No Chile, essa redução de políticas públicas e a ausência do Estado em áreas essenciais para a garantia de serviços públicos à população tem sido a causa das grandes manifestações que acabaram obrigando o governo a rever tais políticas e passar a priorizar algumas demandas do povo.
Publicado originalmente no Monitor Mercantil
Por Maria Lucia Fattorelli
Bolsonaro entregou ao Senado um pacote batizado de Plano Mais Brasil,
contendo três novas Propostas de Emenda à Constituição (PEC): 186, 187 e
188/2019.
O pacote deveria ser chamado de “Mais Brasil para Banqueiros”, pois
as medidas escancaram o privilégio dos gastos com a chamada dívida
pública, que nunca foi auditada como manda a Constituição de 1988.
Para que sobrem mais recursos para os gastos com a questionável
dívida pública, os investimentos sociais urgentes para o país são postos
de lado, consolidando ainda mais a posição do Estado brasileiro a
serviço do grande capital rentista – ou seja, de grandes bancos e
investidores.
Tais medidas pretendem inserir na Constituição Federal mais
restrições ainda aos Direitos Sociais, acompanhadas de mais garantias
aos rentistas, o que aprofundará a vergonhosa situação de miséria que já
alcança cerca de ¼ da população brasileira, enquanto aumenta o número
de bilionários, e o lucro dos bancos bate novo recorde a cada trimestre.
No Chile, essa redução de políticas públicas e a ausência do Estado
em áreas essenciais para a garantia de serviços públicos à população tem
sido a causa das grandes manifestações que acabaram obrigando o governo
a rever tais políticas e passar a priorizar algumas demandas do povo.
O pacote de Guedes/Bolsonaro ameaça diretamente conquistas
históricas da população, fragilizando o artigo 6º da Constituição, que
garante Direitos Sociais a todos os brasileiros e brasileiras. Se
aprovado o pacote, esse artigo ficará condicionado a um “equilíbrio
fiscal intergeracional”, ou seja, só terá que ser cumprido após o
pagamento dos gastos com a questionável dívida pública.
O pacote prevê também que leis, atos ou decisões judiciais que
impliquem despesa somente produzirão efeitos quando houver a “respectiva
e suficiente dotação orçamentária”. Tal limite nunca existiu para os
privilegiados gastos com a dívida pública: de contínua e crescente
ocorre a emissão e venda de novos títulos públicos para o pagamento de
juros nominais da dívida, apesar de ser inconstitucional (art. 167,
III)!
Também fazem parte do pacote a redução de salário dos servidores
públicos em até 25%, assim como o congelamento total do teto de gastos
instituído pela Emenda Constitucional 95/2016, devido à eliminação da
atualização monetária.
Por outro lado, além dos gastos financeiros com a dívida continuarem
sem limite ou controle algum, o pacote ainda deixa explícita a
utilização do estoque de centenas de bilhões de reais da Conta Única do
Tesouro (vinculados a áreas sociais) para pagamento da dívida pública,
confirmando a denúncia feita pela Auditoria Cidadã da Dívida, de que o
governo tem muito dinheiro em caixa, mas essa montanha de dinheiro é
reservada somente para o pagamento da dívida pública.
O pacote acaba com os Planos Plurianuais e o Orçamento Anual,
estabelecendo-se o Orçamento Plurianual, o que aumentará ainda mais a
blindagem de recursos para o pagamento aos privilegiados rentistas.
O governo assume que a dívida ocupa o centro das decisões econômicas,
e todas as demais políticas fiscais dependerão de sua
“sustentabilidade”, como previsto textualmente: “A União, os estados, o
Distrito Federal e os municípios conduzirão suas políticas fiscais de
forma a manter a dívida pública em níveis que assegurem sua
sustentabilidade” e que “a elaboração e a execução de planos e
orçamentos devem refletir a compatibilidade dos indicadores fiscais com a
sustentabilidade da dívida”.
Nesse sentido, o pacote aumenta o arrocho fiscal para privilegiar a
dívida. Em vez de auditar a questionável dívida (que até o TCU já
declarou que não serviu para investimentos no país), estabelecer juros
negativos e direcionar recursos para investimentos produtivos que gerem
crescimento socioeconômico, o governo reza na cartilha do retrógrado
“Pensamento Único” que corta investimentos sociais, aplica
contrarreformas como a da previdência e privatiza tudo para transferir
recursos aos privilegiados rentistas.
O cumprimento de todas as exigências desse pacote será monitorado por
um novo órgão que está sendo criado: Conselho Fiscal da República,
formado pelo presidente da República, da Câmara, do Senado, do STF, do
TCU, três governadores e três prefeitos. É o fim do federalismo, pois
estados e municípios perdem a sua autonomia e ainda ficarão amarrados às
limitações absurdas impostas pelo pacote.
Apesar de ser apresentado como uma recuperação do Pacto Federativo, o
pacote prevê também o fim da compensação das perdas dos estados com a
Lei Kandir e das ações judiciais relativas ao tema, em troca de um
suposto recurso a mais para estados e municípios.
Porém, tal recurso adicional é apenas uma promessa vaga, pois ele
ainda será condicionado à execução de determinadas políticas que não se
encontram detalhadas no pacote. Quais políticas? Seria o ajuste fiscal? A
implementação de outras reformas da previdência? A privatização de mais
empresas estatais? O corte de investimentos sociais?
Outro absurdo é a disputa entre os direitos sociais: União, estados,
DF ou municípios terão que escolher entre aplicar em saúde ou educação.
Segundo o pacote, se os entes federados aplicarem em saúde mais que o
piso exigido, poderão deduzir este valor do piso de recursos destinados à
educação, e vice-versa. Com o congelamento do teto, essas áreas sociais
terão que disputar recursos, o que significa redução nos recursos
destas áreas sociais essenciais.
O pacote ainda corta medidas destinadas à redução das desigualdades
regionais. Por exemplo, desobriga o poder público de investir
prioritariamente na expansão de sua rede de ensino na localidade em que
haja falta de vagas, ou de aplicar no Nordeste (preferencialmente no
semiárido) no mínimo 50% do valor destinado a irrigação no país.
Essa breve análise do pacote mostra mais uma vez que o Sistema da
Dívida precisa ser enfrentado, pois não há limite para os privilégios
dos rentistas que, além de tudo isso, querem se apoderar diretamente dos
impostos que pagamos por meio da chamada Securitização de Créditos
Públicos (PLP 459/2017 e PEC 438/2018).
A ferramenta eficaz para enfrentar esse privilégio abusivo do Sistema
da Dívida é a auditoria integral, realizada com ampla transparência e
participação da sociedade que tem pago essa elevada conta!
Fonte Diário do Centro do Mundo
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