Não foi apenas a maior manifestação já realizada contra a destruição do planeta. Foi um sinal claro de que aumenta a consciência sobre as causas do problema e de que o movimento pode tornar-se ator central na contestação do capitalismo
Por Antonio Martins
Se não é possível ocultar um protesto, tente esvaziá-lo de sentido. A
Greve Global pelo Clima estava convocada há dois meses, mas a velha
mídia brasileira fez o possível para não vê-la – muito menos, narrá-la.
Agora que isso tornou-se impossível, pois milhões foram às ruas no
primeiro dia da semana de ações, as fotos se espalharão pelos portais,
jornais e noticiários de TV. Os textos tomarão, no entanto, o cuidado de
omitir três pontos centrais. Primeiro: cresce, junto com as
marchas, a consciência de que o planeta não é ameaçado “pelo ser humano”
– mas por um sistema que obriga multidões a devastarem a natureza (ao
privá-las de outro modo de subsistência) e que promove, em busca do
lucro, o consumismo, o desperdício e a obsolescência programada. Segundo: esta
consciência deixou de ser um fenômeno restrito às sociedades ricas ou
às classes com mais acesso à informação. À medida em que as
consequências do aquecimento global espalham-se, surgirá talvez um
fenômeno oposto: as maiorias pobres, principais vítimas, podem
converter-se na grande força a tomar as ruas e exigir mudança. Terceiro: a
omissão dos políticos tem um preço. Embora tenha se difundido pelo
mundo, os protestos foram e tendem a ser maiores e mais ácidos nos
países cujos governantes desdenham da crise.
Oceania
Austrália
A jornada desta sexta-feira começou na Oceânia, quando o resto do planeta ainda dormia. Na Nova Zelândia,
onde a primeira ministra Jacinta Ardern defende a imigração e a luta
contra o aquecimento global, as manifestações ocorrerão no próximo dia
27. Mas a Austrália, onde governa Scott Morrison, um primeiro-ministro alinhado à direita
e aos planos geopolíticos de Trump, viveu talvez os maiores protestos
de rua de sua história. Multidões formaram-se nas principais cidades –
Sidney, Camberra, Adelaide, Brisbane – e uma centena de centros urbanos
menores. Reuniram
300 mil pessoas, num país de população nove vezes menor que a
brasileira. Muitas portavam cartazes contra Morrinson. Outras lembravam:
“negação não é política”, referindo-se ao fato de que o enorme litoral
australiano e a concentração dos habitantes na costa torna o país
especialmente vulnerável à elevação dos mares.
Austrália
Situadas a Nordeste da Austrália, as Ilhas Salomão também
foram palco manifestações. Lá, uma população de 560 mil pessoas está ameaçada de
desaparecer rapidamente. A altitude média é de centímetros acima do
mar. Muitas casas são montadas sobre palafitas fincadas diretamente no solo
oceânico. Ciclones, antes inexistentes, estão se tornando cada vez mais comuns.
Houve protestos em que se lia: “Não estamos afundando. Estamos lutando”
Ilhas Salomão
Sudeste Asiático
Manila, Filipinas
Filipinas e Indonésia, arquipélagos no
Pacífico Sul, tiveram manifestações em condições difíceis. No primeiro
país, apesar da feroz ditadura de Rodrigo Duterte, ocorreram 13
protestos. Na Indonesia, eles também ocorreram e
lembraram uma tragédia real (e quase desconhecida em todo o mundo). A
capital, Jakarta, está afundando – devido tanto à elevação dos mares
quanto, em especial, ao esgotamento do lençol freático que, vazio, cede
rapidamente ao peso da cidade. Em alguns bairros, o afundamento do solo
chega a 20cm ao ano. Estima-se que, em 2030, 90% do território será
inabitável. Há semanas, constrangido, o presidente Joko Widod anunciou a tranferência
da capital para a ilha de Bornéu. Como Jakarta possui mais de 10
milhões de habitantes, teme-se que o colapso apenas seja transferido.
Ainda houve manifestações na Tailândia, onde estudantes muito jovens cercaram a casa do ministro do meio-ambiente e simularam estar mortos.
Indonésia
Tailândia
Ásia das Monções
Na Índia, os protestos ocorreram em Dehli, Mumbai,
Hyderabad, Guwahati e dezenas de outras cidades. Uma multidão de
estudantes bloqueou ruas na capital, onde se prevê o esgotamento das
águas subterrâneas em 2020. As monções, que marcam o clima do país e
trazem as chuvas, agora falham
Índia
Dehli, Índia
Dehli, Índia
Paquistão
Mas também Paquistão (34 cidades), Bangladesh e Afeganistão
mobilizaram-se. Neste último país, vítima há 18 anos da mais longa
guerra já realizada pelos Estados Unidos, soldados armados protegeram os
jovens manifestantes.
Bangladesh
Afeganistão
África
Wakiso, Uganda
Das dezenas de países africanos onde houve manifestações,
destacam-se África do Sul, Nigéria, Quênia, Uganda e Senegal.
Aqui, a injustiça climática é extrema. O continente todo produz apenas 7%
das emissões globais de CO² – embora reúna 14% da população do planeta. Porém,
será, segundo o IPCC-ONU, o mais atingido pela elevação das temperaturas.
Haverá secas e inundações extremas. A agricultura tradicional, mais vulnerável
e sem recursos, será dramaticamente atingida. O deslocamento de populações,
fugindo das intempéries, tenderá a provocar tragédias sociais de grandes
proporções, no continente e fora dele, se as sociedades de todo o mundo não
multiplicarem sua pressão.
Nairobi, Quênia
Nigéria
Johannesburgo, África do Sul
Uganda
Quênia
Leste europeu
Cracôvia, Polônia
O Leste Europeu foi às ruas. Polônia, Romênia, Albânia e Ucrânia,
onde o socialismo real também produziu desastres ambientais – por não
ter se livrado das visões de mundo que enxergam a natureza como
“recurso”, a ser domado e explorado pela humanidade. Em Cracóvia e Kiev,
cidades cujos países são governados pela extrema direita, dezenas de
milhares manifestaram-se.
Kiev, Ucrânia
Albânia
Europa Ocidental
Berlin, Alemanha
Já na Europa Ocidental, destacaram-se França, Reino Unido e, em especial, Alemanha – mas também houve protestos muito importantes na Holanda, Bélgica e Grécia. Na Espanha, onde manifestações igualmente gigantescas ergueram-se contra o feminicídio, Itália e Portugal, as manifestações ocorrerão no dia 27.
Bélgica
Dezenas de cidades alemãs encheram suas ruas contra o sistema
que provoca o aquecimento global. Calcula-se que 1,4 milhões de pessoas
manifestaram-se, em mais de cem cidades. A chanceler Angela Merkel,
pressionada, anunciou um pacote de 54 bilhões de euros para medidas
“ambientais”. A coalizão “Fridays for Future” respondeu de pronto, considerando
as medidas pouco ambiciosas e afirmando: “Querida chanceler, isso não é uma
ruptura, é um escândalo”.
Berlin, Alemanha
Berlin, Alemanha
Na Inglaterra, também governada por um
primeiro-ministro de direita próximo a Trump (Boris Johnson) dezenas de
cidades também protestaram. Em Londres, o líder do Partido Trabalhista,
Jeremy Corbyn falou a cerca de 100 mil pessoas. Acenou com a hipótese de
uma “revolução industrial ambientalista”, orientada para novo tipo de
produção e de consumo. Em Paris, 10 mil pessoas, a grande maioria muito
jovens, foram às ruas.
Londres, Inglaterra
Paris, França
Brasil
São Paulo
O protesto em São Paulo estava se adensando, quando
este texto foi fechado. Dez mil pessoas concentraram-se a partir das 17h
na Avenida Paulista, diante do MASP. Destacou-se a presença de
indígenas, de gente muito jovem e de um bloco de catadores. Havia
centenas de cartazes de mão estampando o desejo político dos
manifestantes. A maior parte condenava Bolsonaro e o capitalismo. Em
mais 32 cidades brasileiras estavam previstas ações, de passeatas a
pequenos atos. Entre elas, destacaram-se Rio, Fortaleza e São Carlos-SP.
Cidade do México
Na América Latina, também México, Bolívia, Colômbia, Chile e El Salvador
também tiveram protestos importante. Na Cidade do México, milhares de
garotas e garotos marcharam até o Zócalo, centro da megametrópole,
pedindo que o governo de Lopez Obrador decrete emergência climática.
Colômbia
La Paz, Bolívia
Estados Unidos
EUA
Nada poderia fechar mais simbolicamente o início da semana de greve pelo clima que a vasta série de manifestações nos Estados Unidos.
Em dezenas de cidades, multidões desafiaram Trump, expoente e principal
articulador da onda de extrema direita que ameaça varrer o planeta.
Multidões mostraram que há resistência; que ela é capaz de se tornar
majoritária em breve e que se politiza rapidamente. O Green New Deal,
proposta radical que articula defesa do ambiente com igualdade e vasta
renovação da infraestrutura, foi abraçado pelos movimentos que
articularam as manifestações.
EUA
EUA
A jornada foi encerrada por uma fala da garota sueca Greta
Thunberg em Nova York. Disse ela, a uma multidão de mais de 150 mil pessoas:
“Se você pertence àquele pequeno grupo de pessoas que se sente ameaçado por
nós, temos algumas notícias muito más para você, porque é só o começo. A
mudança está começando, queiram vocês ou não”.
Greta Thunberg discursa em Nova York
Fonte Outras Palavras