Florestan Fernandes Jr., Jornalista pela Democracia, faz um resgate histórico mundial sobre a destruição de direitos trabalhistas e avalia que "nada parece tão devastador para os trabalhadores como os cortes aplicados pelas reformas feitas no Brasil a partir do golpe de Estado de 2016". "Em questão de direitos sociais, o Brasil recuou para o fim do século 19 e início dos 20", constata
Por Florestan Fernandes Jr., para o Jornalistas pela Democracia
Em 1989, ao comentar a queda do muro de Berlim, o historiador
britânico Eric Hobsbawm afirmou: "os ricos perderam mesmo o medo dos
pobres". Não creio que a recíproca seja verdadeira, mas, com a chegada
ao poder de bilionários como Donald Trump, Silvio Berlusconi, Vladimir
Putin, Sebastián Piñera, entre outros, os pobres têm bons motivos para
ter muito medo dos ricos.
Nos últimos anos, com o avanço do liberalismo e da extrema-direita, a
ganância do grande capital pelo lucro é tanta que estão sendo
retirados, um a um, quase todos os direitos sociais alcançados pelos
trabalhadores no século passado. Direitos que foram conquistados com
muita luta e concedidos pelos países capitalistas como um antídoto para
frear o comunismo e sua proposta de expansão da Revolução Russa em todo o
mundo a partir de 1917.
A Carta Del Lavoro, criada por Benito Mussolini em 1927, foi talvez
um dos primeiros documentos de acomodação do capital com o trabalho com
intermediação do Estado. Foi criada pelos fascistas italianos no
enfrentamento com os partidos e movimentos de esquerda na Europa. O
modelo da Carta do Trabalho, que ficou conhecido como corporativismo por
permitir a formação de entidades patronais e sindicatos dos
trabalhadores, foi copiado posteriormente pelos governos de Portugal,
Espanha, Turquia, França e Brasil.
Não foi à toa que Franklin Roosevelt, em meados dos anos 30,
implementou nos Estados Unidos a maior nação capitalista do planeta,
medidas de proteção ao trabalhador, como a criação do salário mínimo, do
seguro-desemprego, da aposentadoria e o investimento público em grandes
obras para a geração de emprego.
A partir de 1945, com o fim da segunda grande guerra, da criação do
Leste Europeu e do avanço das revoluções comunistas em parte da Ásia e
em Cuba, muitos dos países capitalistas implantaram diversas políticas
públicas ampliando direitos sociais dos cidadãos.
O conhecido Estado de Bem-Estar Social serviu também para reduzir as
tensões e os conflitos sociais gerados pela política econômica liberal
que propunha a não intervenção do Estado nas relações entre trabalho e
capital. A ideia era assegurar que as desigualdades de classes não
colocassem em risco o próprio sistema capitalista. Talvez por isso, a
oferta de serviços sociais foi muito maior nos países industrializados
do primeiro mundo do que nos países subdesenvolvidos e até nas nações de
economia socialista.
Portanto, quando o comunismo chegou ao fim, se extinguiu também o
contraponto político que, de alguma forma, protegia os direitos sociais e
trabalhistas dos cidadãos. O alerta feito por Hobsbawm se concretizou
principalmente a partir da crise financeira de 2008. De lá pra cá, mais
de 50 países capitalistas realizaram cortes brutais na previdência
social e restrições de direitos sociais.
Na Grécia, por exemplo, onde a renda principal de 52% das famílias
vem das aposentadorias, os cortes nos benefícios previdenciários
chegaram a até 50%. Uma medida drástica se considerarmos que 45% dos
aposentados gregos recebem aposentadorias inferiores ao valor da linha
de pobreza estipulada pela União Europeia.
Na Espanha, o governo ampliou em cinco anos a idade mínima para os
pedidos de aposentadoria das mulheres. As viúvas também perderam parte
dos benefícios sociais. Na Irlanda, o seguro-desemprego foi reduzido
para um ano.
Mas nada parece tão devastador para os trabalhadores como os cortes
aplicados pelas reformas feitas no Brasil a partir do golpe de Estado de
2016. Na Reforma Trabalhista, os trabalhadores não perderam apenas
direitos, mas também a possibilidade de buscar na Justiça reparos legais
de direitos e deveres do empregador. Na Reforma da Previdência, os
segurados tiveram seu tempo de contribuição e da idade mínima para o
pedido de aposentadoria aumentados. Os benefícios foram reduzidos para a
grande maioria, inclusive para as viúvas.
Por coerência ideológica, em defesa dos interesses do grande capital
internacional, Bolsonaro tem mesmo motivos para propor a destruição de
tudo que foi implantado no país até agora. Em questão de direitos
sociais, o Brasil recuou para o fim do século 19 e início dos 20.
O incrível é constatar que as pessoas que nos governos Lula e
Dilma bateram panelas e se vestiram de amarelo pedindo a redução nos
preços dos combustíveis e da passagem de ônibus - além de mais
investimentos em saúde e educação - agora estão num silêncio
inacreditável, como se nada estivesse acontecendo. Que Deus tenha
piedade de nós, brasileiros.
Fonte Brasil 247