. Bobagem.
Com um mês de antecedência, as centrais sindicais informaram
ao país inteiro que os trabalhadores iriam cruzar os braços no 28 de
março. Incluía-se aí, evidentemente, a paralização dos transportes, ação
tradicional em toda paralisação desse porte – na Grécia, na França, ou
no Brasil.
Como se não fosse suficiente, nos cinco dias que antecederam
a greve geral, uma centena de bispos da Igreja católica publicaram
vídeos, na internet, convocando a população a cruzar os braços no dia
28.
O próprio governo federal preparou-se, reforçando o aparato
policial. O mesmo fizeram as PMs, na maioria dos estados. Anunciaram
esquemas de policiamento, avenidas e regiões liberadas e assim por
diante.
O que fez a Globo? Embora bastasse ler os jornais e dar um
simples telefonema as partes envolvidas para qualquer estagiário de
jornalismo inteirar-se do que acontecia, preferiu fingir que a greve não
existia. Retirou o assunto de sua pauta, quando, em nome do interesse
público, poderia ter antecipado a situação e alertado os espectadores.
Num clássico exercício jornalismo de serviço, poderia
sugerir providências para enfrentar aquela emergência. Não precisava
apoiar nem divulgar a paralização. Tinha mesmo o direito de fazer
críticas – ainda que estas seriam mais aceitáveis se o Brasil não
tivesse uma mídia dominada pelo pensamento único.
Em qualquer caso, bastava não esconder de seu público que –
era previsível – o protesto teria grande adesão e era prudente tomar as
providências cabíveis. Algo que qualquer emissora de Tv, em qualquer
país do mundo, aprendeu a fazer décadas atrás. Pauta banal do
tele-jornalismo norte-americano quando um desastre metereológico se
anuncia.
Mas não foi o que ocorreu. Possivelmente embriagada com um
poder de manipulação social que possuía em tempos que felizmente não
existem mais, imaginou que seria possível impedir um fato – a greve –
pelo boicote da notícia.
O vexame — cuja origem profunda se encontra no desprezo
histórico pela capacidade de luta dos trabalhadores – se comprovou ao
longo do dia.
Desprevenidos como cidadãos que não são alertados para sair
de casa com capa e guarda-chuva em dia de tempestade, milhares de
pessoas chegaram desavisadas às estações de trem e metrô. Encontraram
microfones e câmaras sempre abertas para ouvir seus depoimentos, sendo
colocados na posição de vítimas de grevistas. Com isso, cumpriam a
função política de desgastar as lideranças dos trabalhadores, evitando
reconhecer que elas indiscutivelmente expressam um ponto de vista
partilhado por uma maioria imensa dos brasileiros.
Ainda que uma greve geral como a de ontem seja um evento
particularmente grave na conjuntura de um governo enfraquecido como
Temer, é preciso reconhecer que paralizações desse porte são eventos
corriqueiros sob regimes democráticos. Ao demonstrar que não aprendeu a
conviver com elas, a Globo confirma que pouco aprendeu com a história do
país e com seus próprios erros.
Há 37 anos, a emissora boicotava a campanha pelas
diretas-já, a maior mobilização popular da historia republicana. Chegou
dizer que um comício contra a ditadura, na Praça da Sé, havia sido uma
festa pelo aniversário de São Paulo. Agora, culpa a luta de
trabalhadores, apoiada por várias forças legítimas da sociedade,
inclusive bispos da Igreja católica, pelos efeitos previsíveis de uma
opção politicamente errada de seu jornalismo. Se tivesse mesmo
preocupada com eventuais dores de cabeça que uma greve geral poderia
causar aos brasileiros, o mínimo que poderia ter feito era orientá-los a
se preparar para ela em vez de fazer o possível para esconder uma
gigantesca mobilização em curso.
Fonte Brasil 247
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