Aconteceu em Brasília seu 1º Encontro Nacional, que juntou forças à Marcha das Margaridas. Elas lutam por direitos e enfrentam machismo e ataques bolsonaristas. Das margens do país, desejam ocupar o centro do debate político
Outras Palavras
Por Inês Castilho
Vem
das mulheres das florestas e das matas um outro imaginário
político para o país. Outras imagens, outras prosas se fazem ouvir
no centro do poder, vindo ampliar
os
feminismos brasileiros.
Com
o
lema
Territórios:
Nosso Corpo e Nosso Espírito, cerca
de 2000
mulheres
indígenas, de 21
estados e mais de 100
etnias, viajaram desde as quatro direções do país para reunir-se,
em Brasília, no 1o
Encontro Nacional e
1a
Marcha das Mulheres Indígenas. Lá,
uniram suas vozes às
de quase 100 mil mulheres vindas
dos
campos
e quilombos na
6a
Marcha das Margaridas.
Esta é a sexta vez que as “margaridas” marcham – a primeira ao lado
das indígenas. Assim como as herdeiras de Marielle, elas nasceram das
sementes espalhadas em 12 de agosto de 1983 pelo corpo de Margarida
Maria Alves, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa
Grande (PB), assassinada a mando de latifundiários.
“O motivo de marchar juntas é porque a gente sabe que o inimigo é o
mesmo; a luta precisa ser conjunta porque, caso contrário, vamos ser
soterradas por esse inimigo, que é muito bem orquestrado. Tanto que
hoje, quando a gente pensa… O mesmo fazendeiro que mata os povos
indígenas em Minas Gerais é o mesmo dono de fazenda no Mato Grosso do
Sul. A gente percebe as artimanhas do poder e que a gente precisa estar
mais conectadas do que nunca; porque eles podem ter o poder da caneta,
mas não sabem fazer uma luta nas ruas e nem em retomadas de terra como
nós sabemos”, diz Célia Xakriabá, primeira indígena a cursar um doutorado na UFMG e uma das organizadoras da Marcha.
“Em tempo de doença, seremos revolução”
Vivem no Brasil cerca de 445 mil mulheres indígenas, de 305 etnias, segundo dados do IBGE de 2010.
Contudo,
a sociedade “desconhece a nossa presença”, observa Célia
Xakriabá. “A nossa
identidade, essa nossa conexão com a ancestralidade, e essa nossa
capacidade de multiplicar a nossa presença é o que nos faz
diferentes. Duas mil mulheres indígenas parecem poucas para uma
marcha, de forma geral, dentro do movimento. Mas não somos apenas
duas mil. Somos mais de 10 mil. Porque nós nos multiplicamos com as
nossas forças ancestrais ― dizer isso é afirmar que a minha luta
fortalece a da outra e de todas que virão.”
A 1ª Marcha das Mulheres
Indígenas demanda direito ao território, a políticas
governamentais, saúde reprodutiva, educação, segurança e
sustentabilidade ― além de tratar da violência de gênero,
machismo e homofobia. A guerreira Brasilice Tembé, de 78 anos,
viajou 24 horas com uma comitiva do Maranhão. Quer o combate ao
desmatamento e à mineração ilegal.
Na manhã de segunda, 12, um grupo ocupou o prédio da Secretaria
Especial de Saúde Indígena (Sesai) em defesa do sistema de saúde
indígena e contra a proposta de municipalização da saúde. Em manifesto
divulgado após a ocupação, elas afirmam seu repúdio “aos propósitos do
Governo Bolsonaro de desmontar todas as instituições e políticas sociais
que nos dizem respeito, e neste momento, especialmente, a Política
Nacional de Atendimento à Saúde Indígena”.
“Repudiamos as tentativas
de mercantilização dos nossos conhecimentos e saberes tradicionais.
Somos contra toda e qualquer ameaça e negociação de todas as
formas de vida.”
De mulher para mulher
À
tarde, acompanhada pela
deputada federal Erika Kokay (PT-DF), uma
comissão alertou
a ministra do Supremo
Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia
para a urgência da demarcação e proteção das terras indígenas,
garantidas pela
Constituição Federal, e
posicionaram-se contra
o Marco Temporal, interpretação jurídica que
será julgada pela
corte e ameaça todas
as demarcações de terras feitas antes da constituição de 1988.
Na
terça, 13, participaram no plenário do Congresso Nacional da Sessão
Solene de abertura da
Marcha das Margaridas.
“Desde que Bolsonaro
disse que não haveria mais nenhum centímetro de terra demarcada
para os povos indígenas nós saímos em marcha porque, com essa
afirmação, ele declarou guerra não só com os povos indígenas mas
com as mulheres indígenas”, sustentou Sonia Guajajara,
coordenadora da Associação dos Povos Indígenas
(Apib), organizadora do
evento.
As denúncias de invasão de territórios indígenas têm sido recorrentes
desde o início de 2019. Só em janeiro, pelo menos seis territórios
sofreram invasões e ameaças de invasões de madeireiros no Maranhão, Mato Grosso, Pará e Rondônia. Em julho, os Waiãpi acusaram a invasão de suas Terras Indígenas no oeste do Amapá e o assassinato do cacique Emyra Waiãpi por garimpeiros. Os Yanomami denunciam ameaças de morte e invasão de 20 mil garimpeiros em seu território.
“Continuaremos
na luta sem medo, pois a força dos nossos ancestrais está
conosco, é por eles e pelas futuras gerações que continuamos na
linha de frente, na defesa dos nossos direitos”, afirmou
Sônia
Guajajara durante a marcha.
“Nós,
mulheres indígenas, somos jardim, somos raiz, somos tronco dessa
luta”, disse Cris Pankararu na sessão solene.
“Nossa expectativa é de que as mulheres busquem muito mais do que uma
única resposta: valorizem suas narrativas, suas histórias, suas
memórias, para que isso sirva de alimento”, diz Célia.
A mãe de todas as lutas
Muito tempo e trabalho foram empenhados pelas mulheres indígenas à sua organização, marcada pelos anos de luta das Munduruku contra a construção de hidrelétricas do Tapajós.
Em
plenária no 15o
Acampamento Terra Livre dos Povos Indígenas, a 25 de abril em
Brasília, elas deliberaram que a pauta prioritária é em defesa da
“mãe de todas as lutas”, o Território: nosso corpo, nosso
espírito.
Escreve então Djuena Tikuna:
“O movimento indígena, com
a sabedoria de suas lideranças e de seu povo guerreiro, segue suas
mobilizações em Brasília. Calando o urro desse governo, mostramos
nossa força, o canto dos encantados”
Mulheres indígenas de todo o país começaram a partir daí a mobilizar-se e a captar recursos, numa Vakinha com que é possível colaborar até o dia 20 de agosto.
Das
margens do país,
elas desejam
ocupar
também o
centro da cena e
do debate político.
“São os valores indígenas, como a escuta e a diplomacia, que conduzem meu trabalho como parlamentar”, diz Joêmia Wapichana, 1a indígena a se formar advogada e 1a deputada federal indígena eleita no país (Rede-RO), em 2018 – por duas vezes barrada na entrada do Congresso Nacional.
A abertura das manifestações das mulheres indígenas foi na
sexta-feira, dia 9, quando elas deixaram suas aldeias e partiram para a
capital, e continuam até hoje, 14.
Fonte Outras Palavras