A questão vai muito além de mudanças jurídicas ou propostas criminalizadoras. A abordagem policialesca sendo construída no Brasil mostra-se claramente limitada. O que faremos agora com o problema da desinformação traz grandes questões normativas sobre nossas crenças na democracia e na responsabilização coletiva por processos eleitorais mais éticos e transparentes.
Parecia piada, mas é real: TSE e governo querem dar ao exército e
PF poderes para aferir veracidade de notícias. Europa adota abordagem
oposta: mobilizar sociedade civil e responsabilizar grandes plataformas
Rafael A. F. Zanatta
O assunto do momento é fake news.
Em um cenário onde quase dois terços dos países latino-americanos
passarão por eleições presidenciais, a questão que aflige a todos é
saber que tipo de impacto as redes sociais e a internet trarão para o
instrumento central da democracia, o voto. Afinal, qual será o grau de
manipulação das emoções e das opiniões políticas por fatos inexistentes e
polêmicas alarmistas? Que tipo de influência externa, por meio de táticas de psicometria
e desinformação criados por profissionais contratados para esse fim,
ocorrerá em países como Brasil? Que papéis as grandes plataformas que
dominam a camada de aplicações de internet — Google (dona do YouTube),
Facebook (dona do WhatsApp), Twitter e outras — deveriam assumir para
verificar aquilo que é publicado e se o conteúdo é “confiável”?
As
questões são massivamente complexas e especialmente delicadas em um
contexto político latino-americano, com sua tradição autoritária e suas
descalibradas instituições democráticas, ainda em aperfeiçoamento e,
paradoxalmente, em desestruturação. Para além das polêmicas em torno das
eleições nos EUA e na França, há uma série de movimentações tectônicas
na política internacional que influenciam o panorama latino-americano e o
brasileiro.
É preciso uma leitura clara da movimentação europeia em torno do “combate a fake news”, das iniciativas brasileiras
e suas deficiências democráticas e os alertas da sociedade civil sobre
riscos gerado por respostas populistas, demagógicas e simplificadoras.
O debate europeu e o anúncio de reformas
A
União Europeia tem lidado com o problema da desinformação com uma
abordagem potencialmente legalista. Nos diversos discursos de políticos e
lideranças de países europeus, fala-se em mudança da legislação e em analisar a situação jurídica das fake news.
Com essa linguagem abstrata, o recado que se quer passar é há vontade
política de criar obrigações específicas para os intermediários, ou
seja, para as plataformas como Facebook, Google e Twitter, que arrecadam
bilhões de dólares com publicidade e monetização dos dados pessoais,
mas que não assumem responsabilidade editorial pelos conteúdos
publicados pelos seus usuários.
Esse desejo de mudança jurídica
precisa ser compreendido dentro de um quadro maior, no qual se visualiza
a mobilização de políticas antitrustes (direito concorrencial) para
mitigar os monopólios dos mercados digitais e tentar fortalecer o
surgimento de empresas europeias na camada de aplicações de internet
(ver ‘Monopólios sociais: é hora de enfrentar Google e Facebook?‘).
Em outras palavras, há uma tendência de redesenho das normas aplicáveis
às grandes empresas de aplicações de internet, incluindo aí as redes
sociais. O debate sobre fake news acelera essa tendência por um novo viés.
Para além da substância, o processo conduzido pelos europeus é notável.
Em maio de 2017, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, enviou uma carta aberta para a comissária de Economia Digital, Maryia Gabriel, pedindo
que a Comissão analisasse “os desafios que plataformas online criam
para nossa democracia com relação à disseminação da informações falsas” e
iniciasse “uma reflexão sobre o que poderia ser feito no nível da União
Europeia para proteger nossos cidadãos”.
Em um relatório de junho de 2017 intitulado Report on Online Platforms and the Digital Single Market,
elaborado pelos comitês de “Mercado Interno e Proteção ao Consumidor” e
“Indústria, Pesquisa e Energia”, foram feitas proposições de “convocar
as plataformas online a fornecer aos usuários ferramentas para denunciar
notícias falsas de forma que outros usuários possam ser informados
sobre a veracidade do conteúdo que foi contestado” (item 35) e “convocar
a Comissão Europeia a analisar em profundidade a situação jurídica
relacionada a notícias falsas e verificar a possibilidade de intervenção
legislativa para limitar a disseminação e divulgação de conteúdo falso”
(item 36).
Em novembro de 2017, a comissária Gabriel realizou uma conferência pública sobre o assunto em Bruxelas e anunciou (i) uma consulta pública para que todos os cidadãos pudessem opinar sobre desinformação online (désinformation en ligne)
e (ii) a criação de um “grupo de especialistas de alto nível” para
reunir especialistas da mídia, do mundo acadêmico e da sociedade civil. O
processo de seleção dos especialistas também seria transparente e
democrático: qualquer interessado teria quatro semanas para submeter
candidatura, que seria avaliado pela Comissão Europeia. Em sua fala,
Maryia Gabriel destacou quais seriam os princípios fundantes da abordagem europeia para o problema da desinformação:
Primeiro, a transparência sem a qual os cidadãos não podem fazer escolhas informadas. Os atores que querem magoar não gostam da luz. Esta transparência deve ser capaz de se referir aos fluxos financeiros, às fontes de informação, aos mecanismos de fabricação e difusão da informação. Em segundo lugar, a diversidade de informações: o tempo da informação monolítica acabou e a diversidade de informações é o combustível do pensamento crítico e do julgamento esclarecido. Essa diversidade não deve ser reduzida por homens ou máquinas. Em terceiro lugar, tendo a capacidade de caracterizar a credibilidade da informação: para os usuários, o acesso não só à informação, mas também a uma indicação da credibilidade dessa informação é essencial. Finalmente, qualquer análise deve valorizar soluções inclusivas. Como todos sabemos, nenhuma solução a longo prazo será possível sem o maior envolvimento das partes interessadas (tradução do original em francês).
Em 12 de janeiro de 2018, a Comissão Europeia anunciou a seleção dos trinta e nove “experts” que farão parte do High Level Group on Fake News. A presidência do grupo ficou com a professora Madeleine Buning, da Universidade de Utrecht.
Claramente,
há uma preocupação com a legitimidade da formação do painel e com o
“maior envolvimento das partes interessadas”. Esses processos
transparentes e auditáveis são fundamentais para a democracia.
Problemas brasileiros
Diferentemente
do que ocorreu na Europa — com um processo de conscientização política
(ainda que limitado), chamada pública para composição de painel de alto
nível e a aposta em “soluções inclusivas” –, o Brasil tem andado por
caminhos tortuosos, com sinalizações claras de um tratamento
policialesco ao assunto.
O Tribunal Superior Eleitoral, sob presidência do polêmico ministro Gilmar Mendes — já chamado de “inimigo do Supremo”
por um prestigiado professor da Universidade de São Paulo –, firmou em
novembro uma parceria com o Exército para monitoramento de conteúdos
online durante as eleições. A parceria, pouco noticiada na mídia mas
oficializada pelo TSE, foi objeto de duras críticas pela Coalizão Direitos na Rede:
Em que pese as notícias falsas serem um fenômeno nocivo para a democracia e para o direito de acesso à informação,e que precisa ser combatido, inclusive no contexto de possíveis influências em processos eleitorais, atribuir ao Exército e às forças de segurança a tarefa de monitorar conteúdos na Internet é uma medida inadequada e que traz sérios riscos à liberdade da expressão dos usuários. As Forças Armadas não podem monopolizar o controle da veracidade dos fatos porque 1) não possuem essa competência constitucional; 2) não têm as condições técnicas para isso; 3) não detêm o conhecimento para distinguir fake news; e 4) não são neutras na política. Para piorar, essas instituições deixaram violentas e profundas marcas na história recente do país ao promoverem o cerceamento da liberdade de expressão e de manifestação dos brasileiros/as durante a ditadura civil-militar.
Durante o VII Fórum da Internet no Brasil, organizado em novembro de
2017 pelo Comitê Gestor da Internet, representantes do Exército
confirmaram que a parceria seria firmada, mas não entraram em detalhes
sobre qual exatamente seria o papel das Forças Armadas e quais seriam os termos específicos desse acordo de cooperação. Em tom jocoso, o General Jayme Queiroz desconversou: “dizer que as Forças Armadas vão controlar as fake news nas eleições é fake news”. Tudo muito obscuro.
Em dezembro, o Tribunal Superior Eleitoral anunciou a realização do Fórum Internet e Eleições,
em parceria com Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC) e o Comitê Gestor da Internet (CGI.br). No
lançamento do evento, o TSE publicou uma Portaria assinada por Mendes criando o “Conselho Consultivo de Internet e Eleições”.
O
Conselho está subordinado ao Gabinete do Presidente do Tribunal
Superior Eleitoral e tem como atribuições: “(i) desenvolver pesquisas e
estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet nas
eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na
disseminação das informações, (ii) opinar sobre as matérias que lhe
sejam submetidas pela Presidência do TSE; (iii) propor ações e metas
voltadas ao aperfeiçoamento das normas”. Coordenado por Luciano Fuck,
da Secretário-Geral da Presidência do TSE, o Conselho tem como
integrantes Frank Oliveira, da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), e o General Jayme Queiroz, do Centro de Defesa Cibernética do
Exército. Pela sociedade civil, foram chamados Thiago Tavares, da
SaferNet e Marco Aurelio Ruediger, diretor de estudos de políticas
públicas da Fundação Getulio Vargas.
É notável a diferença do
processo brasileiro com o europeu. Ao passo que os europeus optaram por
levar a questão para o nível da Comissão Europeia, envolvendo
representantes eleitos pela população para composição de um painel de
experts participativo e auditável, o Judiciário, por meio do
Tribunal Superior Eleitoral, optou por parcerias obscuras com o Exército
e com a formação, de cima para baixo, de um conselho consultivo.
Quais
os critérios de seleção do conselho consultivo? Por que representantes
da Safernet foram escolhidos e não do InternetLab, por exemplo? São
questões não respondidas em razão da fragilidade democrática desses
processos.
Redirecionando as narrativas em torno das fake news
As
declarações mais perigosas sobre medidas jurídicas de combate à
desinformação são provenientes de membros da Polícia Federal. Em
dezembro do ano passado, o delegado Eugênio Ricas defendeu “usar a Lei de Segurança nacional para combater as fake news”, resgatando tipos penais criados pela Lei 7.170, de 1983, em uma mentalidade anti-terrorista da ditadura civil-militar.
Em
janeiro, o diretor da Polícia Federal nomeado pelo governo Temer,
Fernando Segovia, firmou um obscuro termo de cooperação com o Federal Bureau of Investigation (FBI) dos EUA para montar um “grupo de trabalho de combate à fake news”. A narrativa da Polícia Federal é de urgência para mudanças legais e cooperação internacional na esfera criminal.
Segovia também tem pressionado Luiz Fux, futuro presidente do Tribunal
Superior Eleitoral, para uma agenda reformista de combate à
desinformação.
O posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral ainda é fragmentado, sendo mais fácil identificar a posição de alguns de seus ministros. No Fórum Internet e Eleições, o ministro Gilmar Mendes fez
uma descrição mais ponderada do cenário brasileiro, considerando a
antiguidade do problema da desinformação e o uso de “ética e bom senso”:
Hoje temos uma realidade de uso da internet como arma de manipulação do processo político. Essa é a realidade que teremos que lidar no ano que vem. No entanto, é preciso ficar claro que esse processo não é novo. Isso sempre existiu. Na história da Roma antiga, houve experiências de fake news. No século XX, os nazistas levaram a fake news a um padrão industrial. No Brasil, também tivemos diversas experiências históricas de manipulação e desinformação. (…) Com a internet e as redes, a disseminação dessas informações passou a ser mais rápida, quase que instantânea, mais fácil, mais barata. Temos que lidar com esse cenário novo. (…) Hoje são mais de 3 bilhões de pessoas nas redes sociais. 40 por cento da população mundial usam tais redes. 79% da base de usuários de internet no Brasil estão nas redes sociais. (…) Não há como desconsiderar essa realidade. Temos os exemplos recentes das eleições americanas e francesas, bem como o plebiscito da Inglaterra. Sabemos que as redes sociais impulsionaram boatos, factóides e pós-verdade nessas campanhas. O Facebook teve grande papel na vitória de Trump nos EUA. O direito eleitoral precisa lidar com isso: crowdfunding, campanhas privadas, manifestação política na internet, entre tantas outras questões que serão debatidas. (…) Precisamos estar preparados para isso e participar ativamente desse processo. Felizmente, nós temos velhas armas para lidar com isso: bom senso, ética e cuidado do próximo e, acima de tudo, o senso de justiça e legalidade.
O
ponto positivo do seminário foi a participação de representantes da
Agência Lupa, Jota, Arko Advice, Coletivo Intervozes, Fundação Getulio
Vargas, Instituto de Tecnologia e Equidade, Instituto de Tecnologia e
Sociedade, Instituto de Direito Público, NIC.br e Uniceub. A
participação da sociedade civil organizada é fundamental para reorientar
os termos da discussão e afastar a pretensão punitivista que a Polícia
Federal pretende implementar. Há outros problemas mais complexos do que a
simples culpabilização e criminalização de quem produz notícias falsas.
Em uma fala que sintetizou muitos dos argumentos levantados pela sociedade civil, o jornalista Jonas Valente, do Intervozes, problematizou
o uso dos robôs (bots) e criticou a legalização do “impulsionamento”
via Facebook na reforma eleitoral realizada em 2017, exigindo soluções
de transparência pelas plataformas:
Os robôs em si não são um problema. Os órgãos públicos usam robôs. Empresas usam robôs para atendimento. Mas, infelizmente, os robôs foram apropriados para o uso de propaganda política e isso é extremamente vinculado à disseminação de notícias falsas. Como então os cidadãos poderiam monitorar os robôs? Há metodologias? Sim, dentro dos centros especializados. Como que um cidadão comum poderia identificar se o robô é robô ou não? (…) Outro problema é o do candidato de muitas caras. Com o impulsionamento, como que nós vamos evitar opacidade no debate público? Cada vez menos saberemos como serão os debates e agendas em disputa. (…) Nós não podemos demonizar as plataformas. O Facebook divulgou o Update on Advertising and Transparency. Há várias medidas interessantes: como permitir que qualquer cidadão, ao entrar em uma página, possa acessar todos os anúncios que aquela página fez.
A fala de Valente pode ser entendida como um
combate a duas tendências muito fortes no Brasil: (i) um discurso de
criminalização dos bots e punição do uso de robôs em períodos eleitorais
e (ii) uma tendência de tentar resolver todos os problemas por meio de
regulação estatal, ignorando o papel a ser desempenhado pelas próprias
empresas e pela sociedade.
Na mesma linha anti-punitivista,
Thiago Rondon, do IT&E, defendeu que robôs podem executar tarefas
excelentes, podem auxiliar no acesso a direitos e podem auxiliar no
debate público. O ponto central, para ele, é pensar na infraestrutura por trás dos bots e
em técnicas de compreensão do modo de operação dos robôs. Essas
técnicas, por exemplo, seriam capazes de identificar a operação de robôs
baseados em informações de redes sociais. Seria possível, também, criar
bots de aprendizado mecânico que pudessem pesquisar e contra-argumentar
notícias falsas. Por fim, Rondon argumentou que não é o Tribunal
Superior Eleitoral, sozinho, que será capaz de solucionar o problema da desinformação em períodos eleitorais.
Transparência, uso de dados pessoais e o movimento “Não Vale Tudo”
Em uma rica entrevista concedida para a CBN em novembro de 2017,
o professor Ricardo Abramovay — conhecido sociólogo e pesquisador
sênior da Universidade de São Paulo — tratou de dois problemas centrais
nesse cenário eleitoral de surgimento de empresas especializadas em
psicometria e influência política dos cidadãos: o que ele chamou de
“ocupação das mentes e dos espaços mentais” por sofisticadas técnicas de
análise de dados pessoais e construção de narrativas; e a necessidade
de uma ampla discussão sobre os usos éticos da tecnologia. Ao ser
questionado sobre o caráter distópico das tecnologias, Abramovay
argumentou:
A solução para isso se chama transparência. (…) Na política, isso vai ser muito importante. Identificar quem está fazendo a propaganda, quem o financia, quanto foi pago. O Tribunal Regional Eleitoral tem que assumir esse papel. Primeiro, você tem que aumentar a consciência do cidadão e a capacidade de fazer boas perguntas: a mensagem que eu recebi é de um humano ou de um robô? Nas eleições brasileiras, nós temos que evitar o que aconteceu nos EUA, que é a presença enganosa de protagonistas eleitorais que não são cidadãos. (…) Há muitas empresas investindo em coleta e interpretação de dados pessoais. O que não é legítimo é que isso seja feito de maneira opaca e não transparente. A internet tem que ampliar a transparência de nossas vidas, mas o modelo que domina hoje é o contrário. Eu não entendo como funcionam os algoritmos. Eu não entendo por que certas notícias que eu recebo no Facebook são essas ou são aquelas. Essa arquitetura da nossa relação pela internet tem que mudar. (…) O que nós temos que reprimir não são as ideias, mas sim a opacidade, a mentira, aquilo que se esconde.
O
combate à opacidade é uma das principais bandeiras de um movimento
civil criado para garantir maior centralidade à transparência e uso
ético das tecnologias em períodos eleitorais. Em uma carta assinada por
mais de 30 organizações civis, o movimento Não Vale Tudo faz as seguintes ponderações:
Nós precisamos conhecer como estamos usando a tecnologia na política e nos responsabilizar coletivamente pelas consequências destes usos. As novas tecnologias devem representar uma oportunidade para um debate mais amplo, consciente e um campo fértil para inovação política. Precisamos informar, mobilizar e sensibilizar para que estas novas tecnologias sejam utilizadas a favor da construção de uma democracia mais aberta, participativa e justa. Nós não toleramos a produção e disseminação de notícias falsas. Quem as cria, promove a mentira e manipula os cidadãos em torno de interesses particulares e desonestos. Vinda por veículos tradicionais ou inovadores, a informação de qualidade deve ser um direito garantido a todas e todos os participantes de uma discussão política, seja qual for o lado. Nós acreditamos em informações cujas fontes estejam claras, cujos autores e veículos estejam evidentes. Desta forma, saudamos e encorajamos todas as iniciativas de verificação de fatos, dados e informações e de fortalecimento do jornalismo ético e transparente com suas posições políticas conduzidas hoje no Brasil. Nós acreditamos que informações detalhadas sobre o uso de tecnologias para fins eleitorais devem ser de conhecimento público, tais como softwares, aplicativos, infraestrutura tecnológica, serviços de análise de dados, profissionais e empresas envolvidas na construção e consultoria da nossa campanha. Além da prestação de contas financeira com doações e fornecedores, é necessário também uma transparência detalhada das tecnologias utilizadas em uma campanha.
Além
da oportunidade de mudança de comportamento empresarial e dos políticos
por um uso mais ético das tecnologias — algo reforçado até mesmo pelo
Papa Francisco em comunicação escrita aos jornalistas na Jornada de
Comunicação Social da Igreja Católica –, há perspectivas otimistas de
utilização desse momento para uma transformação social mais profunda no
modo como consumimos informação. Conforme nos lembra João Paulo Charleux, do jornal Nexo,
pesquisadoras como Nunia Fernandez acreditam que o debate sobre as fake
news trouxe consigo a “oportunidade de impulsionar, sobretudo entre as
crianças e jovens, o estudo sobre as formas de produção, de disseminação
e de consumo das notícias no mundo hoje”. Nas palavras de Fernandez, “é
preciso empoderar os cidadãos e facilitar que eles adquiram as
competências básicas para que possam ter acesso, que possam compreender,
analisar, avaliar e produzir conteúdo, e para distinguir entre notícias
reais e notícias falsas. A democracia sairá reforçada de todo esse
processo, ao construir uma cidadania informada, que possa tomar decisões
livremente”.
A questão vai muito além de mudanças jurídicas ou
propostas criminalizadoras. A abordagem policialesca sendo construída no
Brasil mostra-se claramente limitada. O que faremos agora com o
problema da desinformação traz grandes questões normativas sobre nossas
crenças na democracia e na responsabilização coletiva por processos
eleitorais mais éticos e transparentes.
Fonte Outras Palavras