Pesquisadora da UFRJ revela, em livro, as relações íntimas entre
os parlamentares e as TVs e rádios pelas quais o pais se (des)informa.
Fenômeno não se limita às regiões mais pobres, ao contrário do que se
pensa
Outras Palavras
Por Taís Seibt
Durante a corrida presidencial de 2002, uma grande quantidade de
dinheiro foi apreendida no escritório da pré-candidata a presidente da
República pelo PFL, Roseana Sarney. A descoberta do dinheiro, que seria
usado como caixa 2, levou Roseana a desistir da campanha presidencial
para concorrer ao senado. Filha de José Sarney, Roseana tinha a política
no sangue, mas não apenas isso. Era também herdeira de um império
midiático regional: a família Sarney comandou a afiliada maranhense da
Rede Globo até o começo deste ano.
Natural do Maranhão e estudando no Rio de Janeiro, Pâmela Araújo
Pinto decidiu analisar em sua pesquisa de mestrado, na Universidade
Federal Fluminense (UFF), as tensões entre o discurso nacional e
regional da mídia no episódio envolvendo Roseana Sarney. No doutorado,
pela mesma instituição, quis aprofundar o estudo sobre a concentração
das mídias regionais nas mãos de políticos, já que em seu estado natal a
família Sarney não era um caso isolado: a afiliada ao SBT, TV Difusora,
pertence a familiares do senador Edson Lobão (PMDB); parentes do
senador Roberto Rocha (PSB) são donos da TV Cidade, afiliada à Record; e
a Band está nas mãos de pessoas ligadas ao ex-deputado estadual Manoel
Ribeiro (PTB).
A tese, defendida em 2015 e premiada pela Associação Brasileira de
Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica) em 2017, mapeou
392 veículos de 29 cidades do Norte e 824 veículos de 58 municípios do
Sul. Pâmela encontrou mais semelhanças do que diferenças entre os dois
extremos do país e observou grande sincronismo entre ascensão política e
posse de mídias, sobretudo de radiodifusão.
Entre os casos mais expressivos, está a família Barbalho, no Pará,
que hoje tem Helder Barbalho como ministro da Integração Nacional.
Helder é filho do senador Jader Barbalho (PMDB) e herdeiro de um
conglomerado de mídia afiliado à Band. No Sul, chama atenção a
trajetória de Ricardo Barros, à frente do Ministério da Saúde no governo
Temer. Ele tem rádios em Maringá, no interior do Paraná, sua mulher,
Cida Borghetti, é vice-governadora do estado, e a filha, Maria Victoria
(PP), é deputada estadual.
Casos como esses agora estão no livro “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul”,
lançado em 21 de junho, no Espaço Multifoco, no bairro da Lapa, Rio de
Janeiro. Na entrevista a seguir, Pâmela, que hoje é professora
substituta da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (ECO-UFRJ), comenta o significado e o impacto de seus achados de
pesquisa para a democracia brasileira.
Por que você escolheu pesquisar a posse de mídia nas regiões Norte e Sul do Brasil?
Decidi estudar o maior (Sul) e o menor (Norte) mercado de mídia
regional do Brasil, desconsiderando o Sudeste. Meu objetivo era entender
como as empresas se organizam, o seu impacto nesses espaços e descobrir
se havia semelhanças, pois as diferenças eu imaginava que eram certas,
por questões socioeconômicas. Também procurei entender o impacto do
controle da mídia nas duas regiões por políticos, pois mesmo na academia
ainda se pensa que esse controle é algo apenas de regiões mais pobres,
como o Nordeste. Busquei os grupos de mídias de capitais das duas áreas e
também de cidades de médio e pequeno porte. Localizei grupos afiliados
às grandes redes de TV (Globo, SBT, Record, Band e Rede TV), afiliados
às redes de rádio (CBN, Jovem Pan, Transamérica) e ainda grupos menores e
independentes desses elos com mídias nacionais.
Você reuniu uma base de dados bastante ampla nas duas regiões. Como foi esse processo? Quais foram as principais dificuldades?
Busquei entender os mercados regionais usando dados oficiais do
Ministério das Comunicações e dados da Associação Nacional de Jornais
(ANJ). No Ministério das Comunicações, consegui o número de emissoras de
rádios, TV e retransmissoras de TV de cada estado. Em 2011, o órgão
lançou a lista de sócios de outorgas de radiodifusão no país, por meio
dela foi possível mapear os políticos “donos de mídias”. As informações
sobre os números de jornais foram mais difíceis de conseguir, pois os
dados não são gerais. Pesquisando as emissoras afiliadas às redes
nacionais nos estados, percebi que não havia uma transparência neste elo
com grupos nacionais. As empresas nacionais precisam de parceiras
locais para levar o sinal a todo o país, mas regionalmente os afiliados
muitas vezes não têm site, não divulgam a grade de programação. Tive que
fazer uma verdadeira investigação para descobrir programas locais, no
Youtube e Facebook, por exemplo, e também saber quais eram os donos das
empresas afiliadas. A principal dificuldade foi essa, conseguir
informações dos mercados menores, no interior do Brasil. Essas empresas
afiliadas deveriam ter sites e prestar informações sobre o uso que fazem
das concessões de radiodifusão, que afinal de contas, são públicas.
O que mais te surpreendeu ao analisar os dados?
A quantidade de políticos donos de mídia e o uso desses canais de
comunicação massivos para se perpetuar no poder, regionalmente, e ter
influência política regional e nacional foi o que mais chamou atenção.
Identifiquei 34 políticos ligados a 26 grupos de mídia nos sete estados
do Norte. No Sul, localizei 56 políticos ligados a 41 grupos, nos três
estados. Muitos são eleitos consecutivamente, têm programas em suas
mídias e ainda conseguem transferir essa influência a familiares. Agora
mesmo eles estão representando os seus respectivos estados e atuando
pelos seus interesses, como na Comissão de Ciência, Tecnologia,
Comunicação e Informática (CCTCI). Também observei que todos os
políticos donos de mídia votaram pelo golpe que retirou a presidente
Dilma do cargo.
Como você analisa o impacto dessa concentração midiática e seu uso político para a consolidação da democracia no Brasil?
A concentração prejudica diretamente o nosso direito à informação e à
comunicação, assegurados constitucionalmente. Saindo dos eixos urbanos,
conectados à internet, vamos ter comunidades informadas diretamente e
quase exclusivamente pelas mídias massivas mais tradicionais, ou seja,
TV e rádio. Para piorar, nem todos os estados têm um mercado de jornais
consolidado, há regiões com poucos jornais e muitos deles também são
controlados por políticos. Esse cenário de controle, infelizmente, faz
parte da realidade de muitas pessoas, em todo o país. Não é uma
realidade apenas de cidades menores, mas de várias capitais. Temos um
mercado de mídia concentrado em poucos grupos e um forte controle de
mídia por políticos. Há pouca valorização de estratégias alternativas, a
exemplo da mídia comunitária.
Às vésperas do julgamento no TSE, o presidente Michel Temer mandou
acelerar propostas de concessões, sendo que muitas delas haviam sido
solicitadas por aliados do governo. O que isso revela sobre o uso das
concessões como instrumento político?
Isso expõe
que as concessões são estratégicas para manutenção e fortalecimento de
grupos políticos. Com mídias próprias, os políticos utilizam esses
espaços para autopromoção e também para dar visibilidade a membros da
sua família. Fortalecem seus grupos políticos e “atacam” os adversários
em um espaço local. Imagina como deve ser concorrer com o grupo do
senador Davi Alcolumbre (DEM), no Amapá? Ele é sobrinho do grupo de
mídia que controla três emissoras de TV afiliadas às redes Record, Band e
SBT. Até 2002, menos de 5% da população do Norte tinha acesso à rede de
computadores (internet). Dez anos depois, esse índice oscila em 30%,
dependendo da região, segundo dados do IBGE. A família do senador também
edita um jornal gratuito que divulga ações de Davi em Brasília. Em
pouco mais de uma década, ele passou de vereador para senador: em 2000,
foi vereador, com 2.317 votos, depois teve três mandatos como deputado
federal e, em 2014, foi eleito senador, com 131 mil votos. As mídias não
foram o único fator, mas tiveram participação expressiva. Romero Jucá
(PMDB) tem um grupo de mídia em Roraima, com cerca de 14 concessões de
rádio e TV. Ele é senador por Roraima desde 1995 e tem ocupado cargos
estratégicos em todos os governos desde então. A família Jucá controla
afiliadas às redes Band e Record, além de rádios e sites. Sua ex-mulher,
Teresa Jucá, foi deputada federal no estado e há seis mandatos é
prefeita da capital, Boa Vista. O filho do casal, Rodrigo Jucá, também
já foi deputado estadual.
O que seria necessário para barrar o uso político das concessões de radiodifusão no Brasil?
Vejo essa possibilidade como uma conquista lenta e distante, pois no
nosso atual cenário a conjuntura enfraquece iniciativas de participação
popular. Como pesquisadores, temos um grande desafio, o de levar a
informação desse controle de mídia por conglomerados e por políticos
para a população. Conscientizar sobre esse prejuízo para a democracia e
sobre as possibilidades de mídias alternativas é nosso compromisso.
Precisamos de estratégias para aproximar nossas pesquisas da realidade
das pessoas. Por outro lado, essa mobilização também seria fruto de um
amadurecimento da própria condição de cidadão e eleitor, que teria que
ter uma postura menos passiva e de maior fiscalização sobre seus
direitos.
Qual a importância de pesquisas como a sua nesse processo?
O trabalho sobre a mídia regional em duas regiões tão
distintas ajuda a quebrar alguns tabus. Alguns deles são sobre os
mercados regionais, que são subestimados nas pesquisas da área e que
estão em crescimento. Esse crescimento também precisa ser visto de
perto, para entender quais os impactos, quais os grupos, se há controle
político. Outro preconceito é que os políticos donos de mídia estão
apenas em áreas pouco desenvolvidas socioeconomicamente. A pesquisa
aponta que eles estão em todo o país. A conexão econômica entre esses
grupos de políticos e as mídias de referência nacional também precisa
ser questionada. Não há informações ou transparência por parte dessas
grandes empresas, a exemplo das redes de TV como Globo, SBT, Record,
Band e Rede TV!, em relação aos parceiros regionais e à consequente
exploração de outorgas de radiodifusão pública para fins privados.
Muitos grupos afiliados a essas redes no Norte e no Sul não têm site,
não disponibilizam sua grade de programação. Essa “flexibilidade”
prejudica o monitoramento desses parceiros regionais e é cômoda para os
grandes grupos, que se dizem alheios à política e imparciais.
Fonte Outras Palavras
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