Muito se debate se há ou não ameaça de fascismo no Brasil. As considerações de Gramsci, Brecht, Debord e outros autores sobre o conceito podem dar diretrizes ao debate
Por Iná Camargo Costa
I. Contribuições de Gramsci, Nelson Werneck Sodré e Umberto Eco (apud Espaço Literário Marcel Proust: http://proust.net.br/blog/?p=1451)
Segundo
Gramsci, o fascismo se caracteriza pela leviandade,
irresponsabilidade, desonestidade, ganância e vileza política.
A
primeira liberdade que o fascismo combate é a liberdade de
organização e dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais,
dos pobres; em seguida, ou concomitantemente, a liberdade de
expressão.
O
fascismo arrasta atrás de si um bando de inconscientes, aventureiros
e delinquentes.
Para
Nelson Werneck Sodré, eles são adeptos do capitalismo mais
agressivo, que se define pelo desprezo absoluto pelas leis escritas,
leis morais, pela pessoa humana e pelas conquistas da civilização e
da cultura.
Para
Umberto Eco, o fascismo sempre odeia a cultura. A suspeita em relação
ao mundo cultural sempre foi um sintoma do fascismo.
Integram
a essência do fascismo a xenofobia, a misoginia, a homofobia e as
piores demonstrações de racismo.
II.
BRECHT e a luta contra o fascismo. Excertos e sugestões (in
KUHN, Tom & GILES, Steve, eds. Brecht
on Art & Politics.
London: Bloomsbury Methuen Drama, 2015)
1)
Quando se fala o tempo todo que alguém sem conhecimento nem educação
é melhor que alguém bem informado, é preciso perguntar: melhor
para quem?
2)
É preciso coragem para dizer que os bons foram derrotados porque
eram fracos e não porque eram bons.
3)
A ambiguidade caracteriza o falso. A verdade que se opõe à mentira
tem que ser prática, factual, inegável e ir ao coração da
matéria. A verdade tem que tornar as pessoas capazes de influir
sobre os acontecimentos.
4)
O fascismo é forma mais crua, mais descarada, mais opressiva e
fraudulenta do capitalismo.
Não se pode levar a sério quem denuncia as brutalidades do fascismo
mas não combate o capitalismo. Estes não são são contra as
relações de produção que produzem a barbárie, apenas são contra
a barbárie.
5)
Fascismo não é uma catástrofe natural. É preciso tratar de
verdades práticas, produzir conhecimento sobre como evitar
uma catástrofe (inclusive a natural) e mostrar que se pode resistir
mesmo nas condições mais terríveis.
6)
É preciso escrever a verdade e dirigi-la a quem é capaz de fazer
uso dela. A verdade é guerreira. Ela não luta só contra a
falsidade, mas também contra as pessoas que disseminam a falsidade.
7)
É preciso saber usar as palavras. Seguir o exemplo de Confúcio, que
em lugar de escrever “fulano foi morto”, escreveu “fulano foi
assassinado” e, em lugar de escrever “o tirano foi morto”,
escreveu “o tirano foi executado”. Outros mestres da tática de
Confúcio: Thomas More, Jonathan Swift, Voltaire, Lenin e Lucrécio.
É
preciso retirar o misticismo preguiçoso das palavras. Chamar as
coisas pelo seu verdadeiro nome.
8)
A propaganda a favor do pensamento é sempre útil para a causa dos
oprimidos. O pensamento é desqualificado em regimes que servem à
exploração. Tudo o que é útil aos oprimidos é desqualificado.
Sob governos fascistas, pensar é desqualificado como ordinário.
9)
Um modo de pensar que dá ênfase ao transitório é um bom meio de
encorajar os oprimidos. O pensamento deve dar destaque às
contradições e ao modo como elas se desenvolvem.
10)
Governos que não querem ver exposto o seu papel na produção da
miséria falam muito em destino.
11)
Sem identificar a verdade básica do nosso tempo, nenhuma verdade
importante pode ser encontrada. A grande verdade do nosso tempo é
que estamos mergulhados na barbárie porque as relações de produção
só podem se manter pela violência.
Temos
que dizer quais as medidas a tomar para acabar com as condições de
produção da barbárie. E dizê-lo aos que têm interesse em mudar
as relações de produção: os trabalhadores e os que podem se aliar
a eles porque também não são proprietários dos meios de produção,
mesmo que se beneficiem dos lucros.
A
verdade há de ser uma arma nas mãos certas e tem que ser divulgada
com astúcia para não cair em mãos inimigas.
Fascismo
é a ditadura terrorista e aberta dos elementos mais reacionários,
nacionalistas e imperialistas do capital
financeiro.
12)
Aos que dizem que o fascismo emergiu como falha da educação, é
preciso lembrar que os fascistas também acham que a educação foi
negligenciada. E eles acreditam em sua capacidade de influenciar
corações e mentes. Combinam a brutalidade das suas câmaras de
tortura com a brutalidade das escolas, jornais e demais espaços de
propaganda.
13)
O fascismo primeiro atacou os trabalhadores e suas organizações. Só
depois começou o ataque à cultura.
14)
É impossível combater o fascismo e preservar o capitalismo. Isto
significaria reconduzir o capitalismo a uma posição mais frágil
que ele já abandonou por considerá-la insustentável. Abandonou a
forma liberal-nervosa sujeita às “chantagens” do proletariado e
tenta enfrentar a sua crise na mais descarada e brutal forma de
Estado. Rapidamente toda a burguesia vai entender que o fascismo é a
melhor forma de Estado para o capitalismo da nossa época, assim como
o liberalismo foi na anterior.
15)
O mais perigoso, o único inimigo real do fascismo, como ele mesmo
sabe e declara aos quatro ventos, é o comunismo.
Agora a questão não é saber se o comunismo tem força para
enfrentar o fascismo, mas sim fortalecê-lo.
16)
A classe dominante é tão racional que só usa a razão em escala
estritamente necessária e liberta as bestas do irracionalismo de
modo racional e metódico.
17)
Para o capital, guerra é um negócio como outro qualquer, mesmo
quando é perdida.
18)
A socialdemocracia sacrifica a nação para salvar os negócios,
mesmo quando todo mundo sabe que, quando a nação é sacrificada, os
negócios também são. A socialdemocracia não tem visão de futuro
nas questões internas nem nas externas. Ela não divulga os ideais
socialistas e não implementa o programa socialista. Depois não
entende por que a pequena burguesia e o proletariado aderem ao
fascismo!
19)
Socialismo não é distribuição de mercadorias, mas distribuição
da produção. A produção tem que se expandir, ser planejada,
liberta da necessidade de extorquir mais-valia e produzir lucro. O
único adversário do programa fascista é o socialista. Mas a
socialdemocracia propaga o medo do comunismo e, com ele, o medo do
socialismo. Para combater o fascismo, os socialdemocratas precisam
fazer o exato oposto do que fazem.
20)
Nós, artistas de teatro, temos que convir que nos tempos que correm
continuar
vivo
já é uma arte. O teatro pode contribuir para a arte de continuar
vivo aprendendo com o inimigo: assim como o inimigo usa técnicas
teatrais com objetivos não artísticos, nós também não teremos
objetivos artísticos.
O
teatro pode apresentar aos espectadores a chave para examinar os
problemas sociais.
III.
Contribuição de Guy Débord
(A
sociedade do espetáculo)
Por
mais que seja adepto da mais conservadora ideologia burguesa, em si
mesmo o fascismo não é fundamentalmente ideológico. Ele é
arcaizante em seu recurso ao mito para organizar a comunidade
definida por pseudo-valores arcaicos. O fascismo é arcaísmo
tecnicamente equipado
e constitui um dos fatores do espetáculo moderno, a começar pelo
papel essencial que desempenha na destruição do movimento operário.