"Desde a tentativa de golpe contra Hugo Chavez em 2002, os golpes não
foram mais admitidos na região (com a exceção do Brasil). Derrotada nas
urnas e sentindo-se sem condições de concorrer a novas eleições contra
Evo, a direita fez o que sabe fazer: deu um golpe", diz o sociólogo Emir
Sader sobre o retrocesso democrático no país andino.
Brasil 247
Por Emir Sader, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
Na Argentina a esquerda perdeu, voltou a disputar
democraticamente as eleições e voltou a ganhar. No Brasil, Lula teve
reconhecidos seus direitos e se reincorpora a luta democrática contra um
governo eleito por manobras antidemocráticas. No Uruguai, a Frente
Ampla luta com todas suas forças para manter seu governo. No Chile o
povo luta democraticamente pelo direito a ter uma constituição
democrática. Lopez Obrador, depois de várias derrotas, triunfou e exerce
democraticamente seu governo.
Na Bolívia, a direita questionou o resultado eleitoral, com o apoio
da OEA, que ficou de fazer a recontagem dos votos, com a aceitação do
governo de que esse resultante seria o resultado oficial. De repente, de
forma sincronizada, a própria OEA propôs novas eleições, com novo
Tribunal Eleitoral. Evo aceitou a proposta e convocou novas eleições e
anunciou que haveria um novo Tribunal Eleitoral.
Mas a direita tinha se radicalizado, tinha escolhido o caminho do
golpe. Mesa foi ofuscado pela ofensiva da extrema direita, de Santa Cruz
de la Sierra, com novo dirigente, que propôs a renuncia do Evo. A isso
se somaram ações violentas, sem as quais o golpe não teria sido
possível. Policiais de alguns estados se rebelaram contra o governo do
Evo, enquanto ataques corretos contra a casa de governadores, de
ministros, do presidente da Câmara de Deputados e da irmã do Evo.
Aqueles renunciaram a seus cargos, objetivo conseguido pelas ações
paramilitares. Até que as FFAA, que tinham afirmado que não reprimiriam o
povo, terminara pressionando Evo, para que ele renunciasse.
Para frear a ofensiva violenta da direita, Evo apresentou sua
renúncia, assim como seu vice-presidente, Alvaro Garcia Linera, como
forma de defender as vítimas das agressões. Se consolidou assim mais um
golpe militar na Bolívia. Um país que, antes do governo do Evo, era o
campeão de golpes militares no continente. Sua elite branca resistiu
quanto pôde ao governo de maior sucesso na história do país, presidido
justamente por um dirigente indígena.
Não interessa as histórias que vão contar. No Brasil também
argumentaram que o Jango abandonou o governo, mas o fez frente a um
levantamento militar contra seu governo. Na Bolívia também se trata de
um golpe, que rompe com a mais longa continuidade democrática da
história boliviana, desde que Evo ganhou a primeira eleição, em 2005. A
renúncia do Evo se dá sob a pressão militar e a renúncia da polícia a
coibir as ações violentas a oposição. Interrompe-se um governo reeleito
pela grande maioria dos bolivianos e que teria mandato até janeiro de
2020.
O que faz então a OEA, quando sua proposta foi aceita pelo governo,
mas não pela oposição, nem pelas FFAA? A OEA atuava supostamente
preocupada com a transparência da democracia boliviana. Como vai agir
agora? Vai denunciar o golpe e impor sanções como fez com a Honduras e
com o Paraguai (embora não fizesse, covardemente com o golpe no Brasil)?
Desde a tentativa de golpe contra Hugo Chavez em 2002, os golpes não
foram mais admitidos na região (com a exceção do Brasil). Derrotada nas
urnas e sentindo-se sem condições de concorrer a novas eleições contra
Evo, a direita fez o que sabe fazer: deu um golpe.
A primeira década deste século foi dominada por governos
progressistas, todos eleitos e reeleitos democraticamente. A segunda
década esteve marca pela contraofensiva conservadora, que restaurou o
modelo neoliberal na Argentina, no Brasil, no Equador, no primeiro caso
através de eleições, nos outros, de golpes. A esquerda soube resistir os
retrocessos do governo Macri, se fortalecer e triunfar. No Brasil, Lula
resistiu à sua prisão injusta e saiu da prisão para comandar a luta
democrática no país. Na Bolívia e no Uruguai se disputa a terceira
década do século.
O futuro do continente volta a estar aberto. Argentina e
México se tornam os eixos da reconstrução do eixo progressista. O Brasil
se torna o cenário decisivo para o futuro do continente e o Lula o ator
fundamental para o que passe no Brasil e na América Latina.
Fonte Brasil 247