A segurança e a ordem pública nunca deveriam ter sido confiadas na Bolívia a instituições como a polícia e o exército, colonizadas pelo imperialismo e seus lacaios da direita indígena.
GGN
Por Atilio A. Boron
Tradução de Roberto Bitencourt da Silva
A tragédia boliviana ensina,
eloquentemente, várias lições que nossos povos e nossas forças políticas
e sociais populares devem aprender e registrar em suas consciências
para sempre. Aqui, uma breve enumeração, em tempo real, e como um
prelúdio para um tratamento mais detalhado no futuro.
Primeiro, não importa o quanto a economia seja
administrada de maneira exemplar, como o fez o governo de Evo, o
crescimento, a redistribuição, os fluxos de investimentos são garantidos
e todos os indicadores macro e microeconômicos são aprimorados, a
direita e o imperialismo nunca aceitarão um governo que não serve a seus
interesses.
Segundo, precisamos estudar os manuais publicados
por várias agências americanas e seus porta-vozes disfarçados de
acadêmicos ou jornalistas para poder perceber os sinais ofensivos a
tempo. Esses escritos invariavelmente destacam a necessidade de destruir
a reputação do líder popular, que no jargão especializado é chamado de
assassinato do personagem, como ladrão, corrupto, ditador ou ignorante.
Essa é a tarefa confiada aos comunicadores sociais,
auto-proclamados como “jornalistas independentes”, que em favor de seu
controle quase monopolista da mídia, moldam o cérebro da população com
tais difamações, acompanhadas, no caso em questão, por mensagens de ódio
dirigido contra os povos nativos e os pobres em geral.
Terceiro, atendidos os parâmetros e as ações
expostas acima, é a vez da liderança política e das elites econômicas
reivindicarem “uma mudança”, encerrando a “ditadura” de Evo que, como
escreveu o notório escritor peruano Mario Vargas Llosa, há alguns dias, é
um “demagogo que quer se eternizar em poder “. Suponho que Llosa estará
brindando com champanhe em Madri quando ver as imagens das hordas
fascistas saqueando, queimando, acorrentando jornalistas a um poste,
raspando a cabeça de uma prefeita e pintando-a de vermelho, destruindo
as atas da última eleição para cumprir o mandato de dom Mario e
“libertar a Bolívia de um demagogo do mal”.
Menciono o caso dele porque foi e é o imoral
porta-estandarte desse ataque vil, desse crime sem limites que crucifica
as lideranças populares, destrói uma democracia e instala o reino do
terror encarregado de gangues contratadas para repreender um povo digno
que a audácia de querer ser livre.
Quarto:
as “forças de segurança” entram em cena. Nesse caso, estamos falando de
instituições controladas por várias agências, militares e civis, do
governo dos Estados Unidos. Eles os treinam, os armam, fazem exercícios
conjuntos e os educam politicamente. Tive a oportunidade de verificar
quando, a convite de Evo Morales, abri um curso sobre
“Anti-imperialismo” para oficiais superiores das três armas. Naquela
ocasião, fiquei envergonhado pelo grau de penetração dos slogans
americanos mais reacionários herdados da era da Guerra Fria e pela
irritação indiscutível causada pelo fato de um indígena ser presidente
do seu país.
O que essas “forças de segurança” agora fizeram foi
sair de cena e deixar o campo livre para o desempenho descontrolado das
hordas fascistas – como as que agiram na Ucrânia, na Líbia, no Iraque,
na Síria para derrubar ou tentar fazê-lo em neste último caso, líderes
incômodos para o império – e assim intimidam a população, a militância e
o governo. Ou seja, uma nova figura sociopolítica: o golpe militar “por
omissão”, permitindo que as quadrilhas e os bandos reacionários,
recrutados e financiados pela direita, imponham a sua lei. Uma vez que o
terror reina e ante a impotência, ou incapacidade de defesa, do
governo, o resultado era inevitável.
Quinto, a segurança e a ordem pública nunca
deveriam ter sido confiadas na Bolívia a instituições como a polícia e o
exército, colonizadas pelo imperialismo e seus lacaios da direita
indígena. Quando foi lançada a ofensiva contra Evo, o governo optou por
uma política de apaziguamento e não de resposta às provocações dos
fascistas. Isso serviu para encorajá-los e aumentar a aposta: primeiro,
exija segundo turno; depois, fraude e novas eleições; a seguir,
eleições, mas sem Evo (como no Brasil, sem Lula); depois, renúncia de
Evo; finalmente, dada a sua relutância em aceitar chantagens, semeie o
terror com a cumplicidade da polícia e das forças armadas e force Evo a
renunciar. Do manual, tudo do manual. Vamos aprender essas lições?
Atilio
A. Boron – Sociólogo argentino, com doutorado em Ciência Política pela
Universidade de Harvard, professor da Universidade de Buenos Aires. É
autor de diversos e importantes livros.
Fonte GGN