Para perplexidade de muitos que acreditavam que o Brasil, antes do golpe parlamentar de 2016, estava finalmente no caminho definitivo da soberania, a realidade é reveladora de um país que ainda tem muito a evoluir: “O que a gente descobriu com toda essa crise é que o tempo da colônia ainda não tinha terminado. A gente pensou que tivesse terminado, mas não terminou.”
São Paulo – “Figuras que apoiaram o golpe – a começar pelo Temer –,
que fizeram o golpe, agora estão dizendo que foi golpe, e isso só
aconteceu depois da Vaza Jato. Acho que aconteceu muita coisa e está
acontecendo. Mas não na velocidade em que a gente quer.” A opinião é do
sociólogo Laymert Garcia dos Santos, sobre os desdobramentos das
revelações trazidas à luz pelo The Intercept Brasil, sob a coordenação do jornalista norte-americano Glenn Greenwald.
Para Laymert, a Vaza Jato foi responsável por produzir um efeito
“devastador” sobre a força-tarefa comandada pelo ex-juiz, e atual
ministro da Justiça, Sergio Moro, e pelo procurador Deltan Dallagnol.
O sociólogo vê com ceticismo a expectativa de reversão, pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), de algumas posições que o tornaram, segundo ele,
cúmplice do golpe político que derrubou Dilma Rousseff, da eleição de
Jair Bolsonaro e da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em sua opinião, o sistema judiciário como um todo, incluindo o STF, não é
mais uma instância confiável.
“Eles vão mexer numa série de coisas, agora ficou difícil manter a
hipocrisia de antes. Mas isso não significa que a cumplicidade deles
tenha sido revertida ou anulada”, diz, em entrevista à RBA.
“Não é só o caso do Lula. São os olhos fechados paras as fraudes das eleições (de 2018), por exemplo, e a gente não vê o Judiciário tomando outro rumo, até agora, sobre todas as ilegalidades que foram cometidas.”
Para Laymert, o caso de Dallagnol, o procurador do PowerPoint, é
exemplar. “Hoje se considera a possibilidade de Dallagnol ser punido
entre aspas. Tira-se ele da Lava Jato promovendo-o”, questiona. “Onde
está uma correção de rota? Eu ainda não vi.”
Em resumo, e para perplexidade de muitos que acreditavam que o
Brasil, antes do golpe parlamentar de 2016, estava finalmente no caminho
definitivo da soberania, a realidade é reveladora de um país que ainda
tem muito a evoluir: “O que a gente descobriu com toda essa crise é que o
tempo da colônia ainda não tinha terminado. A gente pensou que tivesse
terminado, mas não terminou.”
Esta semana, Glenn Greenwald disse
que, ao contrário da avaliação de muitas pessoas segundo as quais nada
mudou após a Vaza Jato, houve mudanças, sim. Por exemplo, o fato de que
há um ano “todo mundo tinha medo de Sergio Moro”, mas hoje ele está
“muito pequeno”. O que você acha dessa avaliação?
Concordo com Glenn, no sentido de que o efeito maior é o
desmascaramento e a desmoralização. Esse é um efeito de longo prazo, um
efeito devastador porque ele “come” por dentro a credibilidade da Lava
Jato. A esquerda não tinha conseguido convencer a opinião pública –
esquerda tão marcada pela pecha da corrupção, e essas figuras, sobretudo
Moro e Dallagnol, eram os “paladinos da anticorrupção”. Então não
pegava, mesmo a denúncia do Lula sobre a ilegalidade e injustiça do
processo contra ele. Agora a Lava Jato não só sofreu uma desmoralização,
dessas figuras, e um esvaziamento muito forte, como surgiram outros
efeitos.
Por exemplo, figuras que apoiaram o golpe – a começar pelo Temer –,
que fizeram o golpe, agora estão dizendo que foi golpe, e isso só
aconteceu depois da Vaza Jato. Acho que aconteceu muita coisa e está
acontecendo. Mas não na velocidade em que a gente quer. A coisa
principal que não está acontecendo é uma reação popular às revelações.
Do ponto de vista institucional teve efeito devastador. E a esquerda não
reagiu à altura.
E Lula continua preso, apesar de tudo…
Existe uma confiança por parte da esquerda em instituições que estão
podres. O que a Vaza Jato mais mostrou foi a falência das instituições,
sobretudo do Judiciário. As outras já estavam podres antes, mas no
Judiciário ainda havia uma crença. E ainda continuam esperando coisas do
STF, esperando alguma coisa do Judiciário em geral, como se ele ainda
fosse uma instância confiável.
Mas você não acha que, até pela desmoralização da Lava Jato, o
próprio Supremo já está sinalizando que vai reverter algumas posições,
como a da prisão após condenação em segunda instância?
Acho que sim. É claro que eles vão mexer numa série de coisas, agora
ficou difícil manter a hipocrisia de antes. Mas isso não significa que a
cumplicidade deles tenha sido revertida ou anulada. A gente não viu
ainda – pelo menos eu não vi – nenhum gesto que esteja à altura da
desmoralização dos próprios processos (da Lava Jato). Quando chega
perto, aí aparece a história da modulação… Aparece sempre alguma coisa.
Quando aconteceu de perguntarem ao Gilmar Mendes sobre o impedimento
que ele provocou à nomeação do Lula como ministro da Dilma, em cima de
algo que, agora, está mais do que esclarecido, foi um golpe político da
Lava Jato… até agora ele não reconheceu isso. Não houve uma consequência
por esse erro. O máximo que houve foi que Gilmar reconheceu que tem um
equívoco ou que ele se baseou em informações incorreta, mas isso não o
levou a dizer que é preciso revogar isso.
Mas, pelo menos, ele tem votado francamente contra a Lava Jato e a favor do Lula…
Com certeza. Agora, ao mesmo tempo também a gente tem que pensar que
há uma pessoa que toma atitudes como essa, diante de tudo o que está
acontecendo, e o resto do STF fica no mais ou menos, ou nenhuma outra
instância da alta cúpula do Judiciário, os conselhos etc., ninguém cobra
nada. Você não vê uma retratação a respeito de todas as medidas, e elas
são muitas. Não é só o caso do Lula. São os olhos fechados paras as
fraudes das eleições, por exemplo, e a gente não vê o Judiciário tomando
outro rumo, até agora, sobre todas as ilegalidades que foram cometidas.
É muito tímida a coisa ainda. Até pra dizer: bom, o Gilmar Mendes tomou
uma atitude corajosa de crítica à Lava Jato. Mas ao mesmo tempo o resto
do Supremo ainda está segurando.
Hoje se considera a possibilidade de o Dallagnol ser punido entre aspas. Tira-se ele da Lava Jato promovendo-o (segundo O Estado de S. Paulo,
há uma discussão nos bastidores sobre uma “saída honrosa” para
Dallagnol da Lava Jato, promovendo-o ao cargo de procurador regional, na
segunda instância do Ministério Público Federal). Onde está uma correção de rota? Eu ainda não vi.
Ou seja, no Brasil é tudo muito lento?
Diante do que já foi revelado pela Vaza Jato, por parte das
instituições, apesar do escancaramento de tudo, a reação é lenta. E, por
outro lado, por parte da esquerda, também é lento. Depois de tudo o que
estava acontecendo, ainda teve o governador da Bahia dizendo que Lula
livre não era o principal. Dentro do Partido dos Trabalhadores ainda tem
gente que acha que se pode tergiversar sobre isso (em setembro, o governador da Bahia, Rui Costa, admitiu à revista Veja almejar
disputar a presidência da República em 2022, e disse que a bandeira
Lula Livre não deveria condicionar alianças do partido).
Tudo é muito lento mesmo, face à aceleração das coisas. O que o
Glenn está fazendo é maravilhoso, extremamente profissional,
competentíssimo, de edição e de desmontagem da Lava Jato, o que não é
acompanhado nem pelos colegas dele. Estou falando de brasileiros. Foi
preciso um estrangeiro fazer isso. E quem passou a ele essas informações
já sabia que tinha que ser alguém como ele, que não tinha nenhum
jornalista brasileiro que pudesse encarar isso. Então você vê que tudo é
muito devagar.
No Brasil, Tiradentes, que era um iluminista, foi enforcado e
esquartejado numa época em que a França já tinha feito a Revolução
Francesa…
O tempo do Brasil, muitas vezes, a gente tem que ver que ainda está
na colônia mesmo, de certo modo. O que a gente descobriu com toda essa
crise é que o tempo da colônia ainda não tinha terminado. A gente pensou
que tivesse terminado, mas não terminou. Está aí, e de um modo bastante
forte. Não passou.
Fonte Rede Brasil Atual
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