sábado, 17 de março de 2018

AOS TRABALHADORES


Entender a política não é apenas um direito, e, sim, um dever de todos trabalhadores que preservam a esperança de que ainda é possível, pelas vias institucionais que o sistema permite, reverter esta onda de retrocessos avassaladora que vem sendo esparramada diariamente pelos golpistas que assaltaram o poder. 





Por Antonio Cavalcante Filho 


Nesse início de século, vivemos em nosso país um dos momentos mais tenebrosos dos últimos 100 anos. Com tamanha decadência de valores humanísticos, de justiça social e ético, nunca ficou tão explícita a farsa da democracia burguesa, que muitos sociólogos e historiadores sérios já vinham denunciando há décadas.

O historiador Sergio Buarque de Holanda, lá pelos idos de 1930, dizia que, “a democracia foi sempre, no Brasil, um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la aos seus direitos e privilégios”.

Hoje, enquanto a grande maioria dos países busca a sua soberania com independência política e econômica, nessa pseuda-república, uma classe escravagista-cleptocratica, após assaltar o poder através de um golpe parlamentar-judiciário-midiático-empresarial-elitista, em pleno século XXI, submete novamente o nosso país aos interesses rentista-imperialista-colonialistas.

O Brasil é o nono país mais desigual do mundo. Aqui, os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95% da população. Isto faz com que os seis brasileiros mais ricos concentrem a mesma riqueza que os 100 milhões de brasileiros mais pobres.

Democracia não é tão somente “igualdade perante a lei”, é muito mais, é geração de emprego, distribuição de renda, oportunidade de educação e saúde pública de qualidade para todos. Democracia é o direito à moradia, ao lazer, à cultura e igualdade de bens materiais a todos os cidadãos. Estas conquistas jamais alcançaremos, enquanto as mesmas elites opulentas, antissociais e conservadoras, que sempre mandaram no Brasil, perpetuarem-se no poder.

Se a nossa renda média é de apenas R$ 1.268,00 mensais, se mais de 100 milhões de trabalhadores ganham até um salário mínimo e, entre esses, mais de 50 milhões vivem na linha da pobreza, e cerca de 16 milhões vegetam na penúria, como podemos afirmar ainda que somos uma nação democrática?

Democracia não é também apenas o “direito de votar”. Tanto é que, a representação política no Brasil não reflete em nada a realidade da maioria do povo brasileiro. Aqui, 51,48% da população é mulher, no entanto, apesar da grande maioria delas serem eleitas com o apoio dos seus maridos, dos seus pais ou dos seus irmãos, a sua representação é de apenas 9,9% na Câmara Federal. Já a população negra que atinge o percentual de 54%, no entanto, ocupa somente um quinto das cadeiras da Câmara.

E o que é ainda pior, se a bancada empresarial que representa o interesse dos 5% mais ricos têm 246 parlamentares, enquanto a bancada sindical que representa o interesse da maioria dos trabalhadores tem apenas 46 parlamentares, não é uma ilusão acreditar que vivemos numa democracia?

Lembremos que o judiciário (com letra minúscula mesmo), repetindo o que já havia feito em 1964, também chancelou o golpe de 2016 com a “preciosa” ajuda de seus “auxiliares” cristalizados nos promotores e na polícia (federal), dando grande contribuição para a destruição da indústria naval, da engenharia nacional, do petróleo, e agora ataca a indústria da alimentação. Tudo isso contribuiu, de maneira perversa, para a ampliação do número de pessoas desempregadas ou subempregadas. Outra face visível do golpe é o registro de 40% de brasileiros endividados, pagando juros exorbitantes ao sistema financeiro.

Mesmo já tendo uma tradição de golpes, desde a “Proclamação da República”, o Exército Brasileiro, em 1944, é mandado para a Europa “lutar contra o fascismo e defender a democracia”, pelo menos era isso o que a grande maioria das cerca de 25.834 pessoas arregimentadas para servir à Força Expedicionária Brasileira acreditavam.

No Brasil de 2018, o Exército está nas ruas. Desta vez, ao contrário de “defender a democracia” ou “lutar contra o fascismo”, sobre o pretexto de combater a bandidagem nas ruas do Rio de Janeiro, está, na realidade, defendendo os interesses do usurpador-lesa-pátria, Michel Temer, e de um conluio de bandidos e fascistas a serviço do golpe, cujo interesse maior é o de entregar o nosso subsolo, a água e as nossas empresas rentáveis para os conglomerados financeiros e produtivos internacionais. Nessa guerra suja, o jogo é bruto, onde vale a mentira, a traição, o roubo dos direitos dos trabalhadores e tudo mais.

Mas, se nós, os eternos explorados e excluídos, somos 95% da população, por que permitimos, durante tanto tempo, esta equação perversa, desumana e injusta, imposta por 5% dos habitantes do andar de cima contra os interesses da esmagadora maioria do povo brasileiro?

Um dos mais famosos gritos de protesto, e que nos apontam caminhos que devemos trilhar contra essa situação de incivilidade e maldade contra a classe trabalhadora, vêm de 1848, feito por Marx e Engels: "Trabalhadores do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões"!

Como continuamos alimentando a esperança de que é possível construir a verdadeira democracia, a democracia do povo, a democracia popular, com eleições livres, sem a contaminação do poder econômico, sem a intervenção de uma toga ou de uma baioneta, com a revogação de todos esses atrasos que nos remetem à Idade Média, impostas por uma elite predadora, a solução pode vir da organização e luta dos trabalhadores e trabalhadoras, aos quais eu me dirijo.

Se é verdade que queremos uma representação política, em todos os níveis e escalões da república, na justa proporção do conjunto de todos os segmentos sociais, a hora é de buscar a sua entidade sindical, sua associação representativa e conhecer sobre as candidaturas e as propostas que estão sendo colocadas nesse pleito de 2018. Se os explorados se omitem da política, os exploradores agradecem.

E não me venham com a velha cantilena de que sindicatos não podem se envolver em debates políticos, não podem apoiar candidatos de suas bases, comprometidos com suas reivindicações de classe, ou que a Lei 9.504/97, no artigo 24, inciso VI, veta a participação dessas entidades na atividade de campanha eleitoral. Esse discurso é hipócrita, mero palavreado astucioso para nos iludir, nos enganar e, assim, nos dividir para mais facilmente nos dominar.

As organizações representativas da “Casa Grande”, como a FIEMT, a FIESP e tantas outras, fazem isso todos os dias, não apenas para apoiar os seus candidatos, como também para derrubar, através de golpes, os eleitos que representam os interesses dos trabalhadores, como fizeram com João Goulart, em 1964, e Dilma Rousseff, em 2016. Quem financiou os coxinhas nazi-doidos para irem às ruas contra a democracia e defenderem intervenção militar não foram eles? Quem financia as campanhas eleitorais dos representantes da burguesia não são as suas empresas e suas entidades patronais?

Querer anular a organização sindical, como um espaço legítimo de lutas dos trabalhadores contra a exploração capitalista, é negar a luta de classes. Seria como um marxista negar a ideia de mais-valia, como um cristão não crer na ressurreição, ou um budista negar a reencarnação.

Dizer que a trincheira sindical não pode ser a barricada da resistência dos trabalhadores contra a opressão da burguesia, é como dizer aos professores e alunos que a escola não é um espaço de aprendizado, ou dizer aos religiosos que igreja não é um ambiente de oração. Seria como o dia negar a luz do sol, ou a noite não se reconhecer na escuridão.

Se a classe dominante insiste atacar os direitos dos trabalhadores e trair os interesses nacionais, a hora é de reagirmos. Vamos defender os nossos direitos e o nosso país, nas ruas, nos bares, nas escolas, nas igrejas, em nosso ambiente de trabalho e, em qualquer lugar, principalmente dentro das nossas organizações sindicais, nos clubes de mães, nos grêmios estudantis, nos movimentos populares, enfim, aonde o povo estiver!

Quem diz que sindicato não é lugar de debater política partidária e que lideranças sindicais não devem se candidatar a cargos de vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, senador, ou presidente da república, além de não saber o que se fala, está prestando um grande serviço às elites mais conservadoras, as mais retrógradas e corruptas do Brasil, pois é exatamente assim que elas querem que o povo continue pensando.

Um cidadão consciente não vota em quem atua frontalmente contra os trabalhadores, em quem renega direitos, quem apoia o golpismo, quem vende o seu país, quem viola a vida e fragiliza quem já é extremamente fraco. Este sentimento de solidariedade e compromissos com as causas dos oprimidos, dos explorados, é dentro do sindicato que devemos compartilhar, debater e encontrar solução.

Entender a política não é apenas um direito, e, sim, um dever de todos trabalhadores que preservam a esperança de que ainda é possível, pelas vias institucionais que o sistema permite, reverter esta onda de retrocessos avassaladora que vem sendo esparramada diariamente pelos golpistas que assaltaram o poder.

Para aqueles que ainda resistem em dar ao Golpe o sentido do que ele realmente é, a academia está provando que, de fato, o povo brasileiro foi enganado, e estudar o golpe virou disciplina em pelo menos 13 universidades brasileiras, entre elas a UFPR onde o Moro é professor. Só a ministra Cármem Lucia, alguns atores do sistema de justiça e os coxinhas midiotizados pela mídia corporativa burguesa insistem em não querer acreditar no óbvio.

Oxalá que todos os sindicatos pudessem também proporcionar aos seus filiados este curso que trata do golpe de 2016 e da democracia no Brasil.

Antonio Cavalcante Filho, o Ceará, é sindicalista e escreve neste espaço às sextas-feiras - E-mail: antoniocavalcantefilho@outlook.com