Assim,
o que resta é o retrato da estratégia da explosão. Cortar as
verbas por meio de “austeridade” orçamentária. Reduzir os
salários dos servidores atuais. Apontar para salários futuros mais
baixos. Introduzir a possibilidade de contratação e demissão ao
bel prazer do governante de plantão.
Por
Paulo Kliass
Sob o título genérico e pomposo de “Reforma” Administrativa, Paulo
Guedes tenta convencer seu chefe a encaminhar ainda nessa semana, ao
Congresso Nacional, um conjunto de medidas para cumprir mais uma etapa
em sua missão de promover a destruição do Estado e de finalizar o
desmonte das políticas públicas.
Esse
processo vem de longe. Desde que se consolidou nas classes dominantes
e nos meios de comunicação a ideia força de “austeridade”
fiscal a qualquer custo, a agenda política passou a ser dominada por
essa verdadeira obsessão emanada pelos sucessivos responsáveis da
política econômica dos diferentes governos. A única alternativa
que esse pessoal enxerga para resolver a maior recessão que o Brasil
já enfrentou em sua História é insistir no “cortar, cortar e
cortar”. Seria apenas triste, se não fosse tão trágico.
A
Emenda Constitucional (EC) 95/2016 impôs o congelamento dos gastos
públicos não-financeiros por duas décadas. A “Reforma” da
Previdência aprovada no final de 2019 cristalizou a retirada de
direitos de trabalhadores e aposentados com o discurso demagógico e
mentiroso da iminente quebra do Estado. Na sequência, o governo do
capitão encaminhou ao Congresso Nacional três Propostas de Emenda
Constitucional (PECs 186, 187 e 188), sob o rótulo enganador de
“Plano mais Brasil”.
Na
verdade, podemos qualificá-lo pelo título de “Plano Menos
Brasil”, uma vez que insiste pela trilha da redução da presença
e das responsabilidades da administração pública. Com a bússola
guiada pelo norte da desconstrução dos preceitos estabelecidos pela
Constituição de 1988, Guedes incorpora o personagem de Exterminador
do Futuro atuando no tempo presente.
As
PECs: Plano Menos Brasil
A PEC 186 pretende, entre outras maldades, impor a redução unilateral e autoritária dos salários dos servidores em 25%, sob o falso argumento de redução da jornada de trabalho na mesma proporção. Já a PEC 187 propõe a extinção de mais de 240 fundos financeiros governamentais e a apropriação de seus saldos superavitários para compor a inescapável missão de honrar parte das despesas com juros do governo federal. A intenção é que o Tesouro Nacional se aproprie de R$ 213 bilhões com a extinção dos mesmos. Ou seja, trata-se de mais um capítulo da retirada de direitos sociais para assegurar privilégios ao financismo. A proposta é criminosa!
A PEC 186 pretende, entre outras maldades, impor a redução unilateral e autoritária dos salários dos servidores em 25%, sob o falso argumento de redução da jornada de trabalho na mesma proporção. Já a PEC 187 propõe a extinção de mais de 240 fundos financeiros governamentais e a apropriação de seus saldos superavitários para compor a inescapável missão de honrar parte das despesas com juros do governo federal. A intenção é que o Tesouro Nacional se aproprie de R$ 213 bilhões com a extinção dos mesmos. Ou seja, trata-se de mais um capítulo da retirada de direitos sociais para assegurar privilégios ao financismo. A proposta é criminosa!
Nessa
lista estão, por exemplo, fontes de recursos para áreas vitais do
governo e da sociedade, como Fundo de Financiamento ao Estudante do
Ensino Superior (FIES), Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Fundo
de Garantia à Exportação (FGE), Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS),
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
Fundo Nacional da Cultura (FNC), Fundo de Desenvolvimento do Nordeste
(FDNE), Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entre tantos outros. Todos
vão desparecer e seus saldos serão imediatamente transformados em
pagamento de juros. Uma loucura!
A
PEC 188 busca replicar para a esfera de Estados e Municípios toda a
sorte de maldades cometidas contra os servidores federais, além de
abrir as portas para que chefes dos executivos subnacionais encontrem
amparo legal no plano federal para implementar as “austeridades”
em seus espaços de governo. Ela já foi apelidada de “PEC do Pacto
Federativo”, mas amplia sua abrangência para outros temas. Por
exemplo, torna não obrigatórias figuras importantes previstas na
Constituição para o processo de planejamento público, como o Plano
Plurianual (PPA). Além disso, abre a possibilidade de serem criadas
excepcionalidades nos gastos (com pessoal, por exemplo) sempre que
houver algum risco com a chamada “regra de ouro” das finanças
públicas. Concretamente, torna-se possível não pagar salários ou
benefícios previdenciários quando se apresentar a necessidade de
maior endividamento para que o governo possa continuar praticando a
política fiscal da “austeridade” burra.
Destruição
do Estado e a “culpa” dos servidores.
Enfim,
não satisfeito com esse pacote de perversidades, Paulo Guedes agora
pretende encaminhar um conjunto de medidas embrulhadas sob o rótulo
da “Reforma Administrativa”. O governo dizia, já ao longo do ano
passado, que essas medidas eram essenciais e inadiáveis. No entanto,
as dificuldades foram se apresentando ao longo do percurso e o
ministro foi sendo obrigado a contornar obstáculos de resistência
interna ao próprio bloco de apoio a Bolsonaro. Tanto que até agora
nada foi fechado em termos de anúncio do “pacote oficial”.
Os
boatos e rumores permitem antecipar algumas das crueldades fabricadas
nos laboratórios do alto comando do ministério da Economia. Como a
ideia força do projeto geral é fazer terra arrasada do que ainda
existe da presença do Estado prestador de serviços públicos, o
caminho passa por estrangular a administração estatal e matá-la
por inanição. Nada mais útil na estratégia de destruição do
Estado do que jogar a opinião pública contra ele. O blá-blá-blá
é bastante conhecido: fonte de corrupção, salário de marajás,
bando de vagabundos com salários elevados, etc, etc. E aí fica a
tal da “disputa de narrativa”, com os grandes órgãos de
imprensa fornecendo todo o apoio necessário às teses e às
propostas do financismo. No imaginário popular, fica gravada a
figura do servidor público com o salário elevado do promotor e com
a impunidade do juiz.
Uma
parte de nossas elites tem muita raiva dos servidores públicos. Mas
não teria razão para tanto. Aproveita-se de uma parte dos
dirigentes dos mesmos quando precisa de seus “favores especiais”,
mas sempre se sai com o discurso da meritocracia e do
empreendedorismo para justificar sua ânsia de degola de tudo o que
cheira a setor público em seu entorno. Vai bastante ao BNDES buscar
seus recursos a juros subsidiados, mas não perde a oportunidade de
xingar a suposta caixa preta do banco. Conta com seus esquemas de
informação privilegiada para reduzir os pagamentos de tributos
devidos, mas não passa um dia sequer sem bradar contra essa suposta
burocracia corrupta da administração pública.
O
discurso apresentado por Guedes cai como sopa no mel. “Vamos acabar
com a estabilidade dos servidores públicos”. Assim, poderemos
mandar embora o fiscal do IBAMA que dificulta alguma tentativa de
extração ilegal de madeira, que alerta para e existência de
desmatamento irregular ou que denuncia o risco de rompimento de
alguma barragem da mineradora. Assim, poderemos demitir sem problemas
aquele servidor do ministério do Trabalho que não desiste de
denunciar a prática de trabalho análoga à escravidão.
Serviços
públicos serão prejudicados
Os
profissionais da saúde que insistirem em manter os protocolos
profissionais recomendados pela OMS ou entidades da área receberão
as devidas ameaças de perda do emprego, caso não se sujeitem às
vontades do prefeito, do governador ou presidente da República. O
mesmo se aplicará aos professores das creches, escolas e
universidades que não se conformem com as orientações do
governante de plantão, por mais amalucados e criminosos que sejam
nas suas insistências com ensino criacionista, teorias do
terraplanismo, militarização das unidades de ensino y
otras coistas más.
Outra
característica de nosso serviço público que incomoda esse pessoal
é o ingresso por meio de concurso público e universal. Esse
mecanismo impede o apadrinhamento do conjunto da máquina e garante,
em tese, uma administração impessoal e mais profissional. Pois
então, uma das possibilidades do pacote é o da contratação de
funcionários sem a obrigatoriedade de seleção por concursos.
Ótimo! Assim, o governante vai poder contatar quem ele desejar para
os postos dos servidores. Uma banana para princípios como
impessoalidade e respeito ao espírito republicano.
No
que se refere à questão salarial, sempre volta à baila a ladainha
dos salários excessivos do setor público. E dá-lhe promover
comparações com a realidade do setor privado, ainda mais em uma
época onde o desemprego elevado já dura quase 5 anos. Como sempre,
a estratégia de marketing dos exterminadores busca os casos
extremados e joga para generalização junto à plateia. Mas o fato
concreto é que o Estado precisa remunerar bem seus servidores para
que a população receba os serviços de qualidade na ponta ou sob a
forma de uma Nação mais desenvolvida, igual e respeitada no mundo.
A
existência de nichos de exageros e privilégios não justifica a
destruição de um modelo necessário para prover bem estar para a
sociedade. A grande maioria dos servidores está localizada nos entes
subnacionais – nos Estados e nos Municípios. E seus vencimentos
são mais baixos do que os pagos na administração pública federal.
O mito do “funcionário marajá” foi muito utilizado há 30 anos,
quando Collor de Mello iniciou sua cruzada contra os servidores
públicos. Qualquer semelhança com a saga atual de Paulo Guedes não
será mera coincidência.
A
grande maioria dos servidores públicos se compõe de profissionais
da Saúde e da Educação. Mas essa realidade não aparece no
discurso oficial da extinção. São aqueles que sustentam as
estruturas e os serviços de áreas tão fundamentais para a grande
maioria da população brasileira. O preconceito destilado de forma
generalizada contra o funcionário público estereotipado não
encontra um pingo de correspondência na realidade. Inclusive porque
Bolsonaro já alertou Paulo Guedes para retirar os militares, os
profissionais da segurança, os membros do Judiciário e do
Ministério Público de suas intenções iniciais.
Assim,
o que resta é o retrato da estratégia da explosão. Cortar as
verbas por meio de “austeridade” orçamentária. Reduzir os
salários dos servidores atuais. Apontar para salários futuros mais
baixos. Introduzir a possibilidade de contratação e demissão ao
bel prazer do governante de plantão.
Para
o futuro de terra arrasada só sobrarão os serviços de saúde
privados e contra o pagamento de tudo o que for necessário para
obtê-lo. Os serviços de educação serão pagos e privatizados. Os
serviços de segurança deverão ser contratados com a milícia da
cidade ou da região. Nada de fiscalização e regulamentação
públicas nas áreas recomendadas, pois o que funciona mesmo é a lei
do livre mercado. Ninguém precisará mais de recorrer ao INSS, uma
vez bastará ir ao banco para pleitear sua aposentadoria na forma de
capitalização. E vamoquevamo!
A
palavra está com o Congresso Nacional. Será a oportunidade para os
parlamentares se posicionarem a respeito de tema tão sensível como
esse. Teremos eleições em outubro e a população está de olho no
comportamento dos mesmos. Poderão escolher o lado do financismo e do
grande capital, para ampliar o processo de desmonte do Estado. Ou
então, poderão assegurar a continuidade dos serviços públicos
destinados à maioria de nosso povo por meio de recursos
orçamentários e servidores capacitados para tanto.
Fonte Outras Palavras