Sabemos que há um chamamento à burrice, à estupidez, à violência, à irracionalidade, ao fanatismo religioso e à estreiteza de pensamento por parte do atual governo. Mas, por outro lado, há sinais de exuberante resistência, movida pelo pensamento crítico, análise de conjuntura, articulação sociopolítica e criativas estratégias de lutas a sinalizarem vida inteligente e pulsante nesses tempos sombrios. Não nos calarão.
Doutor em Ciências Sociais, professor universitário
e membro da Comissão da Verdade de MG
Sou formado em filosofia e sociologia. E fico indignado com as declarações do trainee
de ditador e seu ministro da deseducação - que até agora não apresentou
sequer um projeto e/ou ação propositiva no MEC. Uma inoperância do
tamanho do conjunto do atual governo.
Fiquem sabendo os arautos de fake News que não se destroem cursos
universitários e/ou áreas de conhecimento por decreto. O artigo 207 da
Constituição Federal (que consagra a autonomia universitária) é claro:
“As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa
e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Mesmo sufocando a
área das ciências humanas com a restrição de verbas, esses cursos, por
demandarem pouco investimento continuarão a existir. Ademais, sempre
haverá estudantes altruístas e autônomos que não aceitam ser meros
apertadores de parafusos na engrenagem perversa do capitalismo que
precisa de robôs; não de seres pensantes.
A filosofia e a sociologia sempre foram um problema para as mentes
preguiçosas; para os ditadores que precisam mobilizar uma massa de
zumbis e têm medo da razão; para os capitalistas que querem meros
apertadores de parafusos e não pessoas que agem com autonomia; para
líderes religiosos charlatães e manipuladores que precisam de fanáticos,
penitentes de uma fé cega e serviçal, incapazes de enxergar as várias
facetas do controle religioso.
Nosso sistema educacional, desde a fajuta proclamação da república
bacharelesca, sempre foi marcado pelo positivismo alienante, incapaz de
formar cidadãos autônomos. Por isso, os fanáticos têm tanto ódio de
Paulo Freire. E a ditadura militar, através do acordo MEC-USAID, tentou
reprimir ao máximo um modelo de educação libertadora e emancipadora. E é
por isso, também, que nessa quadra histórica marcada pela assunção de
ignorantes e idiotas de todos os quilates e de todas as extirpes ao
poder, voltam-se os ataques contra tudo que é relacionado à educação,
arte, cultura, autonomia etc.
Como escreveu o filósofo e professor Maurício Abdalla, “a filosofia
tem sofrido golpes fatais. Querem-na fora das escolas e das
universidades, monopolizada por pseudofilosofias com agendas
fundamentalistas e de extrema direita, com reflexões rasas e associações
falsas de ideias”. Aliás, astrólogos travestidos de pseudofilósofos são
importantíssimos para ocupar o espaço diversionista das redes sociais e
mobilizar mentes e corações, dado que a televisão se torna um ópio
menos atrativo. É preciso de novos macacos de auditório para manter o
povo distraído e mobilizado com futilidades, enquanto os perversos tocam
um governo que só sabe destruir e é incapaz de construir, agregar, unir
e mobilizar positivamente.
Como revelou o jornalista Jamil Chade, no UOL, estudos apontam que
programas de ciências humanas são os mais procurados entre os
universitários dos países da OCDE, grupo das economias ricas e do qual o
Brasil quer fazer parte. Em média, um terço dos novos estudantes
universitários nos países dessa organização entram em programas de
ciências sociais (humanas), mais do que o dobro da proporção de novos
estudantes em engenharia, produção e construção. Num outro estudo
publicado pela OCDE, em novembro 2017, constata-se que os profissionais
das ciências sociais são fundamentais para a inovação nos processos
empresariais, na organização e estratégias de marketing. Citando ainda
dois outros estudos, a publicação aponta que são as pessoas formadas em
humanas que vão garantir o centro do trabalho inovador no setor de
negócios. De acordo com o levantamento, os estudantes de humanas
participam de uma "ampla gama de setores". A constatação: tais cursos
são "importantes para a inovação na economia". Portanto, o argumento
fajuto e mentiroso de Bolsonaro segundo o qual “a função do governo é
respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a
leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a
pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua
volta” não se sustenta; e só serve para enganar idiotas; ou seja, quem
odeia política e se sujeita a uma vida teleguiada pelas determinações
dos poderosos e seus prepostos.
Por fim, o conhecimento reflexivo das ciências humanas e sociais,
incluída a filosofia, é fundamental para o Estado nas ações de
formulação, monitoramento, aperfeiçoamento e avaliação de políticas
públicas, assim como para o desenvolvimento crítico das demais ciências.
Qualquer país que quer ser autônomo no concerto das nações privilegia
as áreas de conhecimento capazes de produzir reflexão crítica.
No momento atual - de inflexão e ataque ao estado social -, as
ciências sociais e a filosofia são fundamentais para o conhecimento
crítico e reflexivo. Porque uma nova ordem social ainda não nasceu e as
velhas estruturas decadentes urram para sobreviver. Observamos uma
transição mundial que demanda a reconstrução das sociedades, pautada no
paradigma da cidadania, legitimando a equidade, a justiça, a igualdade e
a autonomia. É nesse contexto socio-histórico que ciências sociais
assumem o desafio de mudar a lógica da construção e socialização do
conhecimento; a expandir a capacidade das pessoas de “aprender a
aprender”; de governar e controlar o Estado e o mercado. Afinal, na
reconstrução de uma sociedade cidadã, as Ciências Humanas e Sociais,
garantindo o legítimo e necessário espaço de articulação entre todas as
ciências, possibilitam a formação de profissionais comprometidos com a
coletividade e com uma nova ordem social que globalize, para além do bem
econômico, a solidariedade e o acesso a serviços e políticas que
desloquem a centralidade do capital, do mercado e do individualismo para
a centralidade ética da vida humana, onde haja espaço de vida e de
realização dignos para todos. Por isso, as ciências sociais e humanas
são o “bicho-papão” dos que odeiam ideias como igualdade, justiça,
autonomia, criatividade, estética, bondade,beleza etc.
Sabemos que há um chamamento à burrice, à estupidez, à violência, à
irracionalidade, ao fanatismo religioso e à estreiteza de pensamento por
parte do atual governo. Mas, por outro lado, há sinais de exuberante
resistência, movida pelo pensamento crítico, análise de conjuntura,
articulação sociopolítica e criativas estratégias de lutas a sinalizarem
vida inteligente e pulsante nesses tempos sombrios. Não nos calarão.
Fonte Brasil 247