A maneira como a TV Globo tratou a histórica Greve Geral do 28 de abril de 2017 é, na minha avaliação, muito pior do que aconteceu com a cobertura das Diretas Já em 1983/1984.
Agora, porém, não tem como se esconder atrás da ditadura, da qual foi a principal beneficiária, como fez em 1984. Agora, fez mau jornalismo — distorcido, omisso, descontextualizado —
porque coloca seus interesses empresariais, representados pelo governo
Temer, acima do interesse da maioria dos brasileiros.
Por Luiz Carlos Azenha
Em 1983 eu era repórter da TV Bauru, afiliada da Globo no interior
paulista. Porém, vivia “cedido” à emissora em São Paulo, cobrindo férias
de colegas. Morava no Hotel Eldorado da rua Marquês de Itu, no
Higienópolis, na capital paulista, como repórter do chão de fábrica.
Fui, como pessoa física, à primeira manifestação pelas Diretas Já em
São Paulo, diante do estádio do Pacaembu, à qual compareceram cerca de
15 mil pessoas. Foi em 27 de novembro de 1983, poucos dias depois de meu
aniversário.
Outros protestos já tinham acontecido antes, pedindo que a ditadura
estabelecida em 1964 tivesse fim com eleições presidenciais diretas.
Outras aconteceriam depois, com destaque para Curitiba, onde se reuniram
cerca de 40 mil pessoas.
Portanto, posso dizer que eu estava lá vivendo a realidade paralela pela primeira vez: enquanto as notícias fundamentais para
o futuro do Brasil aconteciam do lado de fora, a TV Globo desconhecia
as notícias do lado de dentro — especificamente, na sede da emissora em
São Paulo, na praça Marechal Deodoro.
Era uma sensação bizarra. As ordens vinham do Rio: na Globo, nada de Diretas Já.
Portanto, não houve exatamente surpresa quando, no aniversário de São
Paulo, em 25 de janeiro de 1984, o repórter Ernesto Paglia falou sobre a
manifestação de cerca de 300 mil pessoas na praça da Sé, que
reivindicava outra vez Diretas Já, como se fosse a comemoração da
efeméride. Sim, é fato que a reportagem tratou dos discursos e da
manifestação em si, mas foi embalada pelos editores, a mando da direção
da Globo no Rio, como se fosse a cobertura de uma festa.
A maneira como a TV Globo tratou a histórica Greve Geral do 28 de
abril de 2017 é, na minha avaliação, muito pior do que aconteceu com a
cobertura das Diretas Já em 1983/1984.
Àquela época, a emissora poderia alegar — como alguns globais
chegaram a alegar — que vivíamos os estertores de uma ditadura militar e
que desafiar o regime poderia ter consequências para a própria abertura
“lenta, gradual e segura” prometida pelo ditador João Figueiredo.
Agora, não. Graças às redes sociais — facebook, twitter, whatsapp —
qualquer pessoa pode avaliar o grau de descontentamento com as medidas
de impacto social tomadas por um governo que tem o presidente da
República e nove de seus ministros sob suspeita e/ou investigação,
medidas que por sua vez são submetidas a um Congresso igualmente sob
suspeita.
Mesmo os mais devotos apoiadores do impeachment de Dilma Rousseff e
antipetistas vários sabem que Michel Temer não foi eleito
vice-presidente para tomar o rumo que tomou, nem tem legitimidade para
golpear os direitos sociais da forma como pretende fazê-lo.
Age em nome do 1% do topo, com 4% de ótimo/bom na pesquisa de opinião
pública mais recente e desemprego na casa dos 14%, quando a promessa
era de que a derrubada de Dilma provocaria um cavalo-de-pau imediato na
economia.
Portanto, desta feita a TV Globo e seus satélites não tem onde se
esconder: o apoio dado às medidas do governo Temer expressa acima de
tudo o interesse político e econômico dos próprios donos da mídia e dos
usurpadores do poder no Planalto e no Congresso que os representam.
No caso da emissora, é absolutamente impossível do ponto-de-vista
jornalístico que uma organização com tantos tentáculos espalhados por
todo o Brasil tenha sido incapaz de registrar o descontentamento popular
ANTES da greve geral, de forma a expressá-lo em seu noticiário.
Será que só nós, internautas, vimos por exemplo as manifestações da CNBB e de um terço dos 100 bispos da Igreja Católica, os quais certamente não podemos acusar de agirem a mando do anarco-sindicalismo?
A Globo, para ficar apenas na nave mãe, simplesmente fez mau jornalismo. Não foi pela primeira, nem será pela última vez.
Agora, porém, não tem como se esconder atrás da ditadura, da qual foi a principal beneficiária, como fez em 1984.
Agora, fez mau jornalismo — distorcido, omisso, descontextualizado —
porque coloca seus interesses empresariais, representados pelo governo
Temer, acima do interesse da maioria dos brasileiros.
PS: Que fique registrado. Quando Lula se elegeu presidente e foi à Globo do Rio dar entrevista ao Jornal Nacional — estava em minha segunda passagem pela emissora — eu
fui um dos poucos jornalistas presentes que não o aplaudiram na
entrada. Não acho que o papel de jornalista seja bater palma para
autoridade, tampouco negar a realidade que o cerca.
Fonte Vi o Mundo
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