“Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. Não deu uma nem outra, pois tanto o Brasil quanto as saúvas caíram em coma evolutivo profundo
GGN
Por Sebastiao Nunes
Quando o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire esteve no
Brasil, entre 1816 e 1822, ficou espantado com a fúria das formigas
cortadeiras e cunhou a frase que há 200 anos segue parodiada, glosada e
deturpada para atender a quem dela se apropria: “Ou o Brasil acaba com a
saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.
Não deu uma nem outra, pois tanto o Brasil quanto as saúvas
caíram em coma evolutivo profundo. As formigas, coitadas, embora
continuem cortando, cortam menos e com mais dificuldade. O coma
evolutivo do Brasil se explica pela frequência com que, desde a famosa e
malfadada Proclamação da República, civis e militares se engalfinham
numa luta macabra pelo poder, com resultados duvidosos.
Parêntese para uma perguntinha incômoda: e se, em vez de golpes
militares e/ou elitistas, entremeados por arremedos de estabilidade
democrática, o país tivesse mantido seu imperador? Fecho o parêntese e
me calo, pois não sou monarquista e considero, na melhor das hipóteses,
“nossa” (sic) república um escroto e estúpido engodo que nos fizeram
engolir, como se fosse xarope para lombrigas.
Claro que se pode argumentar que a culpa é das elites e da mídia e
que, qualquer que fosse a solução, a mídia e as elites continuariam
controlando o jogo.
Concordo.
Mas era preciso chegar onde chegou?
Era realmente necessário que, depois de tanto conflito, o país caísse
nas mãos de um imbecil despudorado, de um ignorante de pai e mãe,
estúpido e arrogante, ex-militar extraído a fórceps do que de mais
sombrio poderia existir nas entranhas brasileiras?
Não, meus irmãos, perdão, mas assim também não.
Concordo que já tivemos presidentes horríveis e ditadores
horripilantes, mas não me consta que, em alguma outra época de nossa
triste história, o grotesco, o patético e a crueldade tenham se dado as
mãos como, pela nossa própria insensatez, acontece hoje diante de nossos
narizes.
Bolsonaro é um pesadelo do qual não estamos conseguindo acordar.
CIVILIZAÇÃO VERSUS BARBÁRIE
O texto-recorte a seguir é de Gustavo Conde e foi publicado no “Brasil 247” em 12/08/18, há pouco mais de um ano, portanto:
“O embate que está em curso hoje no Brasil, mais do que nunca, é
civilização versus barbárie. Não é esquerda versus direita, não é
progressismo versus conservadorismo, não é status quo versus renovação: é
civilização versus barbárie.”
O texto remete a outro recorte fundamental para a compreensão do que
fomos e do que somos, extraído do livro “Tristes trópicos”, de
Lévi-Strauss, na edição de 1996:
“Um espírito malicioso já definiu a América como sendo uma terra que
passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização.”
E é exatamente o que somos, jovens como somos, por toda essa nossa
América, de Trump a Bolsonaro, com a possível exceção do Canadá, que
conheço mal e não vou meter neste balaio de gatos.
TEM MAIS? TEM, SIM SENHOR
Nas três citações, duas bastante manjadas, uma palavra-chave é
civilização. Outra, barbárie. Uma terceira, decadência. Uma quarta,
ignorância.
Estamos, assim, mergulhados numa espécie de barbárie civilizacional,
perdida a chance de escapar à decadência e ascender à civilização, por
culpa de nossa ignorância.
Enquanto
a esquerda brinca de bela adormecida, a direita parece satisfeita com o
osso que continua a roer. O centro faz o que sempre fez: fica em cima
do muro, sem deixar de ir à colheita quando os frutos amadurecem.
A mídia é a mídia e sempre foi a mídia. Nem vale a pena odiar certas
tendências, menosprezar outras ou elogiar as que parecem elogiáveis.
Todos jogam pôquer: blefam quando é para blefar e apostam alto, quando
sabem que a mão está ganha. Salvam-se os nichos de resistência, que, no
entanto, não furam o bloqueio dos poderosos.
Na tendência de copiar os Estados Unidos em tudo o que é abominável,
triste e vergonhoso, os neopentecostais avançam como lobos famintos,
dispostos a transformar o Brasil numa grotesca imagem especular (e muito
piorada) do Grande Irmão do Norte. Um espelho esfarrapado, digamos, um
espelho refletindo a escuridão.
Desconfio que não tomaremos jeito nem que a vaca tussa.
O Brasil começou errado, continuou errado e, quase todas as vezes que
teve de decidir entre o certo e o errado, se deu mal, escolhendo o lado
errado.
Mas o pesadelo no momento atual é Bolsonaro e sua tropa de loucos varridos.
É desse pesadelo que precisamos acordar.
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Por falar em pesadelo, a imagem que ilustra este texto é uma
tentativa, talvez vã, de representar o recorrente pesadelo que me ataca
todas as noites, há quase um ano.
Fonte GGN