Sérgio Moro sempre foi um político disfarçado de juiz. Usou o poder judicial com propósitos políticos que incluíam a
construção de uma carreira fora da magistratura. O que faz dele mais
corrupto do que os homens que julgou. Porque não há corrupção mais
profunda do que a moral.
Por Daniel Oliveira
O juiz de Curitiba que concentrou nas suas mãos quase todas as fases
do processo contra Lula da Silva, foi, sem espanto de ninguém, convidado
para ser superministro do Presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro.
E, sem grande espanto também, aceitou. O magistrado concentrará as
pastas da segurança e da justiça, coisa muito pouco habitual em
democracias maduras. Coisa que o Brasil obviamente não é.
A aceitação deste convite levanta uma primeira inquietação que, não
sendo a mais relevante, nos leva para um debate que transcende o Brasil.
O governo de Jair Bolsonaro quer alargar de tal forma o conceito de
legítima defesa que liberalizará, na prática, a justiça pelas próprias
mãos. E quer proibir a investigação de agentes policiais que matem em
confronto, o que corresponde a uma ordem geral para matar.
A sua agenda em matéria de segurança é próxima da do Presidente filipino, ao estilo de Rodrigo Duterte.
O facto de um juiz se sentir confortável com esta agenda diz alguma
coisa sobre a sua desvinculação aos princípios fundamentais do Estado de
Direito, o que explica muito do que aconteceu no processo contra Lula.
Não está sozinho. Há cada vez mais juízes a acreditarem que o seu
papel é apenas combater o crime, não é aplicar a justiça. O primeiro
objetivo não esgota o segundo.
É bom recordar que Sérgio Moro não se limitou a julgar Lula da Silva.
Fez disso um espetáculo político, que foi gerindo em proveito próprio e
de terceiros.
Da divulgação para a imprensa, ilegal mas totalmente assumida, de
escutas de conversas entre Dilma e Lula, com o objetivo de dar força às
manifestações contra o governo do PT, a escutas aos advogados do
ex-Presidente, tudo foi permitido.
Quem se deu ao trabalho de acompanhar o julgamento de Lula sabe que o resultado final foi um aborto kafkiano.
Os objetivos políticos de Moro ficaram totalmente evidentes quando
agradeceu a manifestantes de direita pelo apoio que lhe davam nas ruas
ou quando fez um vídeo, na véspera das eleições, a falar de corrupção.
Só um cego não tinha ainda percebido que Moro tinha ambições
políticas. Muito mais grave foi a decisão de Sérgio Moro divulgar, há um
mês e em plena campanha, a delação premiada de António Palocci,
ex-ministro de Dilma afastado por corrupção.
É que segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o juiz já tinha sido
convidado, nessa altura, para este cargo. A decisão de divulgar a
delação na campanha foi, portanto, de um ato político de que Moro sabia
que iria beneficiar.
Podemos suspeitar que Moro esperava, com o seu comportamento nos
últimos anos, por um prémio político que agora lhe chega através de um
superministério que será a rampa de lançamento para vir a ser
Presidente, cargo que evidentemente ambiciona.
Mas não precisamos de fazer conjeturas. Podemos ficar pelo que é indiscutível.
Sérgio Moro não é um juiz que aceita um cargo político. Ele foi uma
peça fundamental num processo judicial que, pelos efeitos que teve no
sistema político, abriu espaço para o crescimento de uma candidatura com
a natureza de Jair Bolsonaro.
E foi o elemento central para impedir que o candidato mais forte concorresse às eleições.
Isto deveria chegar para o impedir, por um imperativo ético, de ir
para o governo do homem que mais beneficiou com o seu trabalho.
A aceitação do cargo revela uma total indiferença perante a
necessidade de preservar a imagem de independência da justiça face ao
poder político.
Sérgio Moro sempre foi um político disfarçado de juiz.
Representava um sector da magistratura de traços populistas que
premeditadamente procuraram criar um ambiente que, para além de afastar
uma pessoa da candidatura à presidência, favorecesse a ascensão ao poder
de um político de perfil autoritário e justicialista.
E que esperava ter, nesta nova era, um papel relevante.
Usou o poder judicial com propósitos políticos que incluíam a
construção de uma carreira fora da magistratura. O que faz dele mais
corrupto do que os homens que julgou. Porque não há corrupção mais
profunda do que a moral.