O ódio do racista que se vê como fracasso social é um ódio de morte. Ele não compreende as razões de sua posição social e só tem ressentimento sem direção na alma e no coração. Ódio em estado puro que Bolsonaro expressa e exprime como ninguém. Bolsonaro é o líder da Ku Klux Klan e do "lixo branco" brasileiro. É isso que o define e o explica mais que qualquer outra coisa.
Por Jessé Souza, sociólogo, escritor
e autor de "A elite do atraso"
Não se entende o Brasil sem compreender a função do racismo "racial"
entre nós. Não existe preconceito mais importante entre nós, já que ele
tem o poder de definir e articular as relações entre todas as classes
sociais no nosso país. É este preconceito que comanda a continuidade da
escravidão com outros meios. Como esse mecanismo funciona na realidade
cotidiana? Minha tese é a de que a escravidão, tanto no seu sentido
econômico de exploração do trabalho alheio como no seu sentido moral e
político de produção de distinções sociais, se manteve "na prática"
inalterado desde a abolição da escravatura.
Fundamental para compreender este estado de coisas é a função que o
ex-escravo abandonado e humilhado vai ter na sociedade pós-escravocrata.
O ex-escravo é afastado do mercado de trabalho competitivo e passa a
desempenhar as mesmas funções humilhantes e indignas que exercia antes.
Seja tanto as funções de trabalho sujo, pesado e perigoso, para os
homens, quanto as funções domésticas do antigo "escravo doméstico", para
as mulheres, as quais reproduzem todas as vicissitudes da antiga
relação senhor/escravo. Faz parte do âmago desta relação não só a
exploração do trabalho vendido a preço vil, mas também a humilhação
cotidiana transformada em prazer sádico para o gozo frequente e para a
sensação de superioridade e a "distinção social" das classes média e
alta.
Mas isso tudo não é nem sequer o principal. Os negros na base da
pirâmide social brasileira sempre desempenharam uma função semelhante à
casta dos intocáveis na Índia. Como nota Max Weber no seu estudo
clássico sobre o hinduísmo, os intocáveis possuem a função de legitimar
toda a ordem social hindu na medida em que todas as outras castas, mesmo
as inferiores, são distinguidas positivamente em relação aos
intocáveis.
Como a "distinção social", ou seja, a sensação de se saber "superior"
a outros é tão importante na vida social quanto o dinheiro e a
necessidade econômica, isso significa que uma classe social na qual
todos podem pisar, humilhar, violar, agredir, e, no limite, assassinar
sem temer consequências satisfaz, a uma necessidade primitiva
fundamental a todas as classes acima dela. É óbvio que uma sociedade
deste tipo não é apenas desumana, desigual, primitiva e tosca, mas
também, na pior das hipóteses, burra, já que reproduzir a exclusão
social produz insegurança, pobreza e instabilidade social para todos.
Entretanto, este é o DNA da sociedade brasileira.
É importante notar que, paralelamente à condenação do negro à
exclusão, o país passa a implementar a política abertamente racista da
importação de imigrantes europeus brancos, na imensa maioria italianos,
precisamente como no caso da família do excelentíssimo presidente Jair
Bolsonaro. Uma parte considerável destes "neobrasileiros" ascende
rapidamente, alguns inclusive à elite de proprietários e de novos
industriais, mas boa parte irá constituir a classe média branca de
grandes cidades como São Paulo. Nas outras grandes cidades brasileiras,
como Rio de Janeiro e Recife, os portugueses exerceriam o mesmo papel do
italiano em São Paulo.
O imigrante branco, na maioria o italiano ou o português, irá
constituir no Brasil, ao mesmo tempo em aliança e a serviço da elite de
proprietários, uma espécie de "bolsão racista e classista" contra os
negros e pobres que constituem a maior parte do povo. Para a elite, isso
significa a oportunidade de criminalizar e estigmatizar a soberania
popular no nascedouro com a cumplicidade das classes médias e garantir
só para si o orçamento do Estado via juros escorchantes, "dívida
pública", sonegação de impostos e outros assaltos legalizados. Para as
outras classes, o preconceito universal contra o negro e ex-escravo
permite a construção de uma frente comum para a manutenção de uma
distinção social positiva contra os negros, o que eterniza o abandono, a
humilhação, e o genocídio desta raça/classe como política pública
informal.
Mais interessante ainda para nossos propósitos aqui é a função do
racismo contra o negro para os imigrantes que não lograram sucesso
econômico na nova terra. Muitos imigrantes não conseguiram ascender à
classe média verdadeira nem à elite. Boa parte vai constituir uma zona
cinza que inclui a classe trabalhadora precária e o que poderíamos
chamar de "baixa classe média". O cotidiano de muitos destes não difere
muito da vida do negro e do pobre brasileiro. Moram eventualmente no
mesmo bairro e passam privações materiais. É precisamente nesta faixa
social que o preconceito de raça é ainda mais importante. Afinal, a
única distinção que este pessoal tem na vida é a "brancura" da cor da
pele para exibir contra o negro.
Entrevistando pessoas desta classe social no interior de São Paulo
descendentes de italianos, como Bolsonaro, e alguns que inclusive moram
onde ele nasceu para meu livro "A classe média no espelho", notei um
racismo que não tem nada de cordial. Bolsonaro é filho da baixa classe
média de imigrantes para os quais a carreira no exército ou na polícia
era a promessa de ascensão segura ainda que limitada. Neste contexto,
não se casar com um negro ou com uma negra é a regra familiar mais
importante e mais rígida. Aqui, o preconceito puro, o orgulho da cor da
pele e da origem é a única distinção social positiva ao alcance. Se a
elite e a classe média exploram economicamente – além de humilhar – os
negros, aqui só se pode humilhar. Enfatizar uma distância social quase
inexistente do ponto de vista econômico exige um racismo "racial"
turbinado e levado às últimas consequências.
Este é também precisamente o caso do "lixo branco" norte-americano
que ajudou a eleger Trump, o objeto do desejo e de imitação de
Bolsonaro. Os brancos do Sul dos EUA, inferiores social e economicamente
aos brancos do Norte, são, por conta disso, como uma espécie de
"compensação" da riqueza inexistente, os racistas mais ferozes e
ativistas de uma "Ku Klux Klan" que assassinava e linchava negros
indiscriminadamente. Este é o caso de Bolsonaro e de seus seguidores no
Brasil. E o que é a "milícia" carioca, com a qual Bolsonaro e seus
filhos estão envolvidos até o pescoço, se não a Ku Klux Klan brasileira,
que existe para explorar e matar negros e pobres, os supostos
"bandidos" das favelas?
Embora a elite e a classe média real e canalha também tenham votado
nele, sua real base de apoio é o "lixo branco" brasileiro, próximo do
negro e por conta disso ávido por criminalizá-lo, estigmatizá-lo como
bandido e por assassiná-lo impunemente. A associação com a milícia, a
tara pelas armas e o discurso de ódio são para matar o preto e o pobre. O
que está por trás de Bolsonaro é racismo "racial" mais cruel e expresso
do modo mais aberto e canalha que se viu. O ódio à universidade pública
está também ligado ao fato desta, agora, ter sido "invadida" por negros
e pobres. Essa gente não estaria lá para estudar. Só poderia ser para
fazer balbúrdia. Urge cortar as verbas para isso.
A irracionalidade de Bolsonaro, sua loucura e sua idiotice são a
expressão perfeita do ódio racial brasileiro. O ódio que não se explica
racionalmente, nem apenas por motivos puramente econômicos. O ódio do
racista que se vê como fracasso social é um ódio de morte. Ele não
compreende as razões de sua posição social e só tem ressentimento sem
direção na alma e no coração. Ódio em estado puro que Bolsonaro expressa
e exprime como ninguém. Bolsonaro é o líder da Ku Klux Klan e do "lixo
branco" brasileiro. É isso que o define e o explica mais que qualquer
outra coisa.
Fonte Brasil 247
BALBÚRDIA É GOVERNO CORTAR VERBAS DA EDUCAÇÃO
É hora de reafirmarmos nossas conquistas. Por nenhum direito a menos, nossa escolha é a resistência! A União Nacional dos Estudantes (UNE) convoca um novo dia de protestos contra o desmonte do sistema público de educação. A data escolhida foi 30 de maio (quinta-feira). Em Cuiabá-MT, o ato público será às 14:00 horas - Paç Alencastro.