Autor de um artigo publicado em abril deste ano intitulado “Bolsonaro e os quartéis: a loucura com método”, Eduardo Costa Pinto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o Exército pavimentou a vitória de Bolsonaro com um “golpe branco”, ao emparedar o Supremo. E que o maestro do golpe foi Villas Bôas.
Na terça-feira anterior ao domingo da votação final na eleição de
2018, houve uma reunião no Tribunal Superior Eleitoral entre juízes da
corte e o general então à frente dos órgãos de inteligência do governo,
Sérgio Etchegoyen.
A presidente do TSE, Rosa Weber, ainda hoje no cargo, havia sido
xingada e ameaçada via redes sociais por um coronel bolsonarista,
Antonio Carlos Alves Correia.
Quando a reunião terminava, o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Dias Toffoli, também ainda hoje no cargo, avisou os presentes que
iria ao TSE e queria dizer uma coisas.
O que ele falou ali é relatado em um livro que acaba de ser lançado com histórias da mais alta corte, Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises.
“Toffoli descreveu um cenário sombrio”, escrevem os autores Felipe Recondo e Luiz Weber, ambos jornalistas.
“Lembrou que o então comandante do Exército, general (Eduardo) Villas
Bôas, tinha 300 mil homens armados que majoritariamente apoiavam a
candidatura de Jair Bolsonaro.”
O relato do livro é outro tijolinho em um enredo que um dia a
História com letra maiúscula contará sobre o Brasil e eleição de 2018.
Sobram pistas de que as Forças Armadas deram um “golpe branco”
pró-Bolsonaro, emparedaram o STF para impedir a soltura e a candidatura
de Lula, algo até hoje a desanimar muito lulista quanto à libertação
dele, e não aceitavam a volta do PT ao poder.
Em 9 de outubro de 2018, duas semanas antes de Toffoli falar no TSE
dos 300 mil soldados, que é a tropa brasileira da ativa, um dos chefes
da campanha de Fernando Haddad havia recebido um alerta.
Todos os cardeiais do QG eleitoral petista estavam monitorados pelos
órgãos de inteligência do governo, aqueles de Etchegoyen. Mais: Toffoli
também estava, até havia um dossiê contra ele.
Seria um dossiê abastecido com investigações ilegais da força-tarefa
da Operação Lava Jato reveladas recentemente pelo Intercept?
O alerta recebido pelos petistas foi relatado por CartaCapital na edição da revista que chegou três dias depois às bancas.
A reportagem contava ainda que naquele momento circulava no gabinete de Toffoli no STF uma história espantosa.
Quando Bolsonaro tomou uma facada, em 6 de setembro, altos oficiais haviam se rebelado e decidido ir às ruas.
A ameaça de golpe era real.
Como o então presidente Michel Temer não tinha autoridade moral para
enquadrá-los, sobrou para Toffoli, que assumiria o comando do STF uma
semana depois, descascar o abacaxi.
Toffoli assumiu o comando da corte em 13 de setembro, tendo nomeado
como assessor especial o número 2 do Exército na época, o general
Fernando de Azevedo e Silva, que chefiava o Estado Maior do Exército.
Era uma tentativa de ter um canal com o Exército. A indicação do
general tinha partido de Villas Bôas, que era o número 1 do Exército, o
chefe dos 300 mil bolsonaristas.
Azevedo e Silva é agora ministro da Defesa de Bolsonaro. Villas Bôas é
assessor especial do GSI, o órgão de inteligência do Palácio do
Planalto.
Autor de um artigo publicado em abril deste ano intitulado “Bolsonaro
e os quartéis: a loucura com método”, Eduardo Costa Pinto, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o Exército
pavimentou a vitória de Bolsonaro com um “golpe branco”, ao emparedar o
Supremo. E que o maestro do golpe foi Villas Bôas.
Costa Pinto observa que ao empossar Azevedo e Silva como ministro da
Defesa, Bolsonaro reconheceu enigmaticamente quem merecia: “Meu muito
obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre
nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”.
Ao deixar o comando do Exército para ser assessor especial da
Presidência, Villas Bôas, hoje uma pessoa doente dependente de cadeira
de rodas, disse publicamente ao presidente: “O senhor traz a necessária
renovação e a liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre
pensar”.
“O Villas Bôas deu um ultimato no Bolsonaro numa conversa: ‘Só temos você’”, disse a CartaCapital um general aposentado.
Tradução: só ele seria um candidato palatável para o que o Exército achava certo fazer no País.
Para Costa Pinto, as manifestações públicas do general quando chefe
do Exército, de 2015 a 2018, mostram que Villas Bôas impediu um “golpe
clássico”, uma quartelada, com sua pregação de legalidade, de resolução
eleitoral dos problemas do País.
Mas foi “o grande armador” do “golpe branco” que levou Bolsonaro ao poder, ao agir para alijar Lula do páreo.
Na véspera de o Supremo decidir sobre a soltura de Lula, em abril de 2018, Villas Bôas ameaçou o tribunal via Twitter.
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o
anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito
à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento
às suas missões institucionais.”
O general praticamente reconheceu a ameaça, em entrevista à Folha em novembro de 2018.
“Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no
limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu
não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis
identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais
enfática.”
Houve mais uma ação eleitoral digna de nota por parte Villas Boas.
Quando o comitê de Direitos Humanos da ONU defendeu a candidatura de
Lula, o general reagiu no Estadão: “Tentativa de invasão da soberania nacional”.
Cenas de um enredo à espera de entrar para os livros de História.
PS do Viomundo: O tweet do general Villas
Bôas foi lançado a tempo de ser lido no Jornal Nacional, como última
notícia, exatamente no tom que a emissora usava durante a ditadura
militar, quando “recados” eram transmitidos assim — muitas vezes
disfarçados de “entrevistas” com palavras duras de Antonio Carlos
Magalhães. O Brasil muda muito pouco…
Fonte Vi o Mundo