Encontro, inovador desde seu início, escutou os descontentamentos e pedidos de povos originários da região. Perante ataques da extrema-direita, Papa Francisco cita: “tem gente que não é capaz de amar ninguém, então diz que ama a Deus”
Por Roberto Malvezzi (Gogó)
O processo de preparação do Sínodo levou mais de 3 anos em território
brasileiro. Foram realizados 16 seminários regionais e mais um
Pan-Amazônico. Desse processo, inclusive da consulta sinodal enviada
pelo Vaticano, participaram cerca de 87 mil pessoas.
A primeira novidade desse Sínodo foi escutar os povos amazônidas.
Portanto, houve uma mudança de interlocutores. Francisco não estava
interessado em ouvir apenas autoridades, políticos, especialistas, mas
ouvir a voz dos povos da região.
Essa mudança de interlocutores gerou descontentamentos e pedidos. Os
militares brasileiros chegaram a pedir um lugar no Sínodo. Diziam que
“só a Igreja e o Exército conhecem efetivamente a Amazônia”.
A extrema-direita internacional se articulou por Steve Bannon. Chegou
a alugar uma abadia em Roma para montar seu QG de articulação. Tinha
apoio explícito de gente da cúpula da Igreja. Queria organizar um evento
paralelo. Pouco depois foi expulso da Itália e teve que deixar a abadia
e seu QG.
No Brasil, entidades ligadas ou dissidentes da TFP, chegaram a andar
pela Amazônia, buscando dinheiro e assinaturas contra o Sínodo. Poucos
bispos brasileiros, inclusive eméritos, entraram na onda crítica das
“heresias”, que diziam ser propostas pelo Sínodo.
A preparação resultou no Instrumento de Trabalho, que sofreu muitas
críticas, mas foi o fio condutor de todo debate em Roma e, do qual,
resultou o documento final.
Talvez a melhor síntese desse processo tenha sido definida por um
texto do Le Monde: “a Igreja da Amazônia chegou a Roma sabendo o que
quer”. Entretanto, essas reivindicações das comunidades e dos povos
passaram por um amplo processo de fundamentação bíblico-teológica e
magisterial, feito por teólogos, biblistas, canonistas e especialistas
de outras áreas, como ecologistas, cientistas, antropólogos e outros
ramos das ciências da Terra e ciências sociais. Cada proposta, ao ser
apresentada, ou defendida em público pelos sinodais, tinha que vir com a
devida fundamentação.
As intervenções seguiram um esquema pronto, onde os auditores e
padres sinodais tinham 4 minutos para se pronunciar na grande plenária.
Peritos só podiam se manifestar diretamente à equipe de redação, com
fundamentações ao que se estava debatendo.
Nos grupos menores todos falaram à vontade, sendo aí decisiva a participação das mulheres e dos povos originários.
Dentro também houve resistências, embora minoritárias, como ficou
devidamente comprovado na hora da votação. O único número com aprovação
mais apertada, o da sugestão do sacerdócio para homens casados, deve ser
visto como natural, já que há mil anos não se fazia uma mudança tão
profunda e necessária nos ministérios eclesiais. A fundamentação é
bíblica, da tradição e histórica. Enfim, não havia nenhum empecilho de
ordem teológica para impedir esse ministério. O argumento final é
decisivo: é mais importante o acesso à Eucaristia por parte das
comunidades que a lei disciplinar do celibato.
Aliás, a extinção do celibato sacerdotal nunca foi proposta, até
porque o celibato é maior que o sacerdócio. Há uma imensidão de mulheres
e homens – religiosos, religiosas, leigos, leigas, etc. -, que optam
pela vida celibatária por carisma ou vocação, não por questão de
imposição disciplinar eclesiástica. Portanto, há uma boa dose de
estupidez e desinformação por parte de quem acha que o celibato vai ser
extinto. É um dom especial de Deus para algumas pessoas e que elas podem
responder com um sim ou com um não.
A ênfase na Ecologia Integral embasa-se na defesa dos territórios
dos povos tradicionais e originários, na floresta em pé, no aprender com
esses povos, na denúncia e oposição ao modelo predador imposto pelo
agronegócio e mineradoras, além de reserva extrema com o modelo
biotecnológico que pressupõe a entrada de transnacionais do ramo, mas
ignoram a existência dos povos e sua soberania territorial.
Houve um momento em que as redações intermediárias pareciam botar
tudo a perder. Porém, houve reação dos presentes diretamente com a
equipe de redação. Quando surgiu a última redação, aquela que foi à
votação, os participantes acharam que tudo que tinha sido reivindicado
pelas comunidades estava presente. Portanto, não valia a pena brigar por
pequenos detalhes que não atrapalhavam o que era o principal.
Francisco é um ser humano à parte. Participou de todas as atividades
na grande plenária. Só ouvia. Fez pouquíssimas intervenções. Nos
intervalos conversava com as pessoas, pegava a fila do café, não perdia
uma cuia de chimarrão. A grandeza de Francisco é de ordem evangélica,
não das honrarias humanas. Ele gosta de pessoas, de estar com as
pessoas, de conversar com elas. Essa “simplicidade jesuânica” de
Francisco incomoda a todos e todas que que gostariam de ver ali um
príncipe, um rei, aquela figura intocável das grandes autoridades.
No final, Francisco fez uma fala. Ele tem a convicção que o grande
passo desse Sínodo foi o diagnóstico, portanto, o longo processo de
preparação. Decidiu que vai elaborar uma “Exortação”, de punho próprio,
para reforçar o documento aprovado e deslanchar o processo de
implementação do que foi decidido.
Na sua fala final, propôs que o próximo Sínodo deve ser exatamente
sobre “sinodalidade”, isto é, esse caminhar juntos que realmente pode
modificar a Igreja.
Finalmente, diante de tantos ataques de baixo nível que vem sofrendo,
citou a célebre frase de Péguy para concluir seu entendimento sobre a
Igreja e os cristãos: “tem gente que não é capaz de amar ninguém, então
diz que ama a Deus”.
O Sínodo para Amazônia abriu portas e janelas para o futuro da Igreja, da Amazônia, da humanidade e de toda a Terra.
Fonte Outras Palavras