"O que assusta é constatar que Bolsonaro e sua trupe também têm a
aprovação de parte relevante daqueles que estão sendo dizimados",
escreve o jornalista Eric Nepomuceno. "Que os privilegiados de sempre
apoiem o que está acontecendo me parece natural. Mas que parte dos
abandonados, dos espoliados de sempre também aprove, me destrói a alma"
Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia
Há quatro anos, numa noite de dezembro de 2015, um grupo de cinco
amigos saiu de um restaurante no Leblon. E um dos integrantes do grupo,
Chico Buarque de Hollanda, foi alvo de ofensas e agressões verbais por
parte de um grupo de homens jovens cuja profissão é ser filho de pai
rico.
Naquela ocasião, escrevi que a direita tinha saído do armário. Mais:
um armário embutido. E que como sempre ocorre com quem viveu a opressão
do disfarce ininterrupto, ao sair do armário e se assumir como tal essa
direita vinha com uma fúria sem limites.
Pois bem: passados esses anos, quero me corrigir. Quem saiu do armário não foi a direita, foi a mais radical extrema-direita.
Na verdade, aquilo – quatro meses antes do início do golpe que
destituiu Dilma Rousseff e abriu caminho para o objetivo central, tentar
liquidar Lula – antecipava a atmosfera que culminaria, três anos
depois, numa virada radical: muito mais que do armário, uma parcela
significativa dos brasileiros saiu das catacumbas onde cultivava ao
longo dos tempos o que há de mais retrógrado, ignorante e absurdo na
vida, tudo isso muito bem nutrido com doses maciças de ódio e
ressentimento.
É verdade que a intensa manipulação de um consórcio integrado pelos
grandes meios de comunicação, com as organizações Globo à frente, por um
sistema judiciário poltrão e cúmplice, a começar pelo Supremo Tribunal
Federal, e pelos donos do dinheiro alcançou o que buscava: fortalecer a
ignorância e a falta de memória de parcelas majoritárias do eleitorado.
Como resultado dessa ação, Jair Bolsonaro chegou onde chegou graças às abstenções, aos votos nulos e em branco.
Somando essa parcela do eleitorado com a que votou em Fernando
Haddad, fica bem claro que o capitão desequilibrado não estaria onde
está: a maior parte (61%) do total de eleitores ou seguiu Haddad, ou se
absteve ou anulou o voto ou votou em branco. A demonização da política
funcionou.
Passado um ano do pior e mais aberrante governo da história da
República, é assustadora a parcela que continua apoiando Bolsonaro.
É verdade que ele tem a pior avaliação entre todos os presidentes,
Collor de Melo inclusive, desde o fim da ditadura. Mas ainda assim, uma
pesquisa diz que 30% aprovam seu governo, e 32% consideram ‘regular’.
Poderia haver panorama pior? Sim, poderia e pode.
Sergio Moro, o abjeto juiz manipulador, que tem de decência o que eu
tenho de paquistanês, é mais popular que seu chefe. E o patético absurdo
chamado Damares Alves também.
A mesma pesquisa mostra que, se as eleições de 2022 fossem hoje, Moro
derrotaria Lula – margem ínfima, é verdade: 32 a 29% – num primeiro
turno, mas ampliaria essa vantagem para 48 a 39% num segundo.
E também traz uma revelação alucinante: dos entrevistados (por
telefone, o que diminuiu olimpicamente sua confiabilidade, mas
enfim...), 8% se dizem muito satisfeitos com a tragédia que o país vive,
40% apenas satisfeitos, e 44% se declaram insatisfeitos.
Como pode ser que haja mais satisfeitos, diante de toda essa destruição? Será que ninguém enxerga o que está acontecendo?
Claro que, em relação às eleições de 2022, a questão da eventual
disputa entre Lula e Bolsonaro ou Moro quer dizer pouco ou nada. Para
ser sincero, acho quase uma perda de tempo ficar nessa análise: é que
não sei se a gente chega até lá. E se chegar, não sei como estaremos.
O que me assombra e angustia é ver que a aberração presidencial chega
ao final do seu primeiro ano de um governo perverso com tamanha
aprovação. Sim, sim, a pior de todos os primeiros anos presidenciais
desde o fim da ditadura, mas se trata do pior governo da história.
Certamente algum sociólogo ou politólogo tratará de interpretar esse
quadro tenebroso. Eu sugiro que se busque a interpretação de um
psicólogo. Talvez a partir dela eu consiga entender mais ou menos o meu
país.
Sim, sim, eu sempre soube do racismo brutal, do preconceito social,
da misoginia, do conservadorismo disfarçado ou quase, da ignorância
generalizada sobre nossa própria história. Mas calculei mal sua
dimensão.
O que me assombra não é confirmar que a parcela mais rica e
supostamente educada, as chamadas elites, aprove Bolsonaro e seu
governo: era de se esperar, é algo óbvio.
O que assusta é constatar que Bolsonaro e sua trupe também têm a
aprovação de parte relevante daqueles que estão sendo dizimados.
Que os privilegiados de sempre apoiem o que está acontecendo
me parece natural. Mas que parte dos abandonados, dos espoliados de
sempre também aprove, me destrói a alma.
Fonte Brasil 247