“Ele era conhecido principalmente por seus discursos contra minorias,
políticos de esquerda, pacifistas, feministas, gays, elites
progressistas, imigrantes, a mídia e a Liga das Nações, precursora das
Nações Unidas”. Jair Bolsonaro? Não, esse era Adolf Hitler, segundo
análise feita pelo jornal alemão DW. A análise ainda cita motivos de se votarem em Hitler nos anos 30:
economia fraca, não confiança nos partidos estabelecidos, acreditar que o
discurso de violência era só fachada, medo das minorias, soluções
simplistas (assim como hoje, há décadas já se falava bandido bom é
bandido morto, mas em outras palavras), e um nacionalismo tão forte
quanto falso. Reconheceu algo no texto sobre Hitler? Pois agora reflita e veja o que estamos fazendo, ou já fizemos, nesse 2018-2020. Vale a experiência.
El País
Por Oliver Stuenkel
Ao longo da década de 1920, Adolf Hitler
era pouco mais do que um ex-militar bizarro de baixo escalão, que
poucas pessoas levavam a sério. Ele era conhecido principalmente por
seus discursos contra minorias, políticos de esquerda, pacifistas,
feministas, gays, elites progressistas, imigrantes, a mídia e a Liga das
Nações, precursora das Nações Unidas.
Em 1932, porém, 37% dos eleitores alemães votaram no partido de Hitler,
a nova força política dominante no país. Em janeiro de 1933, ele
tornou-se chefe de governo. Por que tantos alemães instruídos votaram em
um patético bufão que levou o país ao abismo?
Em
primeiro lugar, os alemães tinham perdido a fé no sistema político da
época. A jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos
esperavam. Muitos sentiam raiva das elites tradicionais,
cujas políticas tinham causado a pior crise econômica na história do
país. Buscava-se um novo rosto. Um anti-político promoveria mudanças de
verdade. Muitos dos eleitores de Hitler ficaram incomodados com seu
radicalismo, mas os partidos estabelecidos não pareciam oferecer boas
alternativas.
Em segundo lugar, Hitler sabia como usar a
mídia para seus propósitos. Contrastando o discurso burocrático da
maioria dos outros políticos, Hitler usava um linguajar simples,
espalhava fake news,
e os jornais adoravam sugerir que muito do que ele dizia era absurdo.
Hitler era politicamente incorreto de propósito, o que o tornava mais
autêntico aos olhos dos eleitores. Cada discurso era um espetáculo.
Diferentemente dos outros políticos, ele foi recebido com aplausos de pé
onde quer que fosse, empolgando as multidões. Como escreveu em seu
livro "Minha Luta":
Toda propaganda deve ser
apresentada em uma forma popular (...), não estar acima das cabeças dos
menos intelectuais daqueles a quem é dirigida. (...) A arte da
propaganda consiste precisamente em poder despertar a imaginação do
público através de um apelo aos seus sentimentos.
Em
terceiro lugar, muitos alemães sentiram que seu país sofria com uma
crise moral, e Hitler prometeu uma restauração. Pessoas religiosas,
sobretudo, ficaram horrorizadas com a arte moderna e os costumes
culturais progressistas que surgiram por volta de 1920, época em que as
mulheres se tornavam cada vez mais independentes, e a comunidade LGBT
em Berlim começava a ganhar visibilidade. Os conservadores sonhavam com
restabelecer a antiga ordem. Os conselheiros de Hitler eram todos
homens heterossexuais brancos. As mulheres, ele argumentou, deveriam se
limitar a administrar a casa e ter filhos. Homens inseguros podiam, de
vez em quando, quebrar vitrines de lojas, cujos donos eram judeus, para
reafirmarem sua masculinidade.
Em quarto lugar, apesar de
Hitler fazer declarações ultrajantes – como a de que judeus e gays
deveriam ser mortos -, muitos pensavam que ele só queria chocar as
pessoas. Muitos alemães que tinham amigos gays ou judeus votaram em
Hitler, confiantes de que ele nunca implementaria suas promessas.
Simplista, inexperiente e muitas vezes tão esdrúxulo, que até mesmo seus
concorrentes riam dele, Hitler poderia ser controlado por conselheiros
mais experientes, ou ele logo deixaria a política. Afinal, ele precisava
de partidos tradicionais para governar.
Em quinto,
Hitler ofereceu soluções simplistas que, à primeira vista, faziam
sentido para todos. O problema do crime, argumentava, poderia ser
resolvido aplicando a pena de morte com mais frequência e aumentando as
sentenças de prisão. Problemas econômicos, segundo ele, eram causados
por atores externos e conspiradores comunistas. Os judeus - que
representavam menos de 1% da população total - eram o bode expiatório
favorito. Os alemães "verdadeiros" não deviam se culpar por nada. Tudo
foi embalado em slogans fáceis de lembrar: "Alemanha acima de tudo", "Renascimento da Alemanha", "Um povo, uma nação, um líder."
Em
sexto lugar, as elites logo aderiram a Hitler porque ele prometeu -- e
implementou -- um atraente regime clientelista, cleptocrata, que
beneficiava grupos de interesses especiais. Os industriais ganharam
contratos suculentos, que os fizeram ignorar as tendências fascistas de Hitler.
Em
sétimo, mesmo antes da eleição de 1932, falar contra Hitler tornou-se
cada vez mais perigoso. Jovens agressivos, que apoiavam Hitler,
ameaçavam os oponentes, limitando-se inicialmente ao abuso verbal, mas
logo passando para a violência física. Muitos alemães que não apoiavam o
regime preferiam ficar calados para evitar problemas com os nazistas.
Doze anos depois, com seis milhões de judeus exterminados e mais de 50 milhões de pessoas mortas na Segunda Guerra Mundial,
muitos alemães que votaram em Hitler disseram a si mesmos que não
tinham ideia de que ele traria tanta miséria ao mundo. “Se soubesse que
ele mataria pessoas ou invadiria outros países, eu nunca teria votado
nele ”, contou-me um amigo da minha família. “Mas como você pode dizer
isso, considerando que Hitler falou publicamente de enforcar criminosos
judeus durante a campanha?”, perguntei. “Eu achava que ele era pouco
mais que um palhaço, um trapaceiro”, minha avó, cujo irmão morreu na
guerra, responderia.
De fato, uma análise mais objetiva
mostra que, justamente quando era mais necessário defender a democracia,
os alemães caíram na tentação fácil de um demagogo patético que
fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas propostas
concretas de como lidar com os problemas da Alemanha em 1932.
Diferentemente do que se ouve hoje em dia, Hitler não era um gênio. Não
passava de um charlatão oportunista que identificou e explorou uma
profunda insegurança na sociedade alemã.
Hitler não
chegou ao poder porque todos os alemães eram nazistas ou anti-semitas,
mas porque muitas pessoas razoáveis fizeram vista grossa. O mal se
estabeleceu na vida cotidiana porque as pessoas eram incapazes ou sem
vontade de reconhecê-lo ou denunciá-lo, disseminando-se entre os alemães
porque o povo estava disposto a minimizá-lo. Antes de muitos perceberem
o que a maquinaria fascista do partido governista estava fazendo, ele
já não podia mais ser contido. Era tarde demais.
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