A exploração política do episódio, diz o filósofo, tende a esvaziar a discussão de propostas e abre espaço para o candidato ampliar o eleitorado
Carta Capital
Por Sergio Lirio
Em março, quando a caravana de Lula
foi alvejada por tiros e uma parte dos brasileiros, entre eles Jair
Bolsonaro, aplaudiu o ataque, o filósofo Vladimir Safatle alertou em
entrevista a CartaCapital para a escalada de violência.
“Vivemos uma fase cada vez mais explícita de guerra civil. A sociedade
brasileira caminha para os extremos da radicalização política”.
A previsão se confirma com a agressão a Bolsonaro em Juiz de
Fora, Minas Gerais. Com quais consequências? A despolitização da
campanha eleitoral e o fim do debate das ideias, o que, segundo Safatle,
favorece a quem almeja colocar no Palácio do Planalto a junção de
extrema-direita com neoliberalismo.
CartaCapital: Quais as consequências político-eleitorais da agressão ao candidato Jair Bolsonaro?
Vladimir Safatle: Em hipótese alguma Bolsonaro
conseguiria vencer uma eleição. Seu teto eleitoral foi alcançado há
meses. Ele está faz tempo estacionado no mesmo patamar de intenções de
votos e representa um setor bastante minoritário da população. Por isso
não teme em flertar com a ditadura, com a aceitação do passado
autoritário, e cuja política econômica é simplesmente delirante, um neoliberalismo
puro e duro que em nenhum lugar foi aplicado da forma como os
assessores dele propõem. Nos locais onde foi em parte aplicado, os
resultados têm sido catastróficos.
Só mesmo com um fato novo uma candidatura como esta poderia conseguir
agregar eleitores para além do seu setor de representação social. É
óbvio que haverá uma instrumentalização política. E é óbvio que, de uma
maneira ou de outra, o episódio irá influenciar o processo
político-eleitoral. O que acontece no Brasil é significativo em relação
ao contexto mundial. O País tende a se tornar um laboratório de um
modelo de aplicação do neoliberalismo ainda não testado. Seria uma
junção da extrema-direita, com traços fascistas, e neoliberalismo. A
extrema-direita na Europa não é neoliberal. Ela é antiliberal. Por isso,
inventaram por lá uma outra configuração, como no caso da França, uma
tentativa de criar um neoliberalismo com “rosto humano”.
CC: O senhor acredita em uma escalada da violência na campanha?
VS: A campanha se demonstrava muito violenta desde o
início, desde os tiros disparados contra a caravana do Lula e das
declarações de estímulo aos ataques, inclusive do próprio Bolsonaro.
O candidato externou recentemente a ideia de “metralhar” os opositores,
os petistas. Um elemento como este só potencializa o fato, em relação
ao qual deveríamos estar cientes: a sociedade brasileira entrou em
conflito aberto. Não há mais condições para certos setores encontrarem
um campo político comum. Isso só vai ficar cada vez mais explícito.
CC: Ainda vê risco de as eleições não acontecerem?
VS: Sim, mantenho a minha avaliação de que não
teríamos eleições em 2018. Há várias formas de ela não acontecer. Não há
nenhuma condição, em uma situação normal, de que esta política
econômica implementada por Michel Temer e defendida por vários
candidatos, entre eles Bolsonaro, saia vencedora das urnas.
É uma pauta claramente rechaçada pela maioria da população. Por isso é
preciso criar situações artificiais, distorcendo o sentido da eleição,
para que essa pauta tenha alguma possibilidade de ser chancelada. Não
falo aqui da agressão a Bolsonaro, mas dos movimentos para barrar a
legitimidade da disputa. Quem fez o que fez nos últimos dois anos, quem
deu um golpe parlamentar, não tem disposição de aceitar um resultado
diferente daquele projetado. Não há possibilidade de um candidato com
uma pauta de esquerda, mesmo se vitoriosa nas urnas, assumir. Como vai
acontecer, quais os elementos serão mobilizados, é imprevisível. Essa
eleição está esvaziada desde o início.
CC: A esquerda tende a ser criminalizada depois do episódio?
VS: Essa será a retórica mobilizada daqui para
frente. Mesmo que o responsável pela agressão seja um indivíduo com
traços claramente esquizofrênicos, delirantes... Ele disse ter atacado a
“mando de Deus”. Pouco importa. A narrativa está criada. A esquerda, de
uma forma ou de outra, seria a responsável, embora seja muito bom
lembrar que ela tem sido a principal vítima durante todo esse processo e
nunca respondeu. Foi alvo de provocações do próprio Bolsonaro. Agiu de
forma contida. Mas nada disso vai ser levado em conta.
O jogo retórico para forçar ligações que não existem está em curso. É
o esperado. A esta altura, o Bolsonaro é o único candidato viável para a
direita. E vão tentar de tudo para que ele vença. A despolitização
completa da campanha é a última cartada. Ela precisa seguir por outro
lado, longe das discussões de propostas e ideias. E o episódio
infelizmente serve a este propósito.
Desde o retorno das eleições diretas, o consórcio que promoveu o
golpe de 1964 nunca havia conseguido comandar um processo eleitoral.
Esteve sempre à reboque, aliado a outros projetos. Com a falência da
Nova República, o esvaziamento da dicotomia PT-PSDB, esse
consórcio (militares, empresariado, setores conservadores da Igreja e da
mídia) enxergam a possibilidade de voltar ao poder sem intermediários.
Fonte Carta Capital
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