"Ainda que pertençam a facções distintas e possam ter conflitos pontuais, Sérgio Moro e Jair Bolsonaro estão unidos na corrupção dos sistemas policial e de justiça do país", escreve o colunista Jeferson Miola
O principal defensor do miliciano Adriano da Nóbrega não é
nenhum advogado renomado; é ninguém menos que Jair Bolsonaro – o
presidente do Brasil que age como chefe de milícia e advogado de
miliciano.
Em comunicado publicado no facebook que evidencia a total
ausência de decoro e a absoluta incompatibilidade com o cargo
presidencial, o Bolsonaro defensor do excludente de ilicitude [licença
para matar] veste um disfarce de defensor dos direitos humanos para
reclamar que a polícia da Bahia “não procurou preservar a vida de um foragido, e sim sua provável execução sumária”.
O “foragido” a que Bolsonaro se refere com inusitada candura é
ninguém menos que o miliciano Adriano da Nóbrega, contra quem existia um
alerta de captura internacional da Interpol. A despeito, contudo, de
Adriano ser um procurado internacional, o ministro bolsonarista Sérgio
Moro surpreendentemente excluiu o miliciano ligado aos Bolsonaro da
lista de bandidos mais procurados do país [sic].
No argumento de defesa do miliciano, Bolsonaro citou como atenuante que “O então tenente Adriano [que Bolsonaro chama de herói] foi condecorado em 2005”.
Embora declare não ter relações com Adriano, o que é uma mentira
grosseira, Bolsonaro atua como quem conhece em detalhes a trajetória
criminal do miliciano cuja mãe e esposa trabalharam no gabinete do filho
Flávio na ALERJ até dezembro de 2018: “Até a data de sua execução, 09 de fevereiro de 2020, nenhuma sentença condenatória transitou em julgado em desfavor do mesmo”, disse ele.
Para alimentar a matilha bolsonarista sedenta de ódio e para também
desviar a atenção sobre o essencial, que é o notório interesse dos
Bolsonaro no silêncio do miliciano mediante sua eliminação física,
Bolsonaro mentiu e fez imputações delirantes a Lula, ao PT e a petistas.
O PT rebateu duramente as mentiras e truques baixos do Bolsonaro [ler aqui].
O governador petista Rui Costa, entretanto, continua devendo
esclarecimentos sobre os enigmas que cercam a morte de Adriano, que o
próprio Moro reconheceu tratar-se de assassinato [aqui e aqui].
A execução do Adriano e a obscuridade que cerca sua eliminação não é
um episódio isolado do governo Bolsonaro, mas é um fato que carrega a
marca registrada do universo bolsonarista: silenciamentos, sumiços,
fugas, execuções, mentiras, manipulações, falcatruas, assassinatos etc –
ou seja, uma realidade típica de máfias e esquemas criminosos
incrustados no coração do poder.
É possível fazer-se um amplo inventário de fatos escabrosos que
envolvem os Bolsonaro e que, por incrível coincidência, se tornam
opacos: o sumiço do Fabrício Queiroz e seus familiares; a manipulação da
investigação do assassinato da Marielle; a perícia farsesca do MP/RJ na
gravação da portaria do condomínio Vivendas da Barra; o isolamento de
Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro acusado de assassinar Marielle; a
presença de Carlos Bolsonaro no Vivendas da Barra [e não em sessão da
Câmara de Vereadores, que ele usa como álibi] no mesmo momento em que os
assassinos da Marielle ultimavam os preparativos do crime; a presença
de Adélio Bispo no mesmo clube de tiro freqüentado por Carlos e Eduardo
Bolsonaro em SC; a incomunicabilidade de Adélio Bispo em presídio
federal e as mortes de um morador e da proprietária da pensão onde
Adélio se hospedou em Juiz de Fora nos dias precedentes à suposta
facada; o sinistro confronto entre as polícias de SP e MG no
estacionamento do hospital de Juiz de Fora onde Bolsonaro recebeu
atendimento; o laranjal do PSL do ministro do Turismo em MG; o tráfico
internacional de 39 Kg de cocaína em avião da frota presidencial; a
prevaricação do Moro para deixar o terrorista Eduardo Fauzi, do PSL,
fugir do país depois de perpetrar atentado a bombas contra a sede do
Porta dos Fundos etc.
O diferencial em relação a estes fatos catalogados acima e a execução
do Adriano é que com o miliciano capturado vivo se poderia talvez
descobrir a fundo os negócios obscuros dos Bolsonaro na política e na
criminalidade.
A execução do Adriano, por isso, tem características de um
empreendimento meticulosamente planejado para a queima deste arquivo
incômodo para os Bolsonaro, a começar pelo álibi de ser morto pela
“polícia do governo petista” da Bahia [aqui].
Adriano pode ter sido fisgado pela mensagem “tranquilizadora” de Moro
de que não constava da lista de bandidos procurados e, portanto, pode
ter relaxado as precauções de fuga [aqui].
Matar Adriano não significa combater as milícias; mas, muito ao
contrário, significa eliminar um fator de dificuldade para os interesses
mafioso-milicianos dedicados a ilícitos variados, como controle de
territórios urbanos, jogo do bicho, lavagem de dinheiro, peculato, venda
de serviços clandestinos [gás, internet, luz] e assassinatos por
encomenda.
Com Moro e Bolsonaro, a proteção às milícias e ao crime é uma
política de Estado. Ainda que pertençam a facções distintas e possam ter
conflitos pontuais, Moro e Bolsonaro estão unidos na corrupção dos
sistemas policial e de justiça do país.
Moro e Bolsonaro “são uma coisa só”, como diz Rosângela Moro,
esposa do ministro e sócia de Carlos Zucolotto, o padrinho do casal Moro
que cobrou US$ 5 milhões de propina de Tacla Duran para facilitar um
acordo de delação premiada com os procuradores da organização criminosa
de Curitiba, como Gilmar Mendes denomina a força-tarefa da Lava Jato.
Como se vê, não é por acaso ou por mera coincidência que essa gente anda junto.