Bolsonaro & Guedes insistem em privatizações e “reformas” da
Previdência e Administrativa, com efeitos perversos a longo prazo.
Contra ultraliberalismo, chilenos e equatorianos tomaram as ruas. Também
iremos nos insurgir?
Outras Palavras
Por Paulo Kliass
A população chilena está
dando um recado muito claro a respeito do que pensa sobre as reformas
estruturais levadas a cabo em seu país ao longo das últimas décadas. É verdade
que as gigantescas manifestações em Santiago e demais cidades têm por base mais
imediata a crítica às decisões relativas à elevação de preços e tarifas de
serviços públicos. Porém, o aparente espontaneísmo atual não pode ser explicado
sem se levar em conta as sequelas da herança trágica do conservadorismo na
política econômica por lá.
O fato detonador do
movimento de insatisfação popular foi a majoração do valor do bilhete do metrô
da capital. O reajuste até que nem foi tão explosivo assim, pois subiu de 800
para 830 pesos – menos de 4% no aumento. Se compararmos, por exemplo, com a
recente mobilização popular de insatisfação com políticas públicas que afeta o
Equador, o quadro é bem mais “ameno”. Lembremos que o presidente Lenin Moreno
havia autorizado inicialmente um reajuste de 123% nos preços dos derivados de
petróleo. As consequências foram sentidas logo nos dias que se seguiram aos
efeitos em cadeia de tal medida.
O fato concreto é que o
governo equatoriano havia solicitado um empréstimo ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o organismo multilateral acabou impondo uma série de
exigências como contrapartida da liberação dos recursos. Como sempre, surgiram
as ideias de privatização e liberalização, com a recomendação do fim de
subsídios públicos. Com isso, a tecnocracia teve a brilhante ideia de promover
o chamado ”realismo tarifário” também nos derivados do petróleo. Um reajuste
instantâneo e imediato, sem nenhuma regra de transição. Foi como lançar
centelha em combustível, literalmente.
Chile, Equador i otras cositas más
No entanto, apesar das
semelhanças entre os dois casos, parece evidente que a amplitude das jornadas
de luta no Chile guarda uma relação muito mais profunda com o conjunto das
políticas levadas a cabo pelo governo conservador e monetarista de Sebastián
Piñera e seus antecessores do que o mero reajuste no transporte de Santiago. Na
verdade, boa parte das análises que começam a surgir a respeito do “tsunami
chileno” apontam para o processo de empobrecimento crescente de parcelas cada
vez mais amplas da população, em razão das opções neoliberais deste governo e
dos anteriores.
O processo de
transformação do Estado chileno e dessas políticas públicas antipopulares
remonta ainda ao golpe militar comandado pelo General Pinochet em 1973, que
implantou uma das ditaduras mais ferozes que se tem conhecimento no continente
latino-americano. Após assassinar o Presidente Allende e espalhar o terror e a
tortura, o regime se transformou em um verdadeiro laboratório de experiências
das propostas tresloucadas da chamada Escola de Chicago. Eram economistas
obcecados em promover a destruição do Estado pelo mundo afora, em dar um basta
às criações geradas ao longo dos anos de ouro do keynesianismo nos próprios
países do universo capitalista.
Graças à existência de um
regime que assassinava e exilava os opositores, o governo seguiu à risca as
recomendações dos chamados Chicago boys. Eram alunos recém-doutorados sob a
orientação da turma de Milton Friedman que voltavam do Estados Unidos ao Chile
imbuídos de uma missão. Seu objetivo maior era privatizar, reduzir a capacidade
de a administração pública desenvolver políticas de desenvolvimento e destruir
o regime de previdência social. Os descontentamentos e as críticas a tais
intentos eram solucionados manu militari,
de forma que as possibilidades de reversão desse conjunto de medidas só viriam
com o fim da ditadura a partir de 1990.
Experimento neoliberal lá e cá
Mas mesmo assim, os
efeitos perversos dessa experiência neoliberal se fizeram sentir ao longo de
todo esse período. Um dos casos mais evidentes é o da famosa rede da seguridad social chilena, que foi
desmontada e substituída por um sistema de instituições financeiras privadas
administrando contas de capitalização dos indivíduos. A falência desse novo
modelo só viria a ser sentida uma geração depois, quando boa parte da população
idosa começou a apresentar sinais de pobreza e até de miséria. O próprio Estado
chileno se viu obrigado a reestatizar o sistema privado que não conseguia mais
cumprir com suas funções precípuas de fornecer aposentadorias e pensões dignas
à população.
Tendo em vista todo esse
complexo histórico vivido pelo país quase vizinho, muitos analistas começam a
apresentar sinais de preocupação com relação ao futuro do Brasil. Afinal, o
objetivo declarado de Paulo Guedes é promover por aqui um intento neoliberal
fora de época. Assim foi com a manutenção da EC 95, congelando por 20 anos os
gastos orçamentários com políticas sociais e com investimentos públicos. Assim
está sendo com a proposta de destruição do Regime Geral da Previdência Social
(PEC 06) e com a proposta de ainda implementar por aqui também o regime de
capitalização (PEC paralela). Assim está ocorrendo com a tentativa de promover
um amplo processo de privatização de empresas estatais do governo federal.
Assim foi com a
continuidade das mudanças proporcionadas pela chamada “Reforma Trabalhista” do
governo Temer, que nada mais significa senão destruição de direitos dos
trabalhadores e redução de seus salários. Assim pretende também ser com a
prometida “Reforma Administrativa”, um eufemismo que objetiva destruir alguns
dos alicerces de uma administração pública que ainda seja capaz de cumprir com
os mandamentos constitucionais de serviços públicos universais e direitos de
cidadania ainda preservados. Assim pretende ser também com a cruzada obstinada
do superministro em seu intento do chamado “3D” – desconstitucionalizar,
desindexar e desvincular.
No entanto, ao contrário
do que se viu nos países vizinhos, a população brasileira parece ainda não ter
tomado plena consciência a respeito dos riscos envolvidos em todo esse processo
de destruição e desmonte. Mas não há dúvidas de que os efeitos serão sentidos
em toda a sua plenitude em algum momento à frente. Afinal, a estratégia é
retirar toda e qualquer capacidade de que sejam promovidas políticas públicas
voltadas para um projeto de desenvolvimento econômico e social de natureza
inclusiva e sustentável. Mais do que nunca, a maioria da população ficará
sujeita exclusivamente às condições reinantes no sacrossanto e endeusado
mercado para conseguir sobreviver. Uma loucura!
Caso não se consiga
impedir essa avalanche criminosa por essas terras, o futuro pode ficar sombrio
e preocupante también para nosotros.
Fonte Outras Palavras