Não temos alternativa à campanha das diretas porque não se trata de um caminho, mas de uma natureza. O Sufrágio Universal é a alma da soberania popular. É a espada flamejante que temos que empunhar, é o que foi conspurcado pelo golpe e é o que terão que nos devolver.
Mística do poder legítimo, “Diretas Já” é Excalibur!
Ou de por que não podemos abrir mão das diretas
Por Ion de Andrade
Em um ano a base de apoio do golpe foi reduzida a escombros. Nem
mesmo a ditadura às vésperas de sua derrocada conseguiu tamanho
isolamento. A desmoralização do governo é tal que os custos do apoio que
a sua base política ainda insiste em lhe emprestar serão politicamente
incalculáveis. Quantos dos que apoiam Temer serão reeleitos?
E as ruas inverteram a tomada de iniciativas para o campo da
oposição. A tomada de Brasília por dezenas de milhares de brasileiros
vindos dos quatro cantos do Brasil é prenúncio de que outras virão. A
possibilidade de que a nossa distante capital seja palco de
manifestações volumosas de gente de todas as lonjuras é nova e
alvissareira. Significa que finalmente consolidou-se como capital
política 57 anos depois de fundada. Doravante nem a capital será refúgio
seguro para políticos habituados ao marasmo daqueles espaços imensos e
vazios onde talvez creiam poder tudo.
Porém no nosso campo ainda não se desenhou uma estratégia comum para
construir o Fora Temer, nem o pós Temer. Diretas já? Anulação do
Impeachment? Negociação de uma plataforma e de um nome de compromisso
para a retomada da democracia com suspensão das reformas?
Essas divergências “estratégicas” têm o condão de reduzir o alcance
político das manifestações pelas diretas que, por volumosas que sejam,
representariam sempre uma parte e não a totalidade do campo democrático.
O movimento pelas diretas dos idos de 1983-1984 não foi assim. Foi
movimento unitário e provou ter sido, na sequência, um forte catalisador
para a viabilização do Estado de direito que emergiu da Constituinte de
1988. Aquele caudal irrefreável consolidou dentro de cada brasileiro à
época a percepção de que a hegemonia popular no campo democrático era
possível, politizou-se a juventude e milhões foram às ruas.
O que teria sido do Brasil sem as “Diretas Já”? Teria Lula tido
viabilidade? As vezes na história a experiência do oposto funciona como
um forte definidor de um projeto de ruptura. O nazismo legou à Europa um
oposto. A derrota naquela campanha de 1984 permitiu ao Brasil saindo de
uma ditadura e sem memória social de uma democracia, perceber que era
inadmissível sermos maioria em favor das diretas, mas obrigados ao
Colégio Eleitoral. Plantou-se ali não somente a semente do sufrágio
universal, mas também, pelo desrespeito à vontade popular, a
Constituição Cidadã. As “Diretas Já” foram a conclusão, em apoteose, das
lutas da nação pela democracia.
Não podemos esquecer de que a história não é linear. Na verdade, a
mobilização da cidadania pelas diretas, para além do inestimável
aprendizado politizador das multidões, funcionou e funcionará como o
pistão de um motor a explosão num carro que evidentemente, pode escolher
um destino, mas não um caminho. O caminho é a história, com seus
encontros e desencontros, mas sem o pistão a assegurar o movimento,
nenhum caminho será possível.
Vamos imaginar, por exemplo, que nos vejamos, apesar de imensas
mobilizações de rua, na contingência de disputar a hegemonia num colégio
eleitoral espúrio e corrupto como o é esse Congresso Nacional. Teremos
candidato próprio para marcar posição e perder ou vamos negociar um nome
terceiro? Que legitimidade teremos para decidir isso ou que força
teremos para negociar se não a que nos tiver sido confiada pelos
brasileiros que terão descido às ruas para exorcizar o Brasil dessa
legião das trevas?
E se a improbabilíssima anulação do impeachment nos sorrir, que força
teremos para frear ou reverter essas reformas que prometem trazer a
miséria de volta às ruas se não a que terá emergido do grito de milhões
pelas diretas chancelando mais uma vez o projeto democrático?
Não temos alternativa à campanha das diretas porque não se trata de
um caminho, mas de uma natureza. O Sufrágio Universal é a alma da
soberania popular. É a espada flamejante que temos que empunhar, é o que
foi conspurcado pelo golpe e é o que terão que nos devolver.
Diretas já, em suma, é Excalibur!
Fonte GGN
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