O voluntarismo da PGR só parece funcionar mesmo com as lideranças do PT.
De treze manifestações de Dodge envolvendo o partido, o arquivamento foi solicitado apenas uma única vez. Dodge já advogou a condenação de Gleisi Hoffmann (em processo no qual ela foi inocentada por unanimidade), recorreu da decisão do STF que permitiu que José Dirceu aguardasse seu julgamento em liberdade e reagiu várias vezes contra os recursos de Lula no STF e no STJ.
Desde a posse, a procuradora-geral pediu o arquivamento de mais
de quarenta inquéritos, a maioria envolvendo políticos do PSDB, PMDB e
da base aliada
Por Vilson Dias
O PT herdou dos tucanos uma Justiça enfraquecida. Órgãos
fiscalizadores sem autonomia, Polícia Federal falida e um
Procurador-Geral da República que ganhou a fama de “engavetador” por
barrar qualquer processo que envolvesse o governo.
Geraldo Brindeiro foi nomeado quatro vezes por FHC, contrariando o voto dos demais procuradores.
Porém, o governo Lula mudou esse sistema tucano. Quando Lula assumiu a
presidência, passou a vigorar um critério muito mais democrático: a
lista tríplice. Tanto ele quanto Dilma sempre nomearam o procurador mais
votado dentre os próprios procuradores.
Depois do golpe, a escolha do Procurador-Geral da República deixou de
obedecer a esse critério: Michel Temer ignorou o mais votado e optou
por nomear Dodge como substituta de Rodrigo Janot. Em meio ao escândalo
das delações de Joesley Batista, era esperada dela uma postura mais
“discreta” em relação ao governo.
Dois meses depois da posse, Dodge pediu o arquivamento 24 inquéritos
de uma só vez, a maioria envolvendo políticos do PSDB, PMDB e da base
aliada.
De la pra cá, mais de dez inquéritos envolvendo figurões do MDB foram
arquivados ou estão parados. A Procuradoria livrou Eliseu Padilha de
ser processado por crime ambiental, arquivou uma investigação contra
Romero Jucá parada há mais de 10 anos e outra contra o “angorá” Moreira
Franco.
Dodge também está segurando a denúncia contra Michel Temer no caso
dos portos. A pauta pareceu andar nos primeiros meses com delações e
pedidos contra aliados, mas estacionou depois que a PGR pediu, em
fevereiro, que a investigação fosse prorrogada por mais sessenta dias. E
anda sumida do noticiário desde então.
A balança da PGR também é mais leve com o PSDB. No caso mais recente,
Dodge ignorou a denúncia de irregularidades na chapa coligada a Geraldo
Alckmin.
Essa não é a primeira vez que o tucano é tratado com “republicanismo”
pela PGR. Em maio, o vice de Dodge na procuradoria pediu para que uma
investigação contra Alckmin – por suspeita de caixa 2 pago pela
Odebrecht – voltasse à Justiça Eleitoral, livrando-o da Lava Jato.
A PGR também arquivou denúncia contra Aloysio Nunes e livrou José
Serra duas vezes de ser investigado: por caixa dois e recebimento de
propina no Rodoanel. Também evitou que Beto Richa fosse investigado pelo
massacre contra os professores no Centro Cívico, em Curitiba (PR).
O único alvejado pela PGR foi Aécio Neves, embora a procuradoria não
tenha feito qualquer objeção à sua candidatura em MG. Já a candidatura
de Lula, o pedido de impugnação veio em tempo recorde.
O voluntarismo da PGR só parece funcionar mesmo com as lideranças do PT.
De treze manifestações de Dodge envolvendo o partido, o arquivamento
foi solicitado apenas uma única vez. Dodge já advogou a condenação de
Gleisi Hoffmann (em processo no qual ela foi inocentada por
unanimidade), recorreu da decisão do STF que permitiu que José Dirceu
aguardasse seu julgamento em liberdade e reagiu várias vezes contra os
recursos de Lula no STF e no STJ.
O caso do habeas corpus de Lula é o que melhor ilustra esse fenômeno.
Dodge pediu a aposentadoria compulsória do desembargador Rogério
Favreto do TRF-4 – que concedeu a liberdade a Lula no dia 8 de julho – ,
mas não apontou erros na conduta de Sérgio Moro, com o qual manobrou
para impedir o cumprimento da lei: em entrevista ao Estadão, o chefe da
PF revelou que ela ligou pessoalmente para coagir os agentes a não
libertarem Lula.
Por conta dessa atuação parcial escrachada, deputados do PT avaliam pedir o impeachment da procuradora.
“Para além de qualquer questão processual, esse episódio é a maior
prova da seletividade e parcialidade dessa senhora”, opina o deputado
Wadih Damous (PT-RJ).
Ele também chama atenção para o silêncio de Dodge sobre a
determinação da ONU para que Lula tenha todos os seus direitos como
candidato garantidos.
Histórica defesa dos tratados internacionais, ela não fez qualquer
comentário sobre o caso. “Mostra que ela põe a conveniência política
acima das convicções. Valem os acordos para qualquer caso, menos para
Lula”, completa.