Não há razões econômicas que justifiquem a persistência do desmatamento na Amazônia. O crescimento econômico e o vigor da agropecuária, mesmo a da Amazônia, não dependem do desmatamento. A perda da floresta é uma ameaça à agropecuária em todo o País e à oferta dos serviços ecossistêmicos dos quais todos (dentro e fora do Brasil) dependem.
Outras Palavras
TÍTULO ORIGINAL:
Amazônia precisa de uma economia do conhecimento da natureza
> Este texto é composto da introdução e primeira parte de um estudo especial preparado pelo autor. Na próxima semana, as quatro próximas partes.
> A íntegra do estudo (34p, em pdf) pode ser baixada aqui, e estará disponível, em livro (Abong | Editora Terceira Via), em poucos dias.
Estudo especial de Ricardo Abramovay
1. A redução do desmatamento no Brasil entre 2004 e 2012 é
considerada pelo IPCC como a maior contribuição oferecida por um país no
combate às mudanças climáticas. O desmatamento chegou a 27,7 mil
quilômetros quadrados em 2004 e caiu para 4,4 mil quilômetros quadrados
apenas oito anos depois.
Tanto a redução do desmatamento (revertida a partir de 2012, como
mostra o parágrafo 12, abaixo) como a existência de várias modalidades
de áreas protegidas (reservas extrativistas, parques, territórios
indígenas, florestas nacionais, entre outros) em quase 50% da Amazônia
brasileira são conquistas democráticas reconhecidas internacionalmente
como contribuição global do País para o desenvolvimento sustentável. Entre 2003 e 2009 o Brasil respondeu por 75% da ampliação das áreas protegidas no mundo.
2.
Esta redução tão grande poderia conduzir à conclusão de que o
problema do desmatamento na Amazônia está resolvido e que as
derrubadas atuais são apenas remanescentes, dispersas, pouco
expressivas e necessárias ao próprio crescimento econômico
regional. Afinal, vivem na Amazônia 25 milhões de pessoas e sua
taxa de crescimento demográfico é bem superior à do País como um
todo, como se vê pelo Gráfico I.
3. Este estudo apresenta evidências empíricas que contradizem esta
conclusão. Ele procura mostrar que o padrão de crescimento da Amazônia
nas últimas décadas desestimulou o fortalecimento da economia regional,
não elevou o padrão de vida da população e trouxe danos ambientais que
comprometem a própria produção agropecuária. Ao revelar que, em 98,5%
dos municípios da Amazônia, as condições de vida são piores que as de
outras regiões do Brasil, o Índice de Progresso Social
explica: o desempenho da região “está associado a um modelo de
desenvolvimento fortemente marcado pelo desmatamento, uso extensivo dos
recursos naturais e conflitos sociais”. A conclusão do IPS desmente a
ideia de que aumentar as superfícies que permitem a conversão da
floresta para atividades agropecuárias, madeireiras ou de mineração seja
um caminho socialmente desejável para melhorar as condições de vida dos
que vivem na Amazônia. Ao contrário, as práticas predatórias inibem a
emergência de uma economia do conhecimento da natureza e estimulam a
permanência do que hoje pode ser chamado de economia da destruição da
natureza.
4. Além disso, a ampliação das áreas protegidas não foi acompanhada
de políticas públicas que garantissem sua integridade e, portanto, os
serviços ecossistêmicos que justificam sua proteção. Grilagem,
atividades econômicas ilegais (sobretudo exploração madeireira e
minérios) e agressões aos povos tradicionais que habitam nestes
territórios continuam ocorrendo, como será visto mais abaixo. Projetos
de lei voltados a reduzir ou a mudar a natureza das áreas protegidas
(muitas vezes com o beneplácito do poder executivo) sinalizam aos atores
locais que as atividades ilegais podem ser compensadoras. Ao final de
2017, havia no Congresso Nacional 33 proposições anti-indígena, das
quais 17 procuram alterar os processos de demarcação de Terras
Indígenas, como mostra trabalho do Conselho Indigenista Missionário [1].
Desde o início dos anos 1990 mais de 45 mil quilômetros quadrados de
Unidades de Conservação (o que corresponde à área do Espírito Santo) já
foram perdidos. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
poderia ser o melhor sistema de gestão de áreas protegidas do mundo. No
entanto, em virtude das agressões que sofre, está longe de realizar este
potencial. Como será visto neste estudo, o abandono das áreas
protegidas é socialmente nefasto, compromete a posição do Brasil como
reconhecida potência ambiental, fomenta a violação do estado de direito,
sacrifica imenso patrimônio cultural e traz prejuízos econômicos nem de
longe compensados pela renda advinda da extração predatória dos
recursos destes territórios.
5.
Apesar de sua importância, as áreas protegidas não podem responder
sozinhas pela manutenção dos serviços ecossistêmicos oferecidos
pela floresta. Nas propriedades privadas, é fundamental que seja
respeitada a legislação referente às áreas de preservação
permanente e à reserva legal, o que não acontece hoje. Qualquer
sobrevoo do entorno da Terra Indígena do Xingu mostra as plantações
de soja chegando à beira dos rios, sem qualquer tipo de vegetação
arbustiva que os proteja. O Brasil, detentor da maior biodiversidade
do Planeta, não tem como garantir este ativo apenas por meio de
áreas protegidas, caso a preservação e a recuperação florestal
em superfícies privadas não sejam igualmente asseguradas.
6.
Este trabalho compõe-se de cinco tópicos. Inicialmente, ele mostra
que o crescimento econômico e o bem-estar das populações que vivem
na Amazônia não dependem do desmatamento. Ao contrário, ali onde
mais se desmata é onde menos a economia cresce e onde é maior a
distância entre os indicadores de desenvolvimento do País e os da
Amazônia. O segundo tópico mostra que os custos econômicos da
interrupção dos desmatamento seriam irrisórios. A seguir (tópico
três), o estudo volta-se à importância das Unidades de Conservação
e das populações que nela vivem, sob o ângulo não apenas dos
serviços ecossistêmicos que prestam, mas também dos potenciais
subaproveitados de geração de riqueza e bem-estar contidos nas
práticas econômicas dos povos tradicionais. Entretanto, como mostra
o tópico quatro, estas áreas encontram-se sob ameaça e esta ameaça
compromete não apenas o desenvolvimento econômico da região, mas o
próprio estado de direito. Por fim, tópico cinco, o trabalho expõe
as informações que desfazem o mito segundo o qual o Brasil é o
único país do mundo a proteger suas florestas. Ao contrário, a
proteção florestal, longe de ser uma idiossincrasia nacional é uma
tendência global que acompanha o próprio processo de
desenvolvimento e que o País tem condições de liderar
internacionalmente.
I. O desmatamento não é premissa para o crescimento da Amazônia
7. O crescimento da agricultura brasileira deixou de ser intensivo em
terra. Ele é, cada vez mais, intensivo em tecnologia. Entre 1991 a
2017, a produção de grãos e oleaginosas no Brasil subiu 312%, mas a área
plantada cresceu apenas 61%, como mostram as informações
do Observatório do Clima. A área plantada de soja na Amazônia Legal
passa de 1,14 milhão de hectares na safra 2006/07 a 4,5 milhões de
hectares em 2016/17. Isso corresponde a 13% da superfície que o Brasil dedica
ao produto. Os padrões produtivos da soja na região são também
intensivos em tecnologia. A conversão para a agricultura de áreas de
baixa produtividade de pastagens é um dos pilares do crescimento
agrícola na Amazônia: desde 2006, a área plantada com soja cresceu quase
quatro vezes na região, exatamente sobre superfícies anteriormente
voltadas a pastagens de baixo rendimento. O recém lançado relatório da Embrapa sobre o futuro da agricultura brasileira ressalta
o “desacoplamento entre produção agrícola total e mudança dos usos da
terra”. A destruição florestal não é, portanto, premissa para o aumento
da produção de soja.
8.
A cadeia de valor ligada à produção de soja na Amazônia está
engajada no compromisso de que os grandes traders globais não
comprem o produto vindo de áreas recentemente desmatadas. A
“moratória da soja” reúne atores diversos do setor privado e
associativo: ADM, Amaggi, Bunge e Cargill pelo setor privado.
Articulação soja Brasil, Conservação Internacional, Greenpeace,
IPAM, TNC e WWF Brasil, pelo setor associativo, além do Imazon, do
Imaflora e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém. A
moratória é o resultado do reconhecimento de que o desmatamento
envolve custos reputacionais que ameaçam as próprias exportações
brasileiras e não é uma necessidade para a expansão do papel do
Brasil nos mercados internacionais.
9. O protagonismo do setor privado no esforço de reduzir o desmatamento não é uma particularidade brasileira. Artigo publicado na Nature Climate Change
mostra que os compromissos de diferentes cadeias globais de valor para
reduzir o desmatamento no mundo chegam a 760 em março de 2017, com a
participação de 447 atores entre traders, indústrias, varejistas e
processadores. Da mesma forma em 2014, a Declaração de New York sobre
Florestas (NYDF, na sigla em inglês) preconizando redução pela metade
das atuais perdas florestais até 2020 e o desmatamento zero até 2030 (e
que o Brasil não assinou) teve como protagonistas 60 entidades
governamentais, 59 grupos privados e 73 organizações da sociedade civil.
10.
Embora isso mostre a importância da luta contra o desmatamento sob o
ângulo reputacional para as próprias empresas, para os produtores
agropecuários e para os países que os abrigam, o artigo da Nature
Climate Change também insiste na insuficiência destas
iniciativas e na urgência de um conjunto variado de medidas
governamentais criando uma infraestrutura de informação e de
capacidade de cumprimento das leis.
11. O desmatamento na Amazônia legal está diretamente associado à
desigualdade fundiária. Rafael Feltran-Barbieri e colaboradores mostram
que, entre 2000 e 2016, metade dos desmatamentos na Amazônia legal
ocorreu em 59 dos 772 municípios que compõem a região. Esses 59
municípios apresentam índice de Gini médio de 0,46 contra 0,47 dos
demais, não havendo diferença estatística no que concerne à desigualdade
de renda. Porém, a desigualdade fundiária medida pelo índice de Gini
fundiário, calculado sobre 17 classes de tamanho de estabelecimentos
rurais, é de 0,75 para os 59 maiores desmatadores e de 0,70 para os
demais (estatisticamente diferentes pelo teste das variâncias
p<0 .04="" 50="" a="" ainda="" amaz="" b="" da="" de="" desigualdade="" desmatadores.="" entre="" exacerbada="" fundi="" j="" legal="" maior="" munic="" nia="" os="" pios="" pr="" pria="" que="" renda="" ria="">0>
12. O gráfico II mostra que o significativo declínio do desmatamento
na Amazônia foi revertido a partir de 2012. Em 2015 e 2016, o
desmatamento aumentou 50% com relação a 2014. É verdade que, em 2017, o
desmatamento caiu 16% com relação a 2016. Mas, ainda assim, o Brasil
desmatou na Amazônia, só em 2017, nada menos que 6.624 quilômetros
quadrados, segundo dados
do Observatório do Clima. É importante lembrar que a lei brasileira de
clima determina que o desmatamento na Amazônia deve cair a 3.920
quilômetros até 2020.
Série
histórica do desmatamento na Amazônia
13. A recente elevação do desmatamento não preocupa apenas agências
governamentais e ativistas da sociedade civil, mas também um expressivo
conjunto de organizações empresariais. A Coalizão Brasil Clima Florestas
e Agricultura (da qual fazem parte importantes organizações e empresas
do agronegócio) cita estudos mostrando o aumento da destruição florestal
“dentro de Unidades de Conservação e em áreas públicas ainda não
destinadas a um uso específico e também em propriedades rurais inseridas
no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Mais da metade de toda área desmatada detectada pelo INPE está no CAR”.
14. A natureza predatória do desmatamento da Amazônia mostra-se
também no fato de que, com seus 750 mil km2 de área desmatada, a região
contribui com 14,5% do valor do produto agropecuário brasileiro. São
Paulo tem área agrícola de 193 mil km2 e entra com 11,3% da produção
nacional, como mostra
o trabalho de Carlos Nobre e colaboradores. Este dado mostra a urgência
e a possibilidade de promover o desacoplamento entre crescimento
econômico e desmatamento na Amazônia.
15.A área desmatada na Amazônia corresponde ao dobro da superfície do território da Alemanha. 65% desta área, como mostra trabalho
do IPAM, destinam-se a pastagens de baixíssima produtividade, com menos
de uma cabeça de gado por hectare. Entre 2007 e 2016 o desmatamento
médio de 7.410 km2 por ano teve como resultado o acréscimo de 0,013% ao
PIB brasileiro, segundo documento do Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero, apresentado à 23ª COP, em Bonn.
16. Em 2016, o Brasil foi o sétimo emissor mundial de gases de efeito
estufa (2.278 bilhões de toneladas). Deste total, nada menos que 51%
foram causados por desmatamento, como mostram as informações
do Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero. Outros 22% de nossas
emissões originam-se na agropecuária, pelo consumo de fertilizantes e
metano do rebanho, segundo dados do Observatório do Clima. Se, no caso
das emissões da agropecuária há desafios tecnológicos notáveis para
reduzir as emissões, isso não pode ser afirmado com relação ao
desmatamento que resulta da tolerância institucionalizada com práticas
ilegais, cuja utilidade social e econômica é praticamente nula e que
compromete o futuro do Brasil não só enquanto potência ambiental, mas
como território onde povos tradicionais, permanentemente agredidos pela
ameaça a suas terras, guardam e valorizam um patrimônio cultural
extraordinário.
17.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO/ONU) compara as emissões líquidas de gases de
efeito estufa vindas da agropecuária e da mudança na cobertura
florestal em vários países (tabela 1). O resultado é que, no
Brasil, em 2015, enquanto as mudanças no uso e cobertura da terra
(emissões da agricultura – captura na agricultura + desmatamento –
captura do reflorestamento) apresentavam emissões líquidas da ordem
de 309 milhões de toneladas de CO², outros países já estavam
capturando mais que emitindo gases de efeito estufa. A China teve um
sequestro líquido de 314 milhões de toneladas e a União Europeia,
428 milhões. Assim, embora a agricultura em todos os países
continue emitindo mais do que sequestra, na União Europeia, na
China, nos Estados Unidos, na Austrália e mesmo no Uruguai o
sequestro líquido oriundo das florestas compensa em muito as
emissões líquidas provenientes da agropecuária, enquanto no Brasil
ocorre exatamente o contrário, com as emissões florestais se
somando às agropecuárias, fazendo com que o total emitido seja o
segundo mais elevado do mundo, perdendo apenas para a Indonésia onde
a agricultura se desenvolve às custas da queima de florestas sobre
solos turfosos.
18. 20% do território da Amazônia já foram desmatados. Em 1960, como mostra Adalberto Veríssimo, do Imazon, este total era de apenas
um por cento. O ponto de virada a partir do qual a floresta pode passar
por severo processo de desertificação (comprometendo a capacidade
produtiva da região e os serviços ecossistêmicos prestados pela
floresta, a começar pela oferta de água) é habitualmente estimado em
40%. No entanto, o trabalho recente de Thomas Lovejoy e Carlos Nobre, publicado na prestigiosa Science Advances
mostra que se aos impactos do corte raso da floresta forem
acrescentados os efeitos tanto das mudanças climáticas como das
atividades madeireiras que fragilizam a resiliência dos ecossistemas
florestais, o ponto de virada em direção à “savanização” e à possível
desertificação das áreas atingidas pode estar na faixa próxima ao que já
foi desmatado até hoje. O trabalho de Nepstad e colaborares, publicado na Nature
faz análise minuciosa destas outras fontes de fragilização dos
ambientes florestais e que corroboram o ponto de vista de Lovejoy e
Nobre: o ponto de virada a partir do qual o risco de desertificação da
Amazônia aumenta drasticamente parece mais próximo do que se estimava
habitualmente.
19.
Este processo de savanização e a possível desertificação dele
decorrente não é grave apenas para a Amazônia. A evapotranspiração
da Amazônia é fundamental para as chuvas que asseguram a
viabilidade da agricultura no Centro-Sul do Brasil e em outras
regiões do Sul do Continente latino-americano. Os reservatórios que
abastecem as grandes regiões metropolitanas do Sul do continente são
também tributários do ciclo hidrológico que tem seu epicentro na
floresta. O desmatamento prejudica este ciclo e pode trazer
consequências catastróficas tanto para a agropecuária como para o
abastecimento de água. As secas de 2005, 2010 e 2015-16 devem ser
consideradas, como mostram Lovejoy e Nobre, expressões de que a
virada ecológica da Amazônia está mais próxima do que se pensava
há alguns anos.
20. Um dos mais danosos efeitos das mudanças climáticas é o de
ampliar a suscetibilidade a incêndio das florestas tropicais. O aumento
em 36% dos incêndios na Amazônia em 2015 (relativamente à média dos 12
anos anteriores) é atribuído, por um estudo de pesquisadores do INPE publicado na Nature Communications,
às mudanças climáticas. 2017 foi o ano recorde de queimadas no País,
desde que as medições começaram. Ao todo, foram 275.120 incêndios
registrados, dos quais 132 mil na Amazônia. Só no Pará as queimadas aumentaram
200% em 2017, relativamente ao ano anterior. Persistir no nível de
desmatamento atual é abrir caminho para que a floresta tropical se
converta de sorvedouro em emissora de gases de efeito estufa: “o risco é
que, com temperaturas mais altas e secas de maior duração, a respiração
das plantas possa exceder as taxas fotossintéticas, fazendo das
florestas tropicais uma fonte de emissões de gases de efeito estufa…”
21.As
florestas tropicais são portadoras de uma biodiversidade e
desempenham funções ecossistêmicas referentes ao ciclo da água e
ao armazenamento do carbono que torna sua destruição uma ameaça
tanto aos povos que delas dependem diretamente como ao conjunto da
espécie humana. As florestas tropicais correspondem a ambientes
muito mais frágeis e suscetíveis que os característicos das de
clima temperado. Contrariamente ao que ocorre nas áreas temperadas,
a destruição florestal nos trópicos tem maiores chances de
resultar em desertificação. No livro clássico de 1952, em que,
pela primeira vez o termo foi empregado, The Tropical Rainforest,
P. W. Richards mostra que as florestas temperadas têm maior
capacidade regenerativa, quando suprimida sua vegetação, que as
tropicais.
22. Esta é uma das razões pelas quais é fundamental proteger uma área
de 70 milhões de hectares (mais que toda a superfície do Sul do Brasil)
coberta por florestas na Amazônia e que se encontra atualmente à mercê
de grileiros e desmatadores ilegais, como mostram Claudia Azevedo-Ramos
do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA) e Paulo Moutinho do
IPAM em artigo publicado
em prestigiosa revista científica. Estes 70 milhões de hectares (o
dobro da superfície da Alemanha), mostram os pesquisadores, estocam 25
bilhões de toneladas de gás carbônico, o que corresponde à soma das
emissões brasileiras por catorze anos. A proteção destas áreas é
urgente: exatamente por não estarem legalmente delimitadas, elas são
objeto da ação de grileiros e desmatadores. Nada menos que 25% do
desmatamento registrado na Amazônia entre 2010 e 2015 ocorreu nestas
áreas públicas desprotegidas. O estudo mostra também que, tendo em vista
as áreas já desmatadas e subutilizadas na Amazônia, não faz sentido
econômico que estas áreas sejam destinadas a atividades agropecuárias
convencionais e propõe que sua proteção se apoie em mecanismos que
estimulem o uso sustentável da floresta.
23. O Atlas da Agropecuária Brasileira,
realizado pelo Imaflora em parceria com o Geolab da Esalq-USP e com
apoio da Fapesp corrobora as informações de Cláudia Azevedo-Ramos e
Paulo Moutinho e amplia a análise sobre os estoques de carbono contidos
nas florestas para as propriedades privadas. Apesar da importância das
áreas protegidas (e cuja integridade encontra-se sob a ameaça da
exploração ilegal de madeira, do garimpo clandestino e da grilagem, como
será visto na parte quatro deste estudo) é preciso atentar ao fato de
que um quarto do estoque de carbono das florestas estão sem qualquer
proteção e sujeitos ao desmatamento. 7 mil grandes imóveis na Amazônia
acumulam 15% do carbono desprotegido do Brasil, enquanto outros 110 mil
pequenos imóveis detêm outros 10%. Os riscos são ainda maiores no
Cerrado, onde 30 mil imóveis acumulam 25% do carbono nacional
desprotegido, conforme artigo publicado na prestigiosa Global Change Biology.
24.
A redução do desmatamento não conduz à redução da produção. O
gráfico abaixo mostra que o PIB agropecuário da Amazônia cresceu
mesmo com o desmatamento em queda.
25. Só no Estado do Mato Grosso o desmatamento caiu de um total de
6.800 km2 (média do período entre 1990 e 2006) para 1.650 km2 (entre
2007 e 2012), enquanto a produção tanto de soja como de carne aumentava,
como mostra a figura 4, logo abaixo.
26. Mas persistir no desmatamento pode comprometer o desempenho da
própria agricultura. No ano 2000, as florestas do Mato Grosso
contribuíam com 50 quilômetros cúbicos anuais para a evapotranspiração
no Estado. Ao fim desta década em 2009, o desmatamento tinha feito cair
este montante em torno de um quilômetro cúbico por ano. Em 2009 a
evapotranspiração atingia apenas 40 km³. Os prejuízos desta redução na
capacidade de captar e bombear água para a atmosfera são, evidentemente,
imensos, como mostra o trabalho
de Lathuillère e seus colaborado-res — com destaque para as mudanças no
regime de chuvas, prolongando estiagens e aumentando a severidade dos
temporais.
27. A conversão de imensas superfícies do Cerrado (parte do qual
encontra-se na Amazônia) em área agrícola também está comprometendo o
ciclo da água. Entre 2003 e 2013, a área de cultivos agrícolas no
Cerrado passou de 1,2 milhão a 2,5 milhões de hectares. 74% das novas
áreas de cultura vieram de vegetação previamente intacta. Isso reduziu o
montante de água reciclada para a atmosfera via evapotranspiração. Só
em 2013 as áreas de cultura agrícola reciclaram catorze quilômetros
cúbicos a menos do que se estas áreas não tivessem sido desmatadas, como
mostra o artigo de Spera e colaboradores na Global Change Biology.
28. O relatório
da Embrapa “Visão 2030: O Futuro da Agricultura Brasileira” mostra que
as mudanças climáticas devem provocar perdas para a agricultura de US$
7,4 bilhões em 2020 e US$ 14 bilhões em 2070. A soja seria a principal
perdedora, mas produtos como café, milho, arroz feijão, algodão e
girassol também devem ser afetados.
29. O caráter predatório do desmatamento se exprime antes de tudo em
seus resultados: áreas pouco propícias para a agricultura e a pecuária
gerando baixa produtividade. Nada menos que 70% do que foi desmatado
na Amazônia está ocioso, segundo Adalberto Veríssimo, pesquisador
Sênior do Imazon. O Brasil já possui 240 milhões de hectares (cerca de
um terço de seu território, incluindo a Amazônia) de áreas abertas para
agricultura, pastagem e florestas plantadas.
30. Mesmo nas áreas que podem ser legalmente desmatadas (ou seja as
áreas privadas que não são reserva legal nem áreas de proteção
permanente) na Amazônia, apenas 27% apresentam potencial agronômico que
justifica seu aproveitamento, conforme mostra estudo do Instituto
Escolhas. No Cerrado, apenas 13% das áreas passíveis de serem legalmente
desmatadas têm potencial
para uma agricultura produtiva. Estes números são fundamentais, pois
significam que a melhor destinação para as superfícies pouco propícias a
uma agricultura de alta produtividade é a regeneração florestal e a
prestação dos serviços ecossistêmicos a ela associados. No Cerrado, a
área ocupada atualmente por pastagens improdutivas já é suficiente para
atender às demandas globais e domésticas por carne e grãos até 2040, sem
a necessidade de novas conversões de áreas naturais, como mostra artigo
de Bernardo Strassburg e colegas, publicado na Nature Ecology and Evolution.
31. Em suma, não há razões econômicas que justifiquem a persistência
do desmatamento na Amazônia. O crescimento econômico e o vigor da
agropecuária, mesmo a da Amazônia, não dependem do desmatamento. A perda
da floresta é uma ameaça à agropecuária em todo o País e à oferta dos
serviços ecossistêmicos dos quais todos (dentro e fora do Brasil)
dependem. O próximo item examina quais seriam as perdas decorrentes da
interrupção imediata do desmatamento. Não se trata, é importante
assinalar, de examinar as políticas necessárias a tal finalidade,
objetivo que não faz parte do escopo deste estudo. Trata-se sim de
mostrar que as atividades econômicas prejudicadas pelo fim do
desmatamento são aquelas de mais baixa qualificação e conteúdo em
inteligência, informação e conhecimento.
[1] O trabalho do CIMI apresenta a lista completa destes projetos legislativos e seus autores
[2] Feltran-Barbieri, R. et al. Beyond the Amazon: agricultural expansion and deforestation in Brazil 2000-2016. Article submitted, under review process
Fonte: Outras Palavras
https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante