A Globo demorou 49 anos para se desculpar pelo apoio ao golpe de 1964 e o fez quando já preparava o terreno para o golpe de 2016. O resultado, no entanto, foi inesperado e Jair Bolsonaro representa a maior ameaça à emissora, em toda a sua história, diz o jornalista Leonardo Attuch. Embora os colunistas da Globo estejam certos em denunciar o viés autoritário do bolsonarismo, a crítica fica incompleta sem a autocrítica de um grupo de comunicação que tem sido sinônimo de golpe no Brasil
Brasil 247
Por Leonardo Attuch
No dia 31 de agosto de 2013, com 49 anos de atraso, o jornal O Globo publicou um de seus mais surpreendentes editoriais,
em que reconhecia o erro por ter apoiado o golpe militar de 1964, que
derrubou o presidente João Goulart e lançou o Brasil numa ditadura que
durou 21 anos. Começava assim a confissão da Globo:
Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A
verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma
verdade, e, também de fato, de uma verdade dura. Já há muitos anos, em
discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da
História, esse apoio foi um erro.
O que pouca gente imaginava é que, naquele momento, a Globo já
tentava se apropriar das chamadas "jornadas de junho" para desferir um
novo golpe contra a democracia brasielira – desta vez contra a
presidente Dilma Rousseff, acusada – ora, vejam só – de "pedaladas
fiscais". Com a campanha negativa liderada pela Globo, a primeira mulher
presidente na história do Brasil, que dignificava o cargo, foi
definitivamente afastada da presidência no dia 31 de agosto de 2016 –
três anos após o editorial sobre 1964.
A Globo, no entanto, não se satisfez em derrubar Dilma. Era também
preciso evitar a volta do PT ao poder, nas eleições de 2018. Por isso
mesmo, a emissora colocou a faca no pescoço do Poder Judiciário para
garantir a prisão ilegal do ex-presidente Lula a tempo de inabilitá-lo
na Justiça Eleitoral. E quando ficou claro que mesmo assim o moderado
professor universitário Fernando Haddad poderia vencer as eleições, a
Globo tratou de embalar a narrativa de que ele e Jair Bolsonaro,
miliciano cujas atividades o maior jornal do Rio de Janeiro jamais
poderia desconhecer, representavam os dois extremos do espectro
político.
Deu no que deu. Numa eleição fraudada, posto que sem Lula e sem
debates em razão da ausência conveniente de Boslonaro, o neofascismo
chegou ao poder. Não exatamente como a Globo queria. No 7 de setembro,
Bolsonaro convocou para seu palanque os presidentes das três emissoras
periféricas: Edir Macedo, da Record, Silvio Santos, do SBT, e Marcelo de
Carvalho, da RedeTV. Além disso, o filho 03, que pode vir a ser
embaixador em Washington, já faz lobby para que a empresa americana
AT&T facilite a vida da CNN, potencial concorrente da Globo, no
Brasil.
A Globo sabe que Jair Bolsonaro, resultado de seu discurso de ódio
contra Dilma, Lula e o PT, representa a maior ameaça de toda a sua
história. Talvez por isso, três dos principais colunistas da Globo –
Miriam Leitão, Merval Pereira e Bernardo Mello Franco – estejam hoje
alertando contra o viés autoritário de Bolsonaro – o que é um fato,
diga-se de passagem. Miriam afirma que o golpismo do clã Bolsonaro não pode ser ignorado, Bernardo Mello Franco diz que Carluxo Bolsonaro diz o que o pai pensa quando ataca a democracia, e Merval Pereira chega a propor até a cassação do vereador.
Tudo isso sem falar no recente "desabafo" do jornalista Guga Chacra, na
Globonews, sobre os aspectos mais grotescos do bolsonarismo.
O Brasil, no entanto, não estaria vivendo este filme de
terror se a Globo não tivesse dado sua contribuição decisiva para a
destruição da democracia no país. É chegada a hora da autocrítica. E ela
não pode esperar 49 anos.
Fonte Brasil 247