A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Painel com rosto de alguns dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar no Brasil.
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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério
Público Federal, lançou nesta terça-feira (26) nota pública em que se
posiciona acerca da recomendação feita pela Presidência da República ao
Ministério da Defesa para que seja comemorado o aniversário de 55 anos
do golpe de Estado de 1964 no Brasil, no próximo dia 31.
No documento, a PFDC destaca que o ato se reveste de enorme gravidade
constitucional, pois representa a defesa do desrespeito ao Estado
Democrático de Direito, já que celebra um golpe de Estado e um regime
ditatorial que resultou em violações sistemáticas aos direitos humanos,
além de crimes internacionais.
“O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de
revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da
ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das
forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como
o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso
XLIV, da Constituição de 1988”, destaca o texto.
O órgão do Ministério Público Federal destaca que o apoio de um
presidente da República ou altas autoridades a um golpe de Estado, na
atualidade, seria um crime de responsabilidade – previsto no artigo 85
da Constituição e na Lei 1.079/1950.
Por isso, tampouco se admite que possam esses agentes celebrar um
golpe anterior. Ademais, “as alegadas motivações do golpe – de acirrada
disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o
movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em
qualquer hipótese e contexto”.
Crimes contra a humanidade – De acordo com a
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, não bastasse a derrubada
inconstitucional, violenta e antidemocrática de um governo, o golpe de
Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a direitos
fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência
política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos
indígenas e camponeses.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que os órgãos de
repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de
dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que entre
30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Painel com
rosto de alguns dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar no
Brasil.
“Transcorridos 34 anos do fim da ditadura, diversas investigações e
pesquisas sobre o período foram realizadas. A mais importante de todas
foi a conduzida pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que funcionou
no período de 2012 a 2014. A CNV foi instituída por lei e seu relatório
representa a versão oficial do Estado brasileiro sobre os
acontecimentos. Juridicamente, nenhuma autoridade pública, sem
fundamentos sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões
da CNV, dado o seu caráter oficial”.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade confirmou que o
Estado ditatorial brasileiro praticou graves violações aos direitos
humanos que se qualificam como crimes contra a humanidade.
A igual conclusão chegou a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
ao julgar o caso Vladimir Herzog, em 2018. Também a Procuradoria Geral
da República assim entende, conforme manifestação na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental n° 320 e em outros procedimentos
em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Assassinatos e desaparecimentos – Em sua
manifestação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que
os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com
434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas.
Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e
torturadas.
“Esses crimes bárbaros – execução sumária, desaparecimento forçado de
pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais –
foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social.
Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas
sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares,
inclusive com a participação dos presidentes da República”.
A PFDC aponta que a gravidade desses fatos é de clareza solar e
ressalta que, se fossem cometidos atualmente, receberiam grave
reprimenda judicial, inclusive por parte do Tribunal Penal
Internacional, criado pelo Estatuto de Roma em 1998 e ratificado pelo
Brasil em 2002.
“Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional
e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa
iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e,
portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das
repercussões jurídicas. Aliás, utilizar a estrutura pública para
defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta
contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode
caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11
da Lei 8.429/1992”.
Íntegra da Nota Pública:
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