Para mim, essa classe defensora canina do capitalismo é minha inimiga pública, assim como o grande capital. Sinto que são poucas as pessoas que militam ao meu lado que, de fato, entendem o que é ter essa raiva correndo nas veias — e o quão é difícil não deixá-la se tornar veneno. É preciso ter paciência e continuar na luta.
João Elter Borges Miranda
Um vídeo de setembro do ano passado que mostra
um político qualquer chorando e enxugando as lágrimas numa bandeira
viralizou nas redes sociais recentemente.
Vi o vídeo e fiquei sem palavras. O papinho cheio
de groselha do moleque em questão já é conhecido, mas desta vez o cara
se superou. Cheguei a rir de nervoso. O que dizer desse sujeito? O vídeo
é evidência cabal de que o sujeitinho mimado, que parece se achar a
última bolacha do pacote, está se desenvolvendo: já era um debiloide que
desmaia pra fugir do debate, agora é ainda mais. Que apelo mais baixo
esse vídeo que esse filhote de fascista fez.
Lembrei da Dilma quando vi esse vídeo. Aquela
mulher passou por tantas adversidades em seu governo, foi vaiada em um
estádio de futebol, fizeram um adesivo extremamente abusivo simulando
estupro, enfim, passou por várias e não derramou uma lágrima. Aí vem o
floquinho de neve fazer biquinho de choro porque está sendo investigado
por casos de corrupção. Que vergonha!
O vídeo é, de longe, o retrato de um play boy. O
cidadão acha que o mundo é uma espécie de continuação de sua casa — onde
todo mundo teria que ser um papai ou uma mamãe complacente, que tudo
concede; foi ensinado a acreditar que merece, seja lá o que for que
queira. E quando não consegue o que quer, sente-se traído e revolta-se
com a “injustiça”.
O tipinho sempre teve tudo do bom e do melhor. O
ato falho ambulante se acha “machão”; bate em mulher, enquanto posta nas
redes sociais foto de armas enormes para compensar algo. É um cagueta
que mente até na vírgula e no pingo do i.
O lamentável é que esse papa nutella não está
sozinho. Mais do que um retrato de um play boy, o vídeo representa uma
forma de ser de quase toda uma classe social que, dentre outras coisas, é
profundamente contra as políticas que possibilitaram alguma ascensão
social e intelectual às classes mais desfavorecidas. Todas as medidas de
investimento nas camadas mais populares – como as cotas raciais e
sociais nas universidades e no serviço público, os programas de
transferência de renda, a extensão dos direitos trabalhistas as
trabalhadoras domésticas, a elevação constante do salário mínimo – são
vistas por essa gente como uma conta com a qual ela deverá arcar por
meio do aumento de impostos. Incomoda também porque fere os seus valores
da ideologia meritocrática, além de pôr em risco a reserva de mercado
que os seus filhos têm nas universidades, no setor público, dentre
outros espaços de privilégio.
Com essa gente não há diálogo. Quando dizem que a
serpente chocou, eles são o ovo. É inútil e masoquismo tentar
estabelecer diálogo com quem não tem abertura para ideias contrárias.
Percebi da pior forma que é um castigo de Sísifo tentar dialogar com
gente que vive voltado para o mar e de costas para o Brasil. Eu
apresentava os meus argumentos, escutava, mas, independentemente do
esforço dispendido, sempre acabavam rolando a pedra ladeira abaixo,
enquanto berram esbaforidos que o país antes caminhava pro socialismo
(oi?), porque vivíamos numa “ditadura de esquerda” (como?).
Convivi com essa gente durante alguns anos no
período em que estive em um cursinho caro da minha cidade. Estava lá por
conta da bolsa que ganhei, um descontão que permitia que um filho de
trabalhador estudasse ao lado do filho do prefeito.
Lembro bem que sempre que a professora de redação
perguntava quem era a favor das cotas, somente eu levantava a mão de uma
sala de duzentos floquinhos de neve. Essa mesma professora indicava
como leitura para atualidades a revista Veja.
Como não rolava estudar em casa, ficava o dia todo
no cursinho, estudando, com fome. Várias vezes encontrei uma senhora
responsável pela limpeza chorando num canto do cursinho por conta da
forma como era tratada pelos estudantes. É uma senhora negra, na época
com os seus sessenta anos, que pegava quatro ônibus para chegar até ali.
Sonhava com o dia em que a neta fosse pra faculdade.
É impressionante como são alienados aqueles meus
colegas papa nutella. Incrível como esse país é desigual. Depois da
aula, enquanto eu contava as moedas que tinha para comer no restaurante
popular, os meus colegas passavam do lado fazendo barulho com a bmw do
papai.
No período, também trabalhei de garçom em lugares
caros da cidade. Era uma correria louca. Tínhamos que montar todo o
local da festa, atender os convidados durante a festa e depois desmontar
tudo. Cheguei a trabalhar sem parar durante 32 horas para ganhar
cenzão. E ainda tínhamos que mediar os reclames da playboyzada. Lembro
dos convidados reclamando da falta de gelo no whisky, enquanto os meus
companheiros de trabalho cambaleavam de sono segurando a bandeja pesada
na alta madrugada. Certa vez uma senhora muito bem vestida me puxou pela
roupa e disse: “não volte mais aqui, filho da puta”. Ela ficou brava
porque me chamou mais de uma vez e não ouvi. Evitei a mesa dela com
prazer; serviço a menos, afinal. Anos depois vi ela, novamente, numa
foto. Estava de óculos escuros, camisa nova da cbf, marchando na
principal avenida da cidade.
Isso que compartilho não é nem metade da história.
Mas, tô ligado que o que vivi não é nada. Sei que existem pessoas que
sofrem muito mais, mas a humilhação que sofri e em alguma medida ainda
sofro é suficiente para eu entender, claramente, que o sujeitinho do
vídeo, enxugando lágrimas na bandeira, faz parte de uma classe de gente
que está acostumada com a opulência em que vivem nos condomínios
luxuosos. Para essa galera cínica, morango só é bom com a preta de lado. Caixas-de-pandora-ambulante, não entendem que o país é muito mais do que qualquer zona-sul. Ainda nos treinam pra ser os escravos da casa/Agradecidos por servir a lagosta defumada.
E essa lógica de condomínio cria envolta deles
fortalezas que não os deixam aceitar qualquer coisa que fuja de sua
cosmovisão formada pelas propagandas das marcas de grife e grande mídia.
Vivem envolta de cercas e grades combatendo tudo o que é diferente,
tudo o que não for espelho, como se fosse ameaça. Mandam para Cuba
qualquer um que não se faça de cego aos direitos humanos, aos direitos
das minorias, à universalidade e diversidade da vida. Vivem na escuridão
de sua própria ignorância e insignificância escondendo o vazio
existencial dentro da bolsa cara e abafando o cheiro de medo com perfume
francês.
O engraçado é que, de repente, essa gente
“acordou”. Afinal, por conta de algumas migalhas distribuídas, de
repente o sertanejo de “Os sertões” não mais passava fome. O negro de
“Casa-grande & senzala” estava na universidade. Os retirantes Manuel
e Rosa de “Deus e o diabo na terra do sol” e o ingênuo Fabiano de
“Vidas Secas” tinham casa própria financiada em décadas pela MRV e
empregos precarizados. Macabéa de “A hora da estrela” estava
“doutrinando” as crianças nas escolas com “mamadeira de piroca” e “kit
gay” em troca de um salário de fome.
Indignados com esses perigos, o povo da cbf pegaram
o carrão e a panela e foram pra avenida para salvar o país do primeiro
passinho da Justiça social. Entenderam que era hora de reviverem a
saudosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade! A marcha que, segundo
eles, “salvou” o país de uma “ditadura comunista” e nos garantiu 20
anos de “paz e prosperidade”. São cheios de força e pó contra o canhão
da corrupção, desde que não seja a dos políticos de estimação!
O sangue das pessoas que morrerão por causa do
atual governo está nas mãos dessa classe anestesiada com cocaína que só
quer saber de respostas simples para perguntas complexas.
Para mim é mais do que evidente que, na luta em
prol de um mundo mais justo, é uma grande perda de tempo contar com
esses reaças que sentem nojo de nós — os de baixo. Guardo e nutro uma
profunda raiva dessa classe que tanto me humilhou e continua humilhando a
mim e aos meus companheiros e companheiras. Para mim, essa classe
defensora canina do capitalismo é minha inimiga pública, assim como o
grande capital. Sinto que são poucas as pessoas que militam ao meu lado
que, de fato, entendem o que é ter essa raiva correndo nas veias — e o
quão é difícil não deixá-la se tornar veneno. É preciso ter paciência e
continuar na luta.
Pessoas como essas que descrevi acima são, a meu
ver, o “núcleo duro” do eleitorado do Bolsonaro. É a parcela de
eleitores profundamente ideologizada, de extrema-direita, muito
barulhenta, guiados pela “defesa da ordem” (baseada na tradição,
família, prosperidade e profundamente contra as conquistas das mulheres e
de minorias como LGBT+). Essa parcela, contudo, não é a maior.
O grosso dos eleitores do novo governo é composto
por trabalhadores que encontraram na figura do atual presidente um
caminho para escapar das contradições do sistema representativo; estão
revoltados com a captura da pólis promovida pelo capital e querem uma
saída rápida.
É gente que possui todas as razões para ter pressa,
vale apontar. Afinal, hoje as pessoas morrem mais do que antes, perdem
seus direitos mais do que antes. Nas periferias urbanas e rurais,
aqueles que matam estão matando mais; a escalada da violência é
gigantesca. Diante dessa progressiva deterioração da vida, desejam que
uma mudança profunda no sistema político-institucional ocorra.
Neste sentido, é preciso deixar claro que
precisamos trazer para o nosso lado esse conjunto da classe trabalhadora
que votou em Bolsonaro, esse conjunto que não é convicto em relação ao
apoio a esse fascista — e que aos poucos está deixando de apoiar o novo
governo.
Já com os filhos da casa grande não precisamos
contar não. E é bom que o chorão do vídeo saiba que está muito enganado
se acredita que as suas lágrimas de crocodilo enganam alguém. É bom que o
sujeitinho vá se acostumando com as pedradas, pois as investigações
parecem que estão só começando e a população, cada vez mais oprimida, já
deixou bem claro que não tolera corrupto, né? É bom que esse filho
adotivo espiritual de Caim, e sua classe merdosa de intrigas e
falsidades, acostume-se com a ideia: o “mito” vai cair!
* João Elter Borges Miranda é
professor de história formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
e trabalha na rede pública do Estado do Paraná. Email: recapiari636@gmail.com
Fonte Pragmatismo Político
Olhem a interpretação desse bolsomitinho filhinho do papai. Atolado em denúncias de lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos, ocultação de patrimônio, entre outras estripolias, Flávio ensaia um choro sentido e limpa a falta de vergonha na cara com a bandeira nacional.
TROFÉU ÓLEO DE PEROBA
Olhem a interpretação desse bolsomitinho filhinho do papai. Atolado em denúncias de lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos, ocultação de patrimônio, entre outras estripolias, Flávio ensaia um choro sentido e limpa a falta de vergonha na cara com a bandeira nacional.